Cada um com seus terroristas

José Horta Manzano

«Agindo deliberadamente, o motorista atropelou uma vintena de transeuntes. Por enquanto, a hipótese de terrorismo está descartada.»

Com pequenas variações, é assim que mídia mundial dá a notícia do terrível crime perpetrado esta manhã em Melbourne, Austrália. A polícia confirma que não se trata de acidente: a ação do criminoso foi deliberada, proposital, intencional. Apesar disso, afirma que não se trata de ato terrorista.

A oposição entre «violência voluntária contra a multidão» e «ato terrorista» me deixa perplexo. Arranhando o verniz que atualmente recobre o termo «terrorismo», descobre-se, logo abaixo, um qualificativo oculto: islâmico. Só entram na categoria terrorista as ações violentas praticadas por celerados que ajam sob o manto da religião. Outros ataques coletivos, ainda que sejam intencionais e deixem dezenas de cadáveres, não serão terroristas. Fica a pergunta: se não são terroristas, que adjetivo merecem?

Chamada Estadão, 21 dez° 2017

A noção de terrorismo variou conforme a época e o lugar. Na União Soviética, terroristas eram os que se opunham ao sistema, fosse qual fosse a ação praticada. Para os dirigentes da Alemanha nazista, terroristas eram os nacionalistas de países invadidos ‒ aqueles que sabotavam e infernizavam a vida dos ocupantes. Na China de hoje, terroristas são os habitantes do Turquestão Oriental (atualmente conhecido como Xinjiang), província de maioria turcófona e muçulmana. Na Rússia atual, somente serão considerados terroristas os indivíduos oriundos da Chechênia ou do Daguestão, que cometam atos de violência.

Em nosso país, apesar do esforço despendido estes últimos quinze anos, a cúpula dirigente ainda não conseguiu isolar etnias nem provocar enfrentamentos sangrentos nem ataques terroristas. Talvez cheguemos lá um dia. Por enquanto, vamo-nos contentando com dois tipos de terrorismo caseiro.

Por um lado, temos o da bandidagem, aquele que nos obriga a viver enjaulados, a caminhar olhando de banda, a evitar certos percursos, a evitar ostentar bens comezinhos como um par de tênis ou um telefone celular.

by Vladimir (Vlad) Vaz Reis, desenhista paulista

Por outro, temos o terrorismo de Estado, cuja mais recente arte consiste em prender ladravazes hoje, soltá-los amanhã, redespachá-los à cadeia no dia seguinte para os libertar um dia depois.

O terrorismo islâmico é espetacular, pode ceifar dezenas de vidas de uma tacada só. O terrorismo gerado pela fogueira de vaidades que arde atualmente no STF devolve ao convívio da comunidade nacional elementos responsáveis pela desgraça de milhões de conterrâneos.

E vamos em frente, que atrás vem gente.

Impeachment

José Horta Manzano

O termo impeachment ‒ já sacramentado pela Academia ‒ percorreu longo caminho antes de chegar à nossa língua. O latim clássico se servia da palavra pes/pedis para designar o pé.

Na Idade Média, para expressar a ideia de entravar, obstar, emperrar, a solução foi utilizar essa raiz sob a forma impedicare. A nova palavra evoluiu para empechier em francês medieval.

Capa do Estadão, 14 mar 2016

Capa do Estadão, 14 mar 2016

Na bagagem dos invasores franceses, a palavra desembarcou na Inglaterra. A fonética anglo-saxônica a transformou no verbo to impeach, com o sentido de entravar, impedir. Com o passar dos séculos, to impeach foi-se restringindo ao campo político. Já no século XVI, tinha assumido o sentido de acusar um funcionário de mal conduzir-se ‒ que se mantém até hoje.

Portanto, atrás do reclamo de conseguir o impeachment da presidente, está o anseio de entravar-lhe os pés (e as mãos) antes que cause mal maior.

Interligne 28a

Repercussão
Bigode 1«Dis donc, ça n’a pas l’air de s’arranger au Brésil avec l’équipe de bras cassés que vous avez mis au pouvoir et qui se comporte comme à la belle époque des révolutions légendaires sud-américaines. Ne nous décourageons pas et mettons dehors tous ces voleurs!»

«Então, pelo jeito, as coisas não dão sinal de entrar nos eixos no Brasil, com a equipe de incapazes que vocês puseram no poder e que se comporta como nos velhos tempos das legendárias revoluções sul-americanas. Não nos desencoragemos ‒ vamos botar fora todos esses ladrões!»

Trecho de mensagem que recebi esta manhã de uma amiga francesa. Como o distinto leitor se pode dar conta, Oropa, França e Bahia já estão começando a entender que o atual nó brasileiro não se enquadra no formato esquerda x direita. Será mais bem traduzido pela imagem de honestos cidadãos x malta de ladrões.

Afanador de galinhas

Sylo Costa (*)

Cícero, na primeira Catilinária contra a corrupção de seus contemporâneos, exclamou: ó, tempora, ó, mores! O mesmo podemos dizer do nosso Brasil de hoje: gente pobre, se comete um deslize furtando uma galinha ou um galo, é para comer, nunca para formar aviário. Já alguns sem-vergonha e ladrões roubam é Petrobras. Outros, remediados e ricos, políticos e velhacos, afanam tudo, principalmente dinheiro público, fazendo fortunas. Ó, tempos, ó, costumes!

Galinha 2Imagine esta situação, caro leitor: Afanásio Maximiniano Guimarães afanou um galo e uma galinha do galinheiro de Raimundo das Graças Miranda. A Defensoria Pública requereu ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais a extinção do processo, uma vez que o acusado devolvera os animais (presumo que o dito cujo tenha sido condenado na 1ª instância).

Se o perigoso assaltante de galinhas tivesse tido tempo para devorar os bichos, certamente que a defesa apelaria para o chamado furto famélico, situação em que se subtrai algo para comer e não morrer de fome.

Ou não, porque os políticos de Brasília e aqueles que comem quietos, como mensaleiros e fanáticos interessados na Petrobras e outras fontes luminosas como Copa e Olimpíadas, já desmoralizaram esse tipo de crime e, provavelmente, já pensaram em todas as maneiras de como sair incólume dessas aventuras, depois das ditas efemérides.

Mas, voltando ao tema do furto de galinhas, presumo eu que existiu outro pedido da defesa, em caráter liminar, quanto à aplicação do princípio da insignificância, e o assunto foi parar no Supremo.

O ministro relator, Luiz Fux, ao analisar o caso, decidiu aguardar o julgamento do mérito do pedido para depois decidir a questão em definitivo. É…, um país cujos principais juízes se preocupam na mais alta Corte com galos e galinhas e não conhecem de Renans e Roses, escondidos que vivem debaixo dos caracóis dos seus cabelos e perucas, não podem ter mesmo tempo para mandar prender ladrões de casaca que abundam e que agem abertamente para desmoralizar nossas instituições e quebrar, no sentido de arrebentar, nosso país.

Galinha 1Não sei quem foi o iluminado que um dia descobriu o termo “hediondo” e, achando-o bonito, resolveu enquadrar tudo quanto é desgraça nesse título para substituir nosso Código Penal, fazendo até furto de galinha ser crime hediondo. Ladrão de galinhas não pode ser o mesmo que ladrão de Petrobras.

A lei não pode ser oito ou 80. Quer dizer que eu, que sou apenas um cidadão comum, se furtar uma galinha para comer serei julgado por crime hediondo e terei julgamento igual a esses ladrões sócios de doleiros? Furto é uma coisa, roubo é outra.

Ó, quer saber? Eu e muita gente só vamos esperar a primeira parada desse trem brasileiro. Ainda que não tenha chegado a lugar algum, quero descer e só subirei de volta quando desratizarem o ambiente pátrio.

(*) Sylo Costa é colunista do jornal O Tempo, de Belo Horizonte.

Miscelânea 9

José Horta Manzano

Você sabia?

Nome mal escolhido
A Universidade Federal de Minas Gerais aliou-se à Universidade Federal de Uberlândia para juntas trabalharem num projeto de avião. É um aparelho diferente ― ou diferenciado, como se usa dizer hoje. Tem hélice e motor na traseira, mais ou menos como o 14bis do também mineiro Santos-Dumont.

Bumerangue Ex-27

Bumerangue Ex-27

O nome atribuído à nova aeronave é surpreendente: bumerangue. Um nome que sugerisse algo rápido, que vai para a frente, me pareceria mais adequado. Qualquer coisa como flecha, lança, catapulta, seta, foguete, raio, corisco, chispa transmitiria essa noção. Já bumerangue lembra algo que vai e volta. Aplicado a um objeto comercializado, sugere que será devolvido pelo cliente. Enfim, cada um escolhe para seus filhos o nome que lhe apraz.

Desejamos boa sorte ao bumerangue mineiro. Quando for vendido, que vá e… não volte.

Interligne 18hBandidagem europeia
Tem duas coisas que sempre me surpreenderam nos filmes de cinema, quando o personagem chega de automóvel a algum lugar. A primeira é que sempre ― mas sempre, mesmo ― encontra uma vaga para estacionar exatamente na porta do lugar aonde tem de ir. A segunda é que, diferentemente da vida real, atores jamais trancam a porta do veículo. Batem a porta do carro, e tchau!

Carro sem rodas Neuchâtel, Suíça

Carro sem rodas
Neuchâtel, Suíça

Vaga para estacionar já faz tempo que se tornou artigo raro, seja no Brasil, seja no exterior. Quanto à segurança, já não é a mesma de antigamente. Aqui ao lado está uma foto tirada na Suíça algumas semanas atrás. Mostra um carro cujas rodas foram surrupiadas durante a noite. Parece impossível, não é? Pois é, eu também jamais imaginei que algo parecido pudesse ocorrer.

E tem mais: aconteceu num vilarejo minúsculo onde, segundo o proprietário do veículo, «há mais vacas que habitantes».

Já não se fazem mais lugares civilizados como antigamente.

Interligne 18h

Protesto incongruente

Caixa d'água

Caixa d’água

Aconteceu durante a onda de manifestações de junho passado. Em meio a tanta coisa que ocorria naqueles dias agitados, a notícia passou meio despercebida.

Na mui nobre localidade maranhense de Paraibano, situada a 425 quilômetros de São Luís, os munícipes, exacerbados pela crônica falta d’água, não tiveram dúvida: atearam fogo à estação de distribuição de água da Companhia de Saneamento.

Agora, sim, terão água à vontade. Taí o exemplo magistral de um protesto inteligente.

Interligne 18h