José Horta Manzano
Com alarido, toda a imprensa brasileira noticiou, em primeira página, a prisão do senhor Abd El-Massih, cidadão brasileiro. Condenado a quase 300 anos de cadeia(!) mas foragido da Justiça, o “elemento” ― como se diz no jargão policial ― foi capturado no vizinho Paraguai.
Até aí, morreu o Neves. Disso todo o mundo já sabe. O curioso vem logo a seguir. O homem tem diploma de medicina e exerceu seu ofício durante décadas. Desde que foi condenado, pendurou estetoscópio e bisturi. Como é que fica? Ainda é médico ou deixou de sê-lo?
A imprensa brasileira não é unânime. Alguns o consideram médico de direito pleno, enquanto outros já o privaram do título. Vejam só a cacofonia:

O jornal Tribuna do Norte já lhe aboliu a formação.


Para o jornal Zero Hora, ele ainda é médico.


O jornal O Tempo já lhe aboliu a formação.


Para o jornal Tribuna Hoje, ele ainda é médico


O Jornal do Brasil já lhe aboliu a formação.


Para o jornal R7, ele ainda é médico.


O jornal Gazeta do Povo já lhe aboliu a formação.


Para o jornal O Globo, ele ainda é médico.


O jornal G1 já lhe aboliu a formação.


Para o jornal Folha de São Paulo, ele ainda é médico.


O jornal O Estado de São Paulo já lhe aboliu a formação.


Para o jornal Correio Braziliense, ele ainda é médico.


O jornal Estado de Minas já lhe aboliu a formação.


Para o jornal 247, ele ainda é médico.


O jornal Circuito Mato Grosso já lhe aboliu a formação.


Para fechar com chave de ouro, o jornal Cidade Verde, hesitante, prefere ficar em cima do muro.

No meu parecer, não há que confundir profissão com função. Às vezes elas podem se sobrepor ― é o caso do advogado formado e diplomado que exerce a advocacia.
Podem também divergir. Há engenheiros formados que deram uma guinada e se tornaram comerciantes. Continuam sendo engenheiros de profissão, mas exercem atualmente a função de comerciantes.
O senhor do qual falamos neste artigo, ainda que tenha tido sua licença de exercer cassada, não deixou de ser médico de formação, de diploma e de profissão. E assim será até seu último suspiro.
Cargos políticos, embora às vezes nos pareçam eternos, são exemplo de função. Um presidente que já foi torna-se ex-presidente. Não existe a “profissão” de presidente, ainda que alguns assim imaginem.
Diretor, proprietário, empresário, chefe, vereador, encarregado são funções. São meros cargos com começo, meio e fim. Já médico, psicólogo, biólogo, geógrafo, bibliotecário são profissões regulamentadas. Para exercê-las, é preciso ser reconhecido pelo órgão que cuida dessa determinada área.
Resumo da ópera
O senhor Abd El-Massih pode até passar os próximos 300 anos no xilindró sem examinar nenhum paciente ― nem por isso deixará de ser médico.