Latino-americanos

José Horta Manzano

Sou do tempo em que latino-americanos eram os outros. Nós, brasileiros, não tínhamos nada que ver com essa gente. Havia os americanos (que falavam inglês), os latino-americanos (que falavam espanhol) e nós. Música latina era bolero, rumba, chá-chá-chá, mambo. Nossa música não era latina, era brasileira. No nosso imaginário, Lima, Bogotá e La Paz estavam mais distantes que Londres ou Lisboa.

Petrobrás invadida Bolívia

Petrobrás invadida
Bolívia

De uns 10 ou 12 anos para cá, os brasileiros passaram por uma lavagem cerebral. Desde que estes novos tempos se instalaram e a orientação de nossa política externa deu uma guinada para um lado estranho, fomos instados a nos identificar, à força se necessário, com os antigos adversários castelhanos.

O fato de vários caudilhos latino-americanos terem tido a mesma ideia ao mesmo tempo só favoreceu a busca de uma hipotética «integração» ibero-americana. Como toda criação artificial, não deu e nunca dará certo.

Generoso, o brasileiro está pronto a ajudar os vizinhos necessitados, a dar-lhes uma mão, a prestar-lhes o devido auxílio. Contudo, «identificar-se» com eles já requer um salto que nem todos estão dispostos a dar.

O fracasso da economia venezuelana, o descalabro da governança argentina, a interminável agonia do regime cubano não nos encorajam a perseverar nessa linha. Já temos dificuldade para resolver nossos problemas internos, não nos fazem falta trapalhadas estrangeiras.

Lula recebe Evo Morales

Lula recebe Evo Morales

Como toda criação artificial, nosso «latino-americanismo» é bastardo e de ocasião. Não foi feito para durar. Com o ocaso dos regimes «progressistas» que se haviam instalado em algumas ex-colônias ibero-americanas, o Brasil há de abandonar logo essas aventuras inconsequentes e voltar aos trilhos de onde nunca deveria ter saído.

Interligne 23

Quando o ogro boliviano se apoderou de uma refinaria da Petrobrás implantada naquele país, o governo brasileiro entrou em pânico, mas não teve coragem suficiente para se defender. Note-se que a Petrobrás, além de ser a maior empresa nacional, tem como proprietário majoritário de seu capital votante o povo brasileiro, através de seu governo.

A vergonhosa pusilanimidade do governo brasileiro de então não foi nem está sendo imitada pelos governos europeus. Um episódio folclórico ocorrido na noite de ontem mostra que o ogro, por aqui, não assusta ninguém.

Evo Morales, presidente do Estado Plurinacional da Bolívia (é o nome oficial, sem brincadeira), sobrevoava a Europa em voo de Moscou a La Paz. Correu o boato de que o avião carregava Snowden, aquele que vazou segredos da espionagem americana.

Portugal, onde um pouso para reabastecimento do aparelho estava previsto, fechou imediatamente seu espaço aéreo. A França tomou idêntica decisão. A Itália, idem. O avião não teve outra opção senão pousar em Viena.

Petrobrás invadida Bolívia

Petrobrás invadida
Bolívia

Furibundos, os mandachuvas bolivianos fizeram as habituais declarações grandiloquentes do tipo «a América Latina está sendo pisoteada» e «Morales foi sequestrado pelo imperialismo».

Esqueceram-se ― ou talvez não saibam ― que estavam voltando de visita amiga a um dos últimos grandes impérios que sobraram. Moscou é a capital de um imenso complexo composto de 21 repúblicas, 46 regiões e 4 distritos autônomos. São 128 etnias que, embora muitas o façam a contragosto, vivem sob obrigatória autoridade russa. Se esse não é um império, o que será?

Para se fazer respeitar, há que começar respeitando os demais. No dia em que señor Morales e nossos outros hermanos entenderem isso, terão dado um grande passo à frente.

Plágio?

José Horta Manzano

Os dicionários informam que plágio é o ato de apresentar, como de sua própria autoria, obra intelectual produzida por outra pessoa. Tanto faz que seja texto, pintura, desenho, música, foto. Há que convir que a definição é ao mesmo tempo precisa e vaga.

Sua precisão está na clareza: apresentar como seu algo que foi feito por outro, não resta dúvida, é apropriação indébita, roubo.radio 1

No entanto, quando nos referimos a obras musicais, entram dois complicadores: a inspiração e o tempo de execução da obra. Não é impossível que dois compositores tenham na mesma época inspiração semelhante e que, em toda honestidade, escrevam peças musicais muito parecidas. Há mais: existem casos em que apenas trechos de uma peça guardam certa semelhança com passagens de obra alheia.

Já houve quem acusasse o grande Tom Jobim de plagiar o não menos grande Cole Porter. De fato, os primeiros compassos do Samba de uma nota só lembram muito o início de Night and day. No entanto, algumas notas mais adiante, as obras seguem caminhos tão diversos que fica afastada a ideia de pura e simples cópia. Por mim, Jobim está absolvido.

Os mais antigos talvez se lembrem de uma canção de autoria de Dolores Duran (1930-1959), composta em 1958. Chamava-se Castigo. O nome é pouco evocador, mas muita gente deve se lembrar da letra: «A gente briga, diz tanta coisa que não quer dizer, briga pensando que não vai sofrer (…)». Marisa Gata Mansa foi a primeira a gravar. Maysa ― que ainda era Maysa Matarazzo ― fez do samba-canção seu cavalo de batalha.

Fiquei conhecendo, algum tempo atrás, um bolero mexicano composto por Wello Rivas (1913-1990). Ok, ok, a simples menção ao termo bolero, hoje, incomoda. Nossa estética musical se modificou. Mas não vamos perder de vista que a própria Dolores Duran ― que, apesar do nome artístico hispanizante, se chamava Adiléia Silva da Rocha ― iniciou sua carreira cantando… boleros.

A composição a que me refiro se chama Llegaste tarde. Por mais que tenha procurado, não consegui encontrar o ano de lançamento. Quando ouvi pela primeira vez a composição de Rivas, fiquei um bocado surpreso. A primeira parte guarda semelhanças intrigantes com o Castigo de nossa Dolores. Mesma linha melódica, mesma harmonia.

Será coincidência ou plágio? Se for cópia, quem terá copiado quem? Dolores já se foi há mais de meio século. Rivas também já fez sua travessia faz mais de 20 anos. Llegamos demasiado tarde. Não saberemos nunca.radio 3

Para quem quiser conferir, há registros no youtube. O caminho é este aqui:

Gravação de Castigo, por Taiguara

Gravação de Llegaste tarde, por Amparo Montes

Gravação de Castigo, por Roberto Luna

Gravação de Llegaste tarde, por Los Soberanos