Satisfação impossível

José Horta Manzano

Desde sempre, o brasileiro conviveu com a desonestidade e com a corrupção. É coisa que vem de longe. A pátria amada nunca foi nenhuma Dinamarca. Sabia-se que tal governante, ao término do mandato, tinha levado embora as cortinas do palácio. Diziam que aqueloutro tinha passado a mão no cofre. Um terceiro era suspeito de ter nomeado todos os parentes para cargos públicos.

Ninguém se escandalizava. «Faz parte do jogo» ‒ filosofava-se. Mas isso foi nos tempos de antigamente. Um belo dia, apareceu essa Lava a Jato. No começo, ao prender doleiros, veio com ares de saneadora de circuitos financeiros. Depois, conforme o fio foi sendo puxado, um novelo descomunal foi chegando à luz. Abriu-se um remoinho que engolfou gente cada vez mais graúda, de mensageiros a grandes empresários, de vereador a presidente da República.

À medida que os podres foram aparecendo, o brasileiro foi-se indignando. Não é tanto que os ‘malfeitos’, em si, o tenham incomodado. Essas distorções de comportamento eram suspeitadas desde sempre. O que espavoreceu a nação foi o volume da rapina. Dizem que quem rouba um tostão rouba um milhão. Dizem, mas… na hora do vamos ver, não é bem assim. Pra roubo de tostão, ninguém liga. Já roubo de milhão dói. Dói no bolso de quem foi assaltado, evidentemente. Dá muita raiva.

Foi esse estado de espírito que levou à derrubada de Dilma Rousseff. Não foram tanto as ‘pedaladas fiscais’, noção financeira difícil de captar, que destronaram a doutora. Foi a percepção difusa de que uma quadrilha estava aboletada no Planalto. Mas a queda não apaziguou a inquietação popular. O sentimento de estar sendo espoliado permaneceu latente até as eleições de 2018. Foi quando a escolha popular se concentrou naquele que surgiu como paladino da justiça, salvador da pátria, o homem que reporia o país nos trilhos da decência.

Mas as decepções represadas havia anos e anos constituíam carga pesada demais. Ingenuamente, todos tinham a secreta esperança de que, já na primeira semana do novo mandato, despontaria um Brasil saneado, dedetizado, livre de malefícios e pronto pra começar a crescer decentemente. Quá! Ninguém faz milagre. O novo governo pode ser menos ganancioso que os anteriores, mas tem-se mostrado errático, deslumbrado, fraco, desajeitado, tosco, incapaz de acertar o passo.

Pode até ser que, para o futuro, melhore um pouco. (É a esperança que guardam todos os que gostariam que o país desse uns passinhos à frente.) Seja como for, ficarão sempre uma decepção e um gosto de desperdício. Era previsível. Esperanças exageradas dificilmente são satisfeitas. Se os atuais inquilinos do Planalto roubarem menos que os predecessores, já estará de bom tamanho.

Atirando no escuro

José Horta Manzano

Umas profissões são arriscadas; outras, mais tranquilas. Um policial, um acróbata, um alpinista, um repórter de guerra correm perigo maior do que um contador, um agrimensor, um pizzaiolo ou um técnico em informática.

Assim mesmo, arriscada ou não, toda profissão pode dar a quem a exerce momentos de júbilo ou de frustração grande. Tomemos, por exemplo, a advocacia penal. Pode ser fonte de alegria e satisfação para o profissional quando o veredicto é favorável a seu cliente. Caso contrário, traz decepção, chateação e aflição.

escrita-7O ofício de articulista e o de analista ‒ falo desses que escrevem artigos para a grande mídia ‒ pode às vezes dar motivo a desapontamento. Quando algum acontecimento se está inexoravelmente aproximando, artigos costumam ser escritos antecipadamente. À medida que personalidades conhecidas vão envelhecendo, necrológios já vão sendo preparados. Dormem na gaveta das redações. (Hoje é mais adequado dizer que ficam armazenados em pastas de computador, mas dá no mesmo.) Assim que chega a notícia do falecimento, não precisa correr à Wikipédia à cata de pormenores da vida e do instinto do distinto extinto. Basta acrescentar algumas linhas ao esboço para dar o fecho. Não é cinismo, que a vida é assim mesmo.

Passadas as eleições americanas, pelas quais todo o planeta se interessou, chegou o tempo das análises. Todas as previsões e palpites davam como certo o final. Seria o relato da história, da glória e da vitória de Hillary Clinton. É de imaginar que, previdente, a maioria dos comentaristas já houvesse preparado artigos, às vezes com semanas de antecedência. Estavam os papéis prontos para publicação quando… paf! Contra todos os prognósticos, venceu Trump.

escrita-6Fico imaginando as resmas de papel atiradas ao lixo. Tiveram todos de costurar à pressa artigo novinho. Saíram no encalço do vencedor pra relembrar excesso, progresso e sucesso do inconfundível, irascível e imprevisível bilionário. As rimas são propositais, tanto o personagem é ativo, permissivo e agressivo.

Pensando bem, é mais cômodo escrever elogio fúnebre. A personalidade, seja ela quem for, acaba morrendo um dia, é certeza. Agora basta aos que escreveram sobre Mrs. Clinton guardar o material numa pasta. Um dia, é garantido que vai servir.

Sem medo da integridade

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Interligne vertical 10Medo 2“Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive”.

Fernando Pessoa

É difícil manter a própria integridade. O caminho é duro, pedregoso, árido. Muitas vezes na vida acreditamos que, se formos capazes de verbalizar integralmente – e sempre – nossa verdade emocional, vamos perder o afeto de quem nos interessa. E esse risco existe, de fato.

Agora, reflita um pouco: de que lhe adiantaria manter um afeto fundado no medo? De que forma você acredita que o relacionamento se manteria quando fossem detectados os primeiros sinais de que esse medo está desaparecendo?

Exato, seria preciso manter ad eternum a tática do medo. Seria preciso inventar continuamente razões para que o medo não se dissipe por completo. Já imaginou o desgaste emocional que essa prática acarreta, tanto para quem a utiliza quanto para quem é vítima dela?

Medo 3Deve haver uma razão, bastante prosaica até, para que Dona Dilma e os marqueteiros que coordenam sua campanha se valham de um recurso que lhes foi impingido de forma tão cruel em eleições passadas. “Sem medo de ser feliz” era o mote então. Muitos resolveram apostar nessa proposta e elegeram aquele que lhes prometia a felicidade.

Cabe agora uma perguntinha impertinente: se a maioria dos eleitores brasileiros alcançou mesmo o patamar da felicidade prometida e aspirada, que motivos teriam muitos deles para virar as costas aos que lhes propiciaram dias felizes? Por que se deixar seduzir por aqueles que agora lhes prometem mais, ou outro tipo de, felicidade?

Medo 1Segundo os evangelistas, Cristo alertou um dia: “A verdade vos libertará”. Mesmo sem querer me envolver em falso diletantismo religioso, acredito nisso. Transformei essa frase numa espécie de mote para minha vida. Não acredito que haja “a” verdade universal. Acredito na minha verdade. Acredito que o melhor jeito de a gente crescer e passar a responder integralmente por nosso destino é aceitar o risco do desconhecido. Lançar-se no abismo fantasmagórico, enfrentando o medo de peito aberto e sem rede de proteção. Ser verdadeiro para consigo mesmo. Ser leal às próprias crenças.

Pode ser que eu seja exceção, mas, quando me sinto enredada numa prática asquerosa e pegajosa de sedução, meu alarme interno dispara. Se sou eu a querer a continuidade do relacionamento, por que cargas d´água o outro me ameaça insinuando que eu não vou conseguir viver sem ele???

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Cada dia mais falado

José Horta Manzano

Se a intenção era projetar o nome do Brasil, o objetivo está sendo alcançado. Estas últimas semanas, nosso país não passa em branco nem um dia na mídia global.

Ainda anteontem, o Wall Street Journal, respeitado órgão focado em aspectos econômico-financeiros, publicava uma enésima reportagem sobre a «Copa das copas» e sua provável influência na economia brasileira. Aqui está um trecho do texto:

Interligne vertical 11a«For many Brazilians, the Cup has become a symbol of the unfulfilled promise of an economic boom for this South American nation. But the boom has fizzled. And now the World Cup’s $11.5 billion price tag—the most expensive ever—and a list of unfinished construction projects have become reminders of the shortcomings that many believe keep Brazil poor: overwhelming bureaucracy, corruption and shortsighted policy-making that prioritizes grand projects over needs like education and health care.»

Traduzindo, fica assim:

Interligne vertical 11a«Para muitos brasileiros, a Copa tornou-se símbolo da promessa não cumprida de boom econômico nacional. O rojão deu chabu. E agora, a Copa do Mundo de 11,5 bilhões de dólares ― a mais cara jamais vista ― e uma lista de obras inacabadas tornaram-se a marca evidente das deficiências que, segundo muitos, perenizam a pobreza do Brasil: burocracia sufocante, corrupção e políticas míopes que privilegiam projetos grandiosos em detrimento de necessidades como educação e saúde pública.»

Bem que podíamos ir dormir sem essa, não?