Miscelânea 11

José Horta Manzano

No calo
A reportagem de 14 páginas publicada pela revista The Economist pisou o calo do Planalto e de nossa orgulhosa presidente.

Para contradizer os argumentos da revista, o ministério de Marketing reativou a participação de dona Dilma nas redes sociais, aqueles canais por onde fluem os mexericos políticos. Preparou para ela um texto curtinho em que, em tom complacente, ela evita entrar em polêmica com The Economist.

Diz apenas que a revista está desinformada (sic). E põe sobre a mesa os parcos argumentos positivos de que dispõe. Diz que a inflação está sob controle ― quando todos sabem que não está. Diz que o dólar se estabilizou, o que é uma falácia. Enfim, brindou-nos com mais do mesmo, como de costume.

Contrassenso
Leis e regulamentos são editados pelos representantes do povo e, em princípio, deveriam ir ao encontro do interesse de todos. Nem sempre é o que acontece. Na França, as normas que regem o horário de abertura dos comércios são um bocado intricadas. Só especialistas entendem do assunto.

Uma recente decisão de Justiça determina que, daqui para a frente, as lojas de bricolagem Leroy Merlin e Castorama que estiverem situadas na região parisiense estão proibidas de abrir as portas aos domingos. A lei tem de ser respeitada.

A intenção do legislador de fazer do domingo o dia de descanso semanal leva em conta o bem-estar do funcionário e tenta contribuir para a paz familiar. Só que o mundo mudou e a sociedade se transformou. Regras de 30 anos atrás já não se harmonizam com os dias de hoje.

Oui! Quero trabalhar aos domingos!

Oui!  Quero trabalhar aos domingos!

Muitos funcionários, cada qual por um motivo pessoal, são voluntários para o trabalho dominical. Há estudantes que, para ganhar um dinheirinho, estão felizes de poder fazer um extra aos domingos. Há pessoas solitárias que preferem trabalhar domingo e ter folga no meio da semana. O legislador não havia previsto essa evolução.

Sindicatos ― que, por definição, estão aí para defender os direitos dos empregados ― estão meio perdidos. Em princípio, deveriam organizar passeatas para exigir o fechamento obrigatório do comércio aos domingos. Mas, no final, quem anda organizando protestos são… os próprios funcionários. Muitos não querem abrir mão do trabalho dominical.

Um mundo de pernas pro ar, não?

Como me ufano
De vez em quando, uma noticiazinha boa não há-de fazer mal. O jornal suíço 20 minutes publicou esta semana um artigo ― com infografia e tudo! ― sobre o novo jato de transporte militar que a Embraer está lançando. Descrevem o novo aparelho como capaz de desempenho superior ao Hercules fabricado pela americana Lockheed. Se você visitar o site do jornal 20 minutes, não deixe de clicar na infografia para ver em tela cheia.

Embraer KC-390 x Lockheed C-130J

Embraer KC-390  x  Lockheed C-130J

E pensar que o inquilino do Planalto imediatamente anterior à presidente atual tentou meter o bedelho no construtor aéreo nacional. Para alívio e satisfação de nós todos, não conseguiu. Escapamos de boa e é melhor assim.

Como chegar?
As obras públicas no Brasil são frequentemente desconexas. Controem-se pontes em lugares desprovidos de estradas. Fecha-se um olho para a urbanização selvagem de regiões inundáveis ou de zonas de manancial. Há muitas incongruências.

Uma das mais flagrantes é a ausência de ligação ferroviária ou metroviária entre o centro das cidades e seu aeroporto ― muitas vezes internacional. Quase 30 anos depois de ser inaugurado, o aeroporto internacional de São Paulo, o mais importante do País, ainda não conta com um transporte que cubra ― com segurança, regularidade e preços accessíveis ― os 30 km que o separam do centro da metrópole.

A Folha de São Paulo publicou esta semana um quadro mostrando a situação em 45 cidades, entre as quais os destinos internacionais mais procurados por viajantes brasileiros. É sintomático. Todos os grandes aeroportos fora da América do Sul contam com ligação ao centro da cidade à qual servem. Em alguns casos, há uma linha de metrô. Em outros, uma linha ferroviária. Todas cobram preços populares.

O caso de São Paulo é dramático por dois motivos. Primeiro, porque mostra o desleixo de todas as autoridades envolvidas com o projeto. Desde os militares que autorizaram a construção do aeroporto, nos anos 80, até os dirigentes atuais. Todos empurraram com a barriga. Hoje só nos resta passar vergonha diante de cada turista que chega e se vê esbulhado por táxis que cobram 100 reais para levá-lo ao centro.

SP - Avenida marginal do rio Tietê by Rodrigo Coca

SP – Avenida marginal do rio Tietê em dia de enchente
by Rodrigo Coca

O segundo motivo é o fato de o trajeto entre o aeroporto e a cidade passar obrigatoriamente pela avenida que margeia o rio Tietê. É uma região onde, por um acidente de tráfego ou por uma chuva mais forte, a circulação de veículos se interrompe. Na época das chuvas, o viajante internacional, para garantir sua chegada ao aeroporto a tempo de se apresentar ao balcão, costuma sair de casa com umas 4 horas de antecedência. Muitas vezes, para um voo de 2 ou 3 horas. Um disparate.

Mas parece que agora vai. Foi tomada a decisão de construir uma ligação férrea. Naturalmente, não estará pronta para quando a Copa chegar. Os visitantes que se danem.