José Horta Manzano
Libération, veterano jornal da esquerda francesa, se pergunta se a epidemia de Covid-19 vai finalmente forçar o Brasil a cobrar impostos dos ricos. Esclarece que nosso país figura entre os mais desiguais do mundo, somente comparável a certos países da África ou do Oriente Médio. A diferença de posses entre os que têm mais e os que têm menos é brutal.
Explica que 206 bilionários brasileiros detêm 20% da riqueza nacional. Vamos fazer umas continhas. O país tem 200 milhões de habitantes. Vinte porcento da população dá 40 milhões de pessoas. Portanto, 206 ricaços possuem o que, em teoria, deveria pertencer a 40 milhões de compatriotas. É chocante. Diferenças sempre há, mas distorções a esse ponto são inconcebíveis num mundo civilizado.
O jornal francês assinala que o imposto é cobrado principalmente do consumo ou seja: do arroz e do feijão, da gasolina, das fraldas do bebê, do cafezinho e da farinha de mandioca. Portanto, pesa muito mais no bolso dos desfavorecidos. Os altos rendimentos são poupados. No Brasil, a alíquota máxima é de 27,5%, enquanto a média na OCDE é de 43,5% – um cruel desequilíbrio.
Apesar de suas simpatias pela esquerda, o jornal confessa que nem Lula e seu PT, em 13 anos de poder, ousaram corrigir as distorções. Ao contrário: se a era Lula fez os pobres um pouco menos pobres, em compensação, deixou os ricos bem mais ricos.
Libération conclui filosofando: no Brasil, os ricos ainda têm belos dias pela frente.
(*) O título deste post – Ah, ça ira! – faz referência a um refrão que surgiu em 1790, como prenúncio da Revolução Francesa. Ao longo dos anos, inúmeras versões e paródias se encaixaram na métrica dos versos. A mais ameaçadora delas é justamente a mais conhecida:
Ah, ça ira, ça ira
Les aristocrates, on les pendra!
Em tradução livre, fica assim:
Sim, venceremos, venceremos
Os aristocratas, enforcaremos!
Que fique claro: este blogueiro já passou da idade de ser incendiário. Não estou recomendando mandar nenhum bilionário para o patíbulo.