Dois avisos

José Horta Manzano

Na quarta-feira 18 de maio, a Casa Branca mandou dois avisos.

Primeiro aviso
Suécia e Finlândia apresentaram seu pedido oficial de entrada na Otan. Para refrescar a memória, a Otan é uma aliança militar de defesa mútua do tipo “um por todos, todos por um”. Inclui os EUA, o Canadá e praticamente todos os países europeus, com exceção das micronações e dos países neutros (Suíça e Áustria).

No fundo, o interesse maior de cada membro do clube é abrigar-se debaixo do “guarda-chuva” nuclear dos Estados Unidos, a maior potência militar do planeta. É a melhor garantia contra agressões como a que a Ucrânia está sofrendo.

Só que tem um problema. A admissão da Suécia e da Finlândia não será imediata. O processo pode levar 6 meses ou mais. Enquanto isso, tecnicamente os dois países não fazem parte da aliança e, em princípio, não contam com sua ajuda.

É um período perigoso. Se sofrerem um ataque – da Rússia, de quem mais? – terão de se defender sozinhas.

O presidente Biden mostrou ter entendido o drama. Ontem mesmo a Casa Branca publicou um comunicado oficial garantindo que, mesmo neste período em que o procedimento de adesão não está finalizado, os EUA acudirão Finlândia e a Suécia “para deter e enfrentar toda agressão ou ameaça de agressão”. Traduzindo: para os EUA, os dois países já fazem parte do clube.

O recado foi direto para Putin: mexeu com eles, mexeu comigo. Não ouse!

Segundo aviso
No mesmo dia, Elizabeth Bagley, diplomata indicada por Biden para o cargo de embaixadora dos EUA em Brasília, foi sabatinada pelo Congresso americano.

Durante a audição, a diplomata lembrou que tem 30 anos de experiência em supervisão de eleições ao redor do mundo. Disse ter certeza de que as eleições brasileiras de outubro serão livres e justas, dada a tradição do país nesse particular.

Com estilo diplomático, fez uma referência leve mas incisiva ao comportamento do capitão, que tem feito o que pode para conturbar o processo eleitoral. A nova embaixadora mostrou estar ciente de que “os tempos serão difíceis” por causa “da quantidade de comentários”. Não chegou a apontar o autor dos “comentários”. Nem precisava.

São múltiplas as maneiras de exercer pressão sobre um país. Nem sempre é necessário recorrer a uma invasão. A futura embaixadora americana traz na sacola recados para o capitão. Se ele continuar a perturbar o processo eleitoral e, pior ainda, se ousar tentar derrubar a ordem constitucional, as consequências serão imediatas e vigorosas.

Diferentemente do que Bolsonaro parece acreditar, os países no mundo atual são interdependentes. O Brasil não é uma ilha. Nosso país depende de tecnologia estrangeira para funcionar. Um avião enguiçado precisa de peças americanas. Um aparelho de ressonância magnética é fabricado no exterior. Nossa indústria – química ou mecânica – é tributária de insumos americanos.

O que a embaixadora dirá a Bolsonaro – e que não sairá nos jornais – é justamente isto: se vosmicê ousar dar “aquele” passo torto, a torneirinha vai fechar e o Brasil vai parar. Será um caos. Um embargo americano pode ser extremamente dolorido, que o digam Cuba e o Irã.

Com o país enguiçado e o povo revoltado, quem vai levar um chute no traseiro é vosmicê.

Pronto, já lhe dei o aviso adiantado.

Fim da boquinha

José Horta Manzano

AQUI
Mostrando poder sem limites, outro dia o STF interveio no calendário. Ao dar-se conta de que um feriado caía num sábado, sua presidente tomou a decisão de transferi-lo para a sexta-feira da semana seguinte. O Brasil deu de ombros e não viu nada de errado.

É sabido que parlamentares federais não costumam aparecer na segunda nem na sexta-feira. Quando um feriado cai numa quarta-feira, então, é comum enforcar a semana inteira. O Brasil dá de ombros e não vê nada de errado.

ALI
Em agosto de 2013, uma diplomata de carreira foi nomeada para o posto de embaixadora da Suíça na Venezuela. Acompanhada do marido, transferiu residência para Caracas. Sua missão durou pouco mais de dois anos, até o fim de 2015, quando foi chamada de volta a Berna.

Uma auditoria de rotina havia revelado que, nos anos de 2013 e 2014, a diplomata havia tirado 69 dias de férias a mais do que devia. Com salário pleno, evidentemente. Um inquérito administrativo foi aberto.

Além de confirmar o excesso de férias, a investigação revelou outros abusos. Descobriu-se que, quando de suas viagens entre a Suíça e a Venezuela, a diplomata aproveitava para fazer escalas prolongadas em outros países. Acompanhada do marido e sem motivos profissionais. E as despesas, pagas com cartão corporativo, eram cobertas pelos cofres públicos.

A embaixadora foi imediatamente suspensa de suas funções e tornou-se ré de processo por improbidade administrativa. Na Suíça, considera-se que seus atos não somente contrariaram a relação entre empregado e empregador, mas foram desrespeitosos para com o interesse público.

A sentença do Tribunal Administrativo Federal acaba de sair. A acusada foi condenada à perda do emprego por justa causa, efetiva desde o dia em que foi suspensa. Sua carreira diplomática está encerrada.

AQUI E ALI
No Brasil, a lei concede benefícios extraordinários a ex-presidentes. Dá-lhes direito a pensão vitalícia, automóvel, motorista, guarda-costas, secretários. Ao conceder a aposentadoria, o legislador levou em consideração a dificuldade que um ex-presidente teria em encontrar novo emprego, o que parece justo. Já os demais penduricalhos foram acrescentados com o passar do tempo.

Embora os benefícios pareçam exagerados, vamos admitir que sejam normais. O que não me parece normal é que nossa ex-presidente destituída saia pelo mundo acompanhada do séquito ‒ viajando à nossa custa ‒ para dar palestras nas quais diz, entre outros horrores, que foi apeada por «golpe de Estado».

Carta aberta ao chanceler

Excelentíssimo Senhor José Serra,

Antes de mais nada, permita-me congratular-me com Vossa Excelência pela direção auspiciosa que a diplomacia brasileira assumiu sob seu comando. Foi guinada importante, verdadeira recondução do comboio a trilhos que nunca deveriam ter sido abandonados.

Pela mídia, fiquei sabendo das mais recentes notícias sobre o posicionamento firme do Brasil em face do sinistro espetáculo que se vem desenrolando na vizinha Venezuela. Regozijo-me pelo discurso incisivo pronunciado dia 1° de novembro por nossa embaixadora junto à ONU.

escrita-5Em certos momentos, o veludo dos códigos diplomáticos tem de ser posto de molho. Há horas em que é preciso arregaçar as mangas, mostrar os músculos e deixar clara a posição do país. Foi o que fez nossa embaixadora, por certo sob orientação de Vossa Excelência. O discurso da representante brasileira não podia ser mais explícito ao pedir às autoridades venezuelanas que garantam o total exercício dos direitos constitucionais e que tomem medidas para realizar o referendo revogatório sem demora, de forma clara, transparente e imparcial. Foi pronunciamento límpido e cristalino.

Em resposta, a chanceler da Venezuela ‒ homóloga de Vossa Excelência ‒ declarou que «não reconhece o governo de Michel Temer». Mas não parou por aí. Afirmou que «houve um golpe de Estado no Brasil» e concluiu o ultraje asseverando que «esse governo golpista é formado por um grupo de corruptos.»

by Eduardo Sanabria (1970-), desenhista venezuelano

by Eduardo Sanabria (1970-), desenhista venezuelano

Nos tempos em que ofensa se lavava com sangue, tal invectiva constituiria um casus belli, razão suficiente para retrucar com armas. Felizmente, os costumes se suavizaram, mas certos insultos não podem passar em branco. Os brasileiros esperam de Vossa Excelência uma reação à altura do orgulho ferido. É insuportável ter de ouvir desaforos da representante oficial de um Estado. De um vizinho ainda por cima. Dizer que não reconhece nosso governo golpista ultrapassa todo limite.

Se a República Bolivariana não reconhece nosso governo, não temos outro caminho senão deixar de reconhecer o deles. A partir daí, a consequência inevitável é uma só: o rompimento de relações diplomáticas. Temos a obrigação de ensinar a nossos vizinhos ignorantes com quantos paus se faz uma canoa em Pindorama. Sinto pena pelo infeliz povo do outro lado da fronteira, mas, infelizmente, os medalhões bolivarianos não entendem outra linguagem que não seja a da força bruta.

by Eduardo Sanabria (1970-), desenhista venezuelano

by Eduardo Sanabria (1970-), desenhista venezuelano

A hora é agora. A querela não pode ficar no nível de bate-boca entre comadres. Torcemos para que Vossa Excelência não esmoreça e tome a atitude drástica que a situação está a exigir. Amanhã, passada a tempestade, o próprio povo venezuelano lhe agradecerá.

Respeitosamente,

José Horta Manzano