A hora da verdade

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 29 setembro 2018.

Pomposo, o título alude ao voto da semana que vem. Podia ser ainda mais empolado, algo do tipo momento supremo, encruzilhada de caminhos ou até nunca antes neste país. Bobagem. A hora da verdade é toda hora, é agora e sempre, é um contínuo. O hoje é produto do ontem e será semente do amanhã.

É verdade que as escolhas que os brasileiros farão nestas eleições vão determinar, em grande parte, o futuro de todos nós. Mas o leque de candidatos que nos lançam santinhos e nos assassinam com boutades toscas não surgiu do nada nem brotou de geração espontânea. Se estão lá é porque cada um deles representa uma parcela, maior ou menor, do gênio nacional. Nenhum dos postulantes entrou de penetra. A nenhum se lhe pespegará a etiqueta de usurpador.

Um cidadão que se apresenta como Só Na Bença disputa uma poltrona na Assembleia de Rondônia. Um outro, registrado como Alceu Dispor 24hs (sic), pretende ser eleito em Goiás. Uma senhora, dona Olga Um Beijo E Um Queijo, pede votos em São Paulo. Estivéssemos na Alemanha, país em que candidatos costumam usar nome próprio e deixar alcunha pra outros ambientes, esse quadro seria inconcebível. Nossa cultura, contudo, vê com naturalidade candidatos embrulhados pra presente com papel furta-cor a mascarar-lhes a identidade. Eles são produto de nossa verdade quotidiana. Farão sucesso e terão votos.

Faz poucos dias, conceituada revista britânica estampou, logo na capa, foto de um dos candidatos à presidência de nossa República. Assustadora, a legenda apresentava o homem como a “ameaça da hora”. Não só para o Brasil, como para toda a vizinhança. A meu ver, estão carregando nas tintas ao atribuir ao personagem poderes que ele não tem. A candidatura de doutor Bolsonaro planta raiz nos treze anos de lulopetismo, período desastroso que deixou marcas profundas. A toda ação corresponde uma reação oposta e de igual intensidade, reza o axioma newtoniano. Não tivéssemos sido castigados com os descalabros do andar de cima durante década e meia, a candidatura Bolsonaro não prosperaria. Aos olhos de grande parte do eleitorado, esse candidato parece encarnar o mais perfeito antídoto contra a volta do PT ‒ daí sua ascensão irrefreável.

Sir Isaac Newton

A clivagem engendrada pelo discurso excludente do lulopetismo foi tão profunda que o resultado não podia ter sido outro. Não se sabe se a predicação que separava a população entre nós e eles era mero instrumento retórico ou se mirava a abrir brechas. Fato é que acabou se materializando. O país está hoje dividido entre os que, por motivos que lhes são próprios, gostariam de ver o lulopetismo de volta, e os demais, que sentem arrepio à simples evocação dessa ideia.

A eleição terá ares de plebiscito. Seu vencedor representará, goste-se ou não, o desejo da maioria do eleitorado. Muitos temem seja eleito um político com tendências radicais. A crer nas pesquisas, que já delineiam os dois favoritos, esse temor se realizará. Que fazer? Será chegada a hora de fazer novena pra Santo Expedito na esperança de evitar desastre?

Que ninguém se amofine. Nenhum candidato, ainda que mostre perfil agressivo, resiste à unção presidencial. Uma vez eleito e devidamente empossado, seu comportamento muda. O chefe do Executivo pode muito mas não pode tudo. O Estado dispõe de travas e ferrolhos a cercear dirigentes impetuosos. O Congresso é contrapeso ao poder presidencial. Apesar de duramente criticado ultimamente, o Judiciário marca presença como terceira força, a equilibrar os outros Poderes. Dirigentes arrebatados e voluntariosos, já tivemos. Não esquentaram cadeira por muito tempo. Doutor Jânio Quadros foi um deles. Num dia de piripaque, o homem escreveu um bilhete de adeus e, antes que o despejassem, abandonou o trono. Doutor Collor e doutora Dilma, por sua vez, tentaram resistir, mas acabaram destituídos.

Seja qual for o eleito, não há o que temer, gente fina! Golpe é coisa do passado. Revolução só fazem os que estão na miséria. Num Brasil escaldado pelos recentes escândalos, se os eleitos para o próximo quadriênio roubarem menos, já estará de bom tamanho. Que se assosseguem todos os súditos! O tsunami não passará de marolinha.

O lado bom

José Horta Manzano

«À quelque chose, malheur est bon», dizem os franceses – mesmo o pior dos desastres tem seu lado bom.

1001 noites 1Tem presidente da República sendo acusado de crime de responsabilidade(1). A expressão, de aparência inofensiva, dá nome a um dos piores crimes que alta autoridade possa cometer. Comprovada a denúncia, o acusado será punido com perda do mandato.

Tem gente graúda sendo presa, aos montes. Para escapar a condenação pesada, tem acusado implorando lhe seja concedido o benefício da delação premiada.

1001 noites 2Tem preso propondo devolver dezenas ou centenas de milhões de dinheiro roubado, numa comprovação evidente de que pilhagem gigantesca houve. Tem gente sem dormir, como disse um senador da República.

Tem dezenas de políticos fazendo novena pro santo das causas perdidas – São Judas Tadeu ou Santo Expedito, ao gosto do devoto. É capaz de ser tarde demais.

A Petrobrás, que tinha levado sessenta longos anos para firmar imagem mundial de solidez e seriedade, voltou rapidamente a ser vista como empresinha de segunda classe.

1001 noites 3Aquela que já foi a maior companhia nacional(2), aquela que tem Brasil até no nome, arrasta, em sua derrocada, a imagem do País. A notícia de que o próprio governo brasileiro se servia nos cofres da estatal reforça a reprovação que pesa sobre nós desde sempre: é prova definitiva de que o Brasil, apesar da grandiloquente conversa fiada oficial, continua empacado no estágio de republiqueta de bananas.

Arca 1Mas nem tudo está perdido. Alguém se lembra do pré-sal? Aquela fa-bu-lo-sa descoberta que prometia garantir o aprovisionamento energético do país por um século? Aquele achado que prometia transformar o Lula em xeique das 1001 noites e todos os brasileiros em milionários?

Pois é. Se realmente existe petróleo debaixo daquela montanha de sal e se sua explotação for um dia possível, não é na semana que vem que o óleo começará a jorrar. E isso é excelente notícia por dois motivos.

Primeiramente, porque o petróleo é material precioso demais para ser desperdiçado como combustível para automóveis. É riqueza finita, não renovável, e vai acabar logo, logo. Sua queima polui nossa atmosfera. Daqui a duzentos anos, quando todas as reservas se tiverem esgotado, os bisnetos de nossos bisnetos vão-nos agradecer por termos conservado o precioso estoque. Há de servir pra finalidade mais útil que virar gasolina.

Prisioneiro 3Segundamente – e é o ponto mais importante – imagine o distinto leitor que, por um descuido da Providência, o processo de contratação de empreiteiros para explorar o pré-sal já estivesse em curso. A gatunagem estaria provocando desfalque duas, três ou quatro vezes mais importante. Os salafrários estariam afanando não bilhões, mas, talvez, trilhões!

Nem sempre é fácil, mas, com boa vontade, sempre se encontra um lado bom.

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(1) Editorial do Estadão de 16 nov° 2014 vê crime de responsabilidade na atitude dos dois últimos presidentes da República.

(2) Artigo da Folha de São Paulo de 15 nov° 2014 informa que, em valor na Bolsa, a Petrobrás caiu para o 3° lugar atrás de Ambev e Itaú.