Comida por quilo

José Horta Manzano

Tive uma tia que, já velhinha mas ainda esperta, almoçava fora todos os dias. Não se pode dizer que cozinhar tenha sido uma de suas paixões. Assim sendo, aproveitou, enquanto foi possível sair à rua sozinha, pra frequentar um restaurante «por quilo» que ficava perto.

Todos os dias, quando faltavam quinze para as onze, lá estava ela à porta do restaurante esperando a hora. Às onze em ponto, assim que abriam, ela pegava o prato e rapidinho ia se servir. Fazia questão de ser a primeira. Dizia que não gostava de comer «comida mexida». Não sei se terá sido em virtude da prudência alimentar, mas ela morreu centenária.

Na opinião de um especialista em culinária cujo blogue li estes dias, o coronavírus vai acabar com restaurante por quilo. Segundo ele, vão fechar todos. É verdade que, quando a gente pensa, o desfile de clientes diante das vasilhas espalha abundante sortimento de vírus, bactérias e outros bichinhos que fatalmente vão aterrissar sobre a comida. Não tem como escapar. Nem usando máscara e luva: um vírus mais ligadão pode até pular do braço do freguês direto no feijão. Te esconjuro!

O desaparecimento de estabelecimentos onde se come razoavelmente bem por preço módico seria uma tristeza. Poria muita gente fina em apuros. Mas o ser humano tem incrível capacidade de se adaptar. Novos caminhos aparecerão. O futuro dirá quais são.

Um detalhe linguístico me parece divertido. Imagine um atacadista que vende pregos. Um cartaz na parede adverte: «Venda por quilo». Todos entendem que o comerciante não vende pequenas quantidades; a medida é o quilo. O freguês tem de comprar um quilo, dois, três ou mais. A condição é clara.

Agora diga-me por que raios está escrito que o restaurante vende comida «por quilo»? Não é verdade. Ele não exige que se compre um quilo, dois, três ou mais. Na realidade, ele vende comida «por peso», que não é exatamente a mesma coisa. O preço é expresso em reais por kg, mas o cliente não é obrigado a comprar quilos; pode levar a quantidade que quiser.

Parece esquisito, mas é só falta de costume: «por peso» exprime melhor o princípio. Minha velha tia nunca devoraria comida aos quilos. Sua medida era o que a magra pensão lhe permitia; não podia passar de R$ 3,50 por refeição. Contadinhos.

Baú de memórias

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Dentre as características de personalidade que mais admiro, o senso de humor e o raciocínio rápido ocupam lugar de destaque. Se uma pessoa tem a capacidade de me surpreender e de me fazer rir, ganha meu coração para sempre. Sei por experiência própria que, às vezes, mesmo um humor mordaz, longe de ser ofensivo, pode funcionar como provocação para que a gente desenvolva essas mesmas habilidades. No meu baú de memórias, estão guardadas com carinho algumas situações engraçadas – e reais, juro – que me ensinaram a não me levar tão a sério.

Eu estava planejando uma festinha na minha casa para colegas de trabalho, não me lembro mais por qual razão. Tínhamos concordado que cada participante se encarregaria de levar uma comida ou bebida e suas músicas preferidas para animar o encontro. Como minha carga de trabalho era muito alta naquela semana, deleguei a outros a distribuição das responsabilidades de cada um e confirmação das presenças.

Festa 2No começo da tarde do encontro, recebo um telefonema de uma das organizadoras avisando que havia surgido um imprevisto no trabalho e que ela não poderia ir. Fiquei chateada, é claro, mas não dei maior importância ao fato. Logo em seguida, uma segunda pessoa liga informando que também se ausentaria. Começo a me inquietar. Era final de mês e todos os departamentos estavam envolvidos com a preparação de relatórios de fechamento de números. Quando o terceiro convidado telefonou para dizer que não poderia ir e sugeriu que nosso encontro fosse adiado, percebi que seria burrice prosseguir com os preparativos. Resolvi cancelar a festa e pedi que todos fossem avisados.

Fui para casa me sentindo um tanto perdida. Na falta do que fazer, tomei um banho, vesti a camisola e me sentei em frente à televisão com um pote de salgadinhos para assistir a um filme. Lá pelas dez horas da noite, o interfone toca e o porteiro me avisa que um amigo querido havia chegado. Baiano, tremendo gozador e uma pessoa sempre disposta a tirar humor das situações mais improváveis. Ele não deve ter sido avisado a tempo, pensei. Na dúvida, pedi que ele subisse para conversarmos. Mal tive tempo de colocar um peignoir e lá estava ele na porta, com um olhar curioso. Percebendo o silêncio e as luzes apagadas (só a tela do televisor estava iluminada), ele perguntou com um sorriso: “Cheguei cedo ou tarde demais?“

Festa 1Xingando mentalmente quem havia esquecido de avisá-lo, respondi que nem uma coisa nem outra. Expliquei resumidamente as razões do cancelamento da festa e pedi que ele me perdoasse por não deixá-lo entrar. Um tanto sem graça, ele se despediu e foi embora.

No dia seguinte, na hora do almoço, ao sair do restaurante da empresa, vi que ele estava de pé no meio de uma rodinha de homens, todos colegas engenheiros. Tinha um ar de moleque safado e me acenou de longe. Aproximei-me do grupo para conversar. Com um sorriso maroto, sem que ninguém esperasse, ele retirou lentamente uma meia feminina de nylon do bolso e disse: “Isto é seu. Ontem, quando saí da sua casa, peguei por engano…”

Inútil dizer que, diante do meu olhar de pasmo, o grupo todo se esbaldou de rir. Estimulado pela companhia masculina, ele prosseguiu triunfante com a vingança que havia arquitetado: “Imaginem que ontem ela me convidou para uma festa na casa dela. Quando cheguei, ela abriu a porta vestida só de negligé translúcido. Luz negra, musiquinha tocando… aí já viu, né…?“

Televisao 7Nova gargalhada que, dessa vez, se arrastou por mais tempo em função do meu evidente e crescente constrangimento. Em desespero, eu procurava mentalmente uma saída honrosa para aquela saia justa. Subitamente, tive uma inspiração: eu precisava fazer que ele experimentasse um pouco de seu próprio veneno. Esperei que as risadas diminuíssem de intensidade e ataquei. Encarei o grupo com coragem e disse, rindo: “Pois é, e apesar de tantos sinais, ele virou as costas e foi embora, me deixando a ver navios…”

A gargalhada que se seguiu ao meu contra-ataque fulminante deixava claro que a batalha estava perdida para ele. Sua fama de garanhão e sua autoconfiança haviam sido irremediavelmente abaladas…

Interligne 28a

Eu e um colega estávamos coordenando um workshop internacional em um hotel luxuoso do centro da cidade. Era uma região boêmia, cercada por teatros e cinemas, local de agitada vida noturna.

Os trabalhos se arrastaram por mais tempo do que o previsto e, por isso, decidimos jantar no restaurante nobre do próprio hotel. Embora só servissem pratos à la carte, meu amigo chamou o maître e pediu que fosse aberta uma exceção e lhe trouxessem um sanduíche. O maitre assentiu, a contragosto.

Hotel 1De início, fiz de conta que não havia percebido a inconveniência do comportamento dele. Alguns minutos mais tarde, nossas refeições chegaram, servidas com toda pompa e circunstância, em pratos de porcelana cobertos por uma cloche.

Meu colega não se fez de rogado. Pegou o sanduíche com as mãos e o abocanhou com a satisfação e a voracidade de uma criança em um parque de diversões. Consequência inevitável: molho escorrendo pelos lados da boca, recheio catapultado pelos lados da baguete e dedos lambuzados. Feliz da vida, ele deu prosseguimento ao festival de incontinências e lambeu os dedos como se estivesse no sofá de casa. Foi demais para mim. Olhando envergonhada para os lados, pedi que ele parasse com tudo aquilo, advertindo-o de que as pessoas ao lado estavam reparando.

Com um sorriso confiante nos lábios, ele me deu uma preciosa ‒ ainda que dolorida ‒ lição sobre a forma hipócrita com que nossa sociedade lida com as aparências e com as diferenças de gênero, dizendo: “Minha querida, eu sou um cara alto, loiro e de olhos azuis. Em suma, um tipo claramente europeu (era, de fato, húngaro). Faça eu o que quiser, todos pensarão, no máximo, que sou uma pessoa excêntrica…. Já você, se fizer a mesma coisa, o que os outros vão pensar é que você é a putinha que acabei de pegar na esquina…

Sanduiche 1Até hoje não me recuperei totalmente da provocação, mas confesso que aprendi a lição. Sei agora que, para me adequar aos ambientes que frequento, preciso diferenciar com rigor o impacto que pretendo causar e aquele que, de fato, provoco.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Frase do dia — 271

«Enquanto ex-ministros de Dilma e comissários petistas são hostilizados em restaurantes, Fernando Henrique Cardoso é chamado para uma média de vinte selfies quando entra em restaurantes do centrão de São Paulo.

Num caso, uma senhora pediu que ele gravasse uma mensagem para seu pai, internado num hospital.»

(*) Elio Gáspari é jornalista. Seus artigos são publicados por numerosos jornais.

A hora da polícia

José Horta Manzano

Você sabia?

Copa Suiça 1Quem achou que, com esse título, o assunto de hoje é a violência policial enganou-se. Está frio. Está gelado.

A hora da polícia«l‘heure de police» ― é a expressão que se usa na Suíça para indicar a hora em que os estabelecimentos públicos têm de fechar suas portas. Falo especialmente de bares, restaurantes, boates.

Normas municipais regem o assunto. Que varia, portanto, de uma cidade a outra. Conforme o tipo de estabelecimento, a autorização não será necessariamente idêntica. A um bar noturno, por definição, será permitido fechar mais tarde que um restaurante.

Gooool! Trem suíço paramentado para a "Copa das copas"

Gooool!
Trem suíço paramentado para a “Copa das copas”

Neste país, não se brinca com horário. O que é de lei, é de lei. Os que têm autorização para funcionar até as 23 horas não podem dar uma folguinha e esticar até as 23h30. Onze da noite são onze da noite. E não se fala mais nisso. Em certos bares mais animados, é comum aparecerem na porta dois ou três policiais, na hora do fechamento, para assegurar que todos os clientes estão de saída. Daí a expressão «hora da polícia».

Em certas ocasiões especiais ― uma festa de aniversário comemorada num restaurante, por exemplo ― o dono e os convivas gostariam de esticar um pouco além. Nesses casos, é preciso telefonar à delegacia mais próxima e pedir autorização de funcionamento por mais uma hora. A licença terá de ser solicitada antes da hora de polícia. Não sai de graça, não. Uma taxa será cobrada pela autorização especial. A conta virá por correio.

Por questões de fuso horário, os jogos da «Copa das copas» estão caindo, na Europa, quando já é noite. A seleção suíça até que está se saindo bem desta vez. Pega a Argentina na terça-feira. Como a esperança é a última que morre, os suíços enxergam alguma possibilidade de vencer os hermanos. No futebol, tudo pode acontecer. Até mordida, dirão os mais maliciosos…

Copa Suiça 2As autoridades das cidades de Zurique e de Winterthur anunciaram hoje que, caso o milagre aconteça e a Suíça elimine a Argentina, haverá «noite livre», ou seja, a hora da polícia será cancelada. Por uma noite só, olhe lá. Quem quiser poderá festejar até o sol nascer.

Para decepção de seus habitantes, as cidades de Basileia, Lausanne, Berna e Genebra não previram nenhuma derrogação à regra. Hora é hora. Quem quiser esticar a festa terá de fazê-lo em casa mesmo.

As autoridades de Berna chegaram a argumentar que o jogo começa às 18 horas. Portanto, mesmo em caso de prorrogação e de decisão por pênaltis, haverá tempo suficiente para festejar antes da hora da polícia.

Obrigado a não & não, obrigado

(Eta titulozinho misterioso, não? Pois você vai entender já, já.)

José Horta Manzano

Interligne 28a

Obrigado a não
Em seu caderno Mundo, a Folha de São Paulo deu longo título a uma matéria de seu enviado especial à Crimeia. Está lá, com todas as letras:

«Jornalista é obrigado a não divulgar material negativo de referendo, diz governo da Crimeia».

«Obrigado a não»? Que formulação infeliz, gente! Obrigar é ação positiva e proativa. É daquelas que impelem, constringem, empurram, forçam alguém a fazer alguma coisa. Não combina com negação.

Folha de São Paulo, 14 mar 2014

Folha de São Paulo, 14 mar 2014

Mais feliz teria sido o dador de título se tivesse empregado um verbo contendo a ideia de reter, puxar as rédeas, frear. Impedir e proibir cairiam bem. Veja:

«Jornalistas estão impedidos de divulgar (…)» ou
«Jornalistas estão proibidos de divulgar (…)»

Melhor, não?

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Não, obrigado
Sonho de todos os bons restaurantes é figurar no Guia Michelin, o indicador gastronômico mais respeitado no planeta. Aparecer ali, no entanto, é privilégio reservado a muito poucos.

Guia Michelin

Guia Michelin

A distinção é simbolizada por estrelas. Uma estrela significa «muito boa mesa em sua categoria». Duas estrelas assinalam uma «excelente mesa que merece uma visita». Três estrelas ― a honra suprema, concedida apenas a uma centena de restaurantes esparsos por 12 países ― indicam «cozinha ímpar ― vale uma viagem».

Como se pode imaginar, o guia é bastante sovina na hora de atribuir suas estrelas. Cada ano, quando nova edição é lançada, muito chefe de cozinha competente fica a ver… estrelas, que estrelato não é para qualquer um.

A última edição do Michelin brindou um restaurante belga com uma estrela, a primeira jamais conquistada por aquele estabelecimento. Algum tempo depois, o chefe de cozinha (e dono do restaurante agraciado) enviou uma carta registrada à redação do Michelin para solicitar que a estrela lhe fosse retirada e que o nome de seu restaurante não mais aparecesse no guia.

Ninguém entendeu as razões do gesto incomum ― coisa de deixar de queixo caído. A notícia, por rara, propagou-se rapidamente, e o cozinheiro foi procurado pela mídia curiosa de conhecer sua motivação.

Haute cuisine

Haute cuisine

Herr Fredrick Dhooghe explicou que, desde que seu estabelecimento começou a ser mencionado no afamado guia, clientes novos apareceram. E todos esperavam encontrar uma cozinha excepcional, espetacular, sofisticada. Ele, no entanto, prefere continuar fazendo o que sempre fez: uma cozinha simples, que mostre o verdadeiro sabor de cada prato, sem modismos. Não está disposto a abrir mão da liberdade de cozinhar à sua maneira.

O Michelin, provavelmente despeitado, aquiesceu. O restaurante de Herr Dhooghe não aparecerá mais no guia. O curioso personagem teve a coragem de dizer «não, obrigado».

A notícia em francês.

A notícia em flamengo (variante do holandês).

Gente fina é outra coisa ― 3

José Horta Manzano

O Brasil inteiro viu a foto que ilustra este artigo. Ela mostra o instante em que nossa simpática presidente deixava, pela porta da frente, o Restaurante Eleven, que está entre os três de Portugal a merecer uma estrela no Michelin, guia gastronômico mais respeitado do mundo. Só para lhes dar uma ideia, entre todos os restaurantes do país, só 3 merecem a cobiçada estrela.

Dona Dilma, que acredita estar cercada por uma equipe de assessores competentes, imaginou que passeava incógnita. Nunca supôs que pudesse vir a ser fotografada. O espocar do flash há de ter causado pânico em toda a equipe de festivos cortesãos.

Há coisas que se fazem, há coisas que não se devem fazer. No Brasil, ao deixar um restaurante, é comum pedir que embalem pra viagem o que sobrou de comida. Faz parte dos costumes nacionais, por isso não espanta ninguém. Na China acontece o mesmo —chamam lá doggy bag, pacote pro cachorrinho.

Já na Europa, essa prática não é comum. Digo que não é comum para ser delicado — na verdade, é impensável. Não passa pela cabeça de ninguém levar restos para casa. Seria ressentido como uma confissão de penúria.

Em restaurantes, tampouco se usa comprar bebida pra viagem. Lojas especializadas estão aí para essa função. É compreensível que essas sutilezas escapem à percepção de pessoas menos traquejadas.

Dona Dilma & cortesãos deixando restaurante lisboeta Crédito: Nuno Fox, Expresso

Dona Dilma & cortesãos deixando restaurante lisboeta
Crédito: Nuno Fox, Expresso

Reparem bem na foto. Integrantes do primeiro círculo de acompanhantes da presidente de nossa República carregam sacolas com garrafas de vinho. Tivessem comprado essas garrafas em loja apropriada, elas teriam sido envoltas em sacolas opacas. E repousariam no automóvel.

Portanto, a dedução se impõe: foram compradas no restaurante estrelado. A preço estrelado. Restaurante não é loja de bebidas. O preço de venda é, naturalmente, o mesmo que está no cardápio: de 3 a 8 vezes mais elevado que o valor que um comércio especializado cobraria.

Mas que importa? Quando se paga com dinheiro dos outros, todas as extravagâncias são permitidas, não é mesmo?

Gente fina é outra coisa: pode até tentar se esconder, mas sempre esquece o rabo de fora.

Não sabem nem mentir

José Horta Manzano

Um bando de trapalhões, é isso aí. O Brasil-potência está nas mãos de uma malta de trapalhões ignorantes e desonestos. Mas deixe estar — não passam de aprendizes.

Ainda não se deram conta de que o mundo mudou. Vivem ancorados nos anos 70, vociferam contra ditadores que já estão a sete palmos sob terra, desenterram esqueleto de presidente destituído, instauram comissões para investigar o lado da verdade que lhes interessa. Para essa gente cheia de mágoa e rancor, o passado parece mais importante que o futuro.

Insistem em seguir adiante de olhos vendados. Fazem como se o Brasil fosse povoado por jecas-tatus broncos, toscos, desdentados e ignorantes. Pois ignorantes são eles. Podem encher-se de botox, implantar fios de cabelo, tingir as melenas, mas não passam de gente tosca e primitiva. Civilização é artigo que não se vende em supermercado.

Dilma à saída do restaurante estrelado Crédito: Nuno Fox, Expresso

Dilma à saída do restaurante estrelado
Crédito: Nuno Fox, Expresso

Com o advento — e o contínuo aperfeiçoamento — dos modernos meios de comunicação, o sigilo tem encolhido. Fica cada dia mais difícil manter segredo sobre atos e fatos. Todos carregam no bolso máquina fotográfica, gravador, telefone, agenda e computador. Equipamento com que James Bond nem ousava sonhar cabe hoje num bloquinho de plástico de cento e poucos gramas, accessível a todos.

A última tentativa de trapaça de nossos medalhões foi desvendada no mesmo dia em que aconteceu. A presidente e sua alentada equipe de assessores e apaniguados planejavam, já há de fazer um bom tempo, desaparecer dos radares no fim de semana para gozar as delícias de uma gastronômica etapa lisboeta. Durante dois dias, atravessariam uma espécie de zona de sombra entre as neves suíças e o mormaço cubano.

Plano havia. Tanto é verdade que, já na quinta-feira, as reservas de hotel e alojamento já estavam feitas. A prova da exatidão dessa tese está na reportagem do brasileiro Estadão e na do lusitano Expresso. Nossos ingênuos dirigentes não imaginavam que alguém os pudesse surpreender durante a excursão clandestina. Realmente, é coisa de gente incompetente.

Dizem que dona Dilma, apanhada de calça curta, ficou furibunda. Note-se que, vindo dela, não é surpreendente. Para esquivar-se de interpelação embaraçosa, escapuliu do hotel pela porta de serviço e ordenou que seus cortesãos arrumassem uma explicação que satisfizesse a plebe.

Trocando os pés pelas mãos, os áulicos tentaram serzir, mas o buraco era grande demais. Não deu. Ficou pior a emenda que o soneto. Dá vergonha e nojo da mesquinhez dessa gente. Pior ainda é o medo que dá saber que nosso país está nas mãos de ineptos.

Se, até hoje, ainda não afundamos de todo é de crer que Deus é mesmo brasileiro.