O desmancha-prazeres

José Horta Manzano

Você sabia?

Nesta época de presentes e de correria, muita gente prefere fazer em casa a embalagem de festa. Com calma e um pouco de imaginação, sai muito mais bonito. Hoje em dia, praticamente tudo o que se compra vem com etiqueta de preço. Antes de começar a embalar, a primeira providência é tirá-la. De fato, não cai bem oferecer regalo com preço marcado. O problema não é tanto o objeto ter custado caro ou barato. Simplesmente, não se faz.

Para os que costumavam mandar por correio uma lembrancinha a algum parente ou amigo distante, uma nova regulamentação dos Correios cai feito tijolada. A partir de 2 de janeiro de 2017, toda encomenda postal deve obrigatoriamente ser acompanhada de nota fiscal afixada ‒ bem visível ‒ na parte externa da embalagem.

Correios do Brasil
Declaração de Conteúdo – formulário oficial

Pessoa física não emite nota fiscal, portanto está isenta da obrigação, argumentará o distinto leitor. Engano. As autoridades ‒ quem sabe as mesmas que carregam malas de dinheiro sem nota fiscal ‒ pensam em tudo. Trocas entre não contribuintes do ICMS deverão ser acompanhadas por uma «Declaração de Conteúdo», documento que discrimina os objetos incluídos no pacote, com quantidade, peso e valor. Pronto: está armado o golpe desmancha-prazeres.

Na teoria, nossa legislação baseia-se no princípio de que todo acusado é inocente até que se demonstre o contrário. Essa é a teoria. Na prática, a coisa é bem diferente. Nos pequeninos atos quotidianos, a gente se dá conta de que somos todos vistos como culpados até que provemos não o ser. O ônus da prova, que deveria caber à acusação, recai sobre o acusado. E acusados, ao fim das contas, somos todos nós.

Vírgulas sobrando e palavra “fantasma”
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O formulário de Declaração de Conteúdo está disponível no site dos Correios. Além do constrangimento causado pela obrigação de declarar o valor do presente enviado ao primo ou à avozinha distante, o remetente tem de ler frases desconexas, redigidas em português torturado, indignas de figurar num formulário oficial.

Eu ia comentar cada imprecisão mas, à vista do volume, desisti. Limitei-me a anotar em vermelho os deslizes, como se usava fazer nas sabatinas de antigamente. Há um festival de vírgulas indevidas. Fica a impressão de que o escriba jogou meia dúzia delas pra cima e as deixou ficar exatamente onde caíram. Há letras maiúsculas indevidas (em Contribuinte, por exemplo). Há palavras sobrando.

Observações ao pé do formulário
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A segunda das duas observações é simplesmente incompreensível: li, reli e tresli sem atinar com o que pretendiam dizer.

Pra coroar a indigência (e a falta de revisão) da escrita, a última linha traz frase cômica: «Sob pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (anos), e multa…». Ainda estou me perguntando por que raios (anos) aparece entre parênteses. E por que terão posto uma vírgula depois dos 5 (anos).

Querem saber de uma coisa? Aposto que vai ficar por isso mesmo. A partir de agora, a avó distante ficará a par do preço do presente do netinho. E o netinho continuará sendo obrigado a navegar pelo mar revolto das frases martirizadas.

Feliz ano-novo!

Quem pode, pode

José Horta Manzano

Você sabia?

Desde que o passe do jogador Neymar foi comprado pelo clube de futebol de Paris, os franceses se sentem muito orgulhosos. Até certo ponto, a razão da euforia me escapa, mas franceses em geral e parisienses em particular se mostram pra lá de honrados com a presença «de la star brésilienne» ‒ do astro brasileiro, como o esportista é chamado na França. O jovem traz grande prestígio à equipe local. Os torcedores já se sentem vencedores, por antecipação, do campeonato nacional que acaba de começar.

Muita gente se escandaliza com a dinheirama que o rapaz recebe. É verdade que, só pra efeito de comparação, o salário de 30 milhões de euros anuais equivale ao dobro do que foi encontrado estes dias dentro de malas num apartamento baiano. É dinheiro pra ex-ministro nenhum botar defeito! E atenção: isso não inclui ganhos com publicidade, marketing, direitos de imagem & outros mimos.

Entrada do Hotel Royal Monceau, Paris

Pois a mim, não escandaliza. Se as malas do político estavam recheadas de notas de origem duvidosa, as posses do jogador têm origem lícita e notória. Ao fim e ao cabo, o moço foi contratado por um clube que, por seu lado, é propriedade do emir do Catar. Francamente, quem é que recusaria tamanha dádiva? Acho que os que reclamam o fazem mais por inveja do que por outro motivo.

A grande notícia desta semana é que, depois de passar algumas semanas numa suíte do Royal Monceau, luxuoso hotel parisiense, Neymar está de mudança. Está se instalando numa residência dos arredores da capital, num pequenino município de nove mil habitantes chamado Bougival, situado às margens do Rio Sena e famoso por já ter abrigado outros figurões, entre os quais Ronaldinho Gaúcho.

Fachada da nova residência futurista de Neymar. Bonita não é, mas espaço não falta.

Alugou modesta mansão de cinco andares, com área construída equivalente à de um supermercado. Situada no meio de um gramado de 5000 m2, a casinha conta ainda com piscina no subsolo. Embora seja constituída de gente abonada, a vizinhança anda alvoroçada. Um dos vizinhos, entrevistado por jornalistas, contou que, por enquanto, reina a calma nas paragens. Mas Neymar tem fama de festeiro. O entrevistado, meio brincalhão, revelou que, caso se sinta incomodado, não hesitará em bater à porta do novo habitante para pedir silêncio.

Quanto ao prefeito da localidade, está animado. Espera que a presença do novo munícipe faça boa propaganda da cidadezinha e, quem sabe?, contribua para atrair outros endinheirados. Isso seria excelente para as finanças locais. Só o salário do jogador equivale ao triplo do orçamento anual do município. Os comerciantes torcem para o lugarejo se tornar ponto de peregrinação turística. Todos terão a ganhar.