Yes, nós temos bananas!

José Horta Manzano

Você sabia?

A banana é, de longe, a fruta mais consumida no planeta. Em 2016, foram produzidas mais de 120 milhões de toneladas, uma enormidade. Fruta do pobre por excelência, está presente em todas as refeições de países da África Negra, onde o consumo por habitante atinge 200kg/ano ‒ um volume significativo. Os pratos da culinária africana costumam levar banana entre os ingredientes.

O Equador é o primeiro produtor, bem à frente dos demais. Supre um quarto do consumo mundial. O Brasil é grande produtor, mas praticamente não exporta. A razão é o persistente e incompreensível «custo Brasil». Empecilhos de logística aliados a lenta burocracia e pesada tributação fazem que a banana brasileira chegue ao porto com preço mais elevado que a dos demais exportadores.

Estes dias tornou-se público um acordo firmado em 2014 ‒ durante a gestão da doutora Dilma Rousseff ‒ entre o Brasil e o Equador. O pacto estipula que o Equador abrirá as portas para a importação de calçados brasileiros. Em contrapartida, o Brasil se compromete a liberar a importação de… bananas do Equador. Parece primeiro de abril, não? O Brasil importando banana!

Em 1938, Braguinha e Alberto Ribeiro lançaram, pela voz de Almirante, a marchinha «Yes, nós temos bananas!», sucesso no carnaval daquele ano. A música era paródia de uma divertida canção americana de 1923.

Que o Brasil não apareça entre os grandes exportadores de banana já é surpreendente. Dá pena ver que há condições, o clima ajuda, a terra está aí à vontade, mas a burocracia trava tudo ‒ uma lástima!

Agora, importar banana do Equador? Como é que é? Pois a marchinha não dizia que «temos bananas pra dar e vender»? O que é que aconteceu de lá pra cá? Parece que descemos ao ponto de não dar mais conta de produzir bananas para o mercado interno. Aonde vamos parar?

Primeiro de abril indignado

José Horta Manzano

Na Idade Média, o nervo da confusão na Europa corria entre a França e a Inglaterra, inimigas havia séculos. Uma invasão aqui, uma batalha lá, as duas nações davam o tom das hostilidades no continente. A rivalidade entre elas, com o passar dos séculos, foi aumentando até chegar ao ápice com as campanhas napoleônicas. Depois disso, excluídas as nações americanas, a África e a Ásia foram partilhadas em zonas de influência de uma ou de outra das duas potências. Por um momento, a Europa pareceu sossegar.

Mas a calma não durou muito. A Alemanha, tradicionalmente composta de uma miríade de pequenos principados, ducados e reinos, logrou unificar-se na década de 1860. A união faz a força e… bota minhocas na cabeça. Uma Inglaterra absorvida pelo progresso industrial e pelas dezenas de colônias que possuía ao redor do globo, passou a dar menos atenção à antiga rivalidade com os vizinhos franceses. A tensão entre potências se deslocou ao eixo Paris-Berlim.

Logo de Arte-TV

A guerra franco-alemã de 1870 inaugurou mais um período bélico. Seguiu-se a carnificina de 1914-1918. E a hecatombe de 1939-1945. Depois desses desastres, a Europa pensante chegou à conclusão de que a mútua exterminação não era possível. Melhor seria tentar o caminho da convivência pacífica. A concórdia entre França e Alemanha era o alicerce da paz.

A criação do Mercado Comum ‒ antepassado da atual União Europeia ‒ é fruto dessa reflexão. Na mesma linha, desde que a televisão surgiu, pensou-se em criar um canal franco-alemão, um passo a mais em direção ao conhecimento mútuo e à integração entre os dois vizinhos. A Arte-TV, rede binacional, tornou-se realidade em 1992.

O canal transmite 24 horas por dia programas bilíngues. Dublados ou legendados, são destinados a franceses e a alemães. A programação é de nível elevado, com relevo para documentários, entrevistas, debates, emissões de caráter científico. Os filmes são bem escolhidos. Se você não encontrar nada que lhe agrade em outros canais, pode sintonizar a Arte, que dificilmente se decepcionará.

Dificilmente não é sinônimo de nunca. Vou contar o que aconteceu ontem. Como sabem meus cultos e distintos leitores, não há prova científica de cruzamento entre o Homem de Neandertal e o Homo Sapiens. Considera-se que os dois ramos de hominídeos, embora contemporâneos, não se misturaram. Os neandertais acabaram se extinguindo enquanto o Homo Sapiens sobreviveu e desembocou no homem moderno.

Ontem, Arte-TV apresentou, no horário nobre, interessantíssimo documentário revelando a incrível descoberta do esqueleto fossilizado de uma mulher neandertal morta no momento em que dava à luz uma criança da espécie Homo Sapiens. Era o elo que faltava, a descoberta científica do século!

Durante 50 minutos, foram entrevistados cientistas, paleontologistas, arqueólogos, geneticistas e exploradores. Foi mostrado o esqueleto, encontrado numa gruta da Geórgia (Ásia Menor). Depois de escaneado, estudado e revirado pelo avesso, o ADN (DNA) foi sequenciado. Ficou patente que temos todos um patrimônio genético que combina genes de neandertais e de Homo Sapiens. Coisa espantosa, de deixar qualquer um boquiaberto!

Faltando dois minutos para o fim do programa, deu pra ver o desenho de um peixinho dançando no canto superior esquerdo da tela. No dia primeiro de abril, peixinho é símbolo da mentira, da pilhéria. Explicaram, então, que se tratava de uma brincadeira. O esqueleto tinha sido fabricado e os participantes se dividiam entre figurantes e cientistas de verdade que consentiram em participar do gracejo. Nenhuma verdade científica tinha sido arranhada. Ha, ha, ha.

Ha, ha pra eles, ora bolas! De um canal popular, pode-se esperar tudo, mas de uma Arte-TV, francamente… Fiquei furioso, e acho que não fui o único. Pois é, como eu dizia no post de ontem, no dia 1° de abril, mais vale desconfiar de tudo o que aparece pela frente. A solução é ficar em casa lendo um romance. História inventada por história inventada, o romance é melhor: a gente sabe, desde a primeira página, que não passa de ficção.

Primeiro de abril adiantado

José Horta Manzano

Quando o calendário marca primeiro de abril, é preciso ter cuidado ao ler jornal. Pelo menos, aqui na Europa é assim. Jornais, rádios e até canais de televisão costumam publicar notícias falsas dia 1° de abril. É a tradição, mas sempre há quem caia na conversa. Lembro-me de uma boa “pegadinha”, velha mas engraçada.

Coleção de sapatos de Imelda Marcos, hoje recolhida num museu filipino

Faz trinta anos. Uma revolução nas Filipinas, país que tinha sido dirigido a ferro e fogo durante 20 anos por Ferdinand e Imelda Marcos, acabava de botar pra correr o casal de ditadores. Pra salvar a pele, o casal tinha abandonado, de supetão, palácios e pertences.

Quando entraram nos aposentos da primeira-dama, os revolucionários ficaram atônitos. A mulher era vidrada em sapatos. Possuía mais de mil pares. E, olhe lá, não eram chinelo de dedo! Tudo coisa fina: Charles Jourdan, Louboutin, Christian Dior, Chanel, Ferragamo, Givenchy, Bally. A notícia correu mundo.

No primeiro de abril seguinte, um jornal de Lausanne (Suíça) anunciou que os sapatos de Imelda estavam em venda especial de um único dia a preços de liquidação. O excepcional acontecimento se daria naquele mesmo dia, num dos salões do maior hotel 5 estrelas da cidade. Parece que o hotel nunca foi tão visitado como aquele dia.

No Brasil, embora o 1° de abril seja chamado de “dia da mentira”, pilhérias entre adultos são raras. Regra geral, tudo não vai além de brincadeira de criança. Mas as coisas mudam, distinto leitor, as coisas mudam.

Uma edição falsa do jornal O Globo foi distribuída em São Paulo. Decerto ansiosos por chegar ao desenlace do plano, os autores da pilhéria não aguentaram esperar até o dia da mentira. Espalharam os jornais falsos na véspera, 31 de março.

Edição falsa de O Globo, 31 mar 2017

Pode parecer incrível, mas o material pôde ser encontrado em algumas bancas de jornal. Tinha o mesmo jeitão do jornal verdadeiro, com a exceção de ter sido impresso em formato tabloide. Trazia a manchete: “Temer renuncia: eleições são convocadas”.

O acontecimento se insere perfeitamente no Zeitgeist, no espírito atual em que informações verdadeiras e falsas se embaraçam a ponto de impedir todo cristão de separar o joio do trigo.

Se foi um primeiro de abril, foi engraçado, só que, da próxima vez, será melhor fazer na data correta. Se não foi, é mais uma manobra com segundas intenções. No ponto a que chegamos, uma a mais ou uma a menos não faz grande diferença.

As pilhérias e os peixes

José Horta Manzano

Os antigos adoravam fazer festa. Qualquer motivo valia. Comemorações pagãs ou litúrgicas, pouco se lhes dava. Por que tanta gana de sair do sério?

Será porque o dia a dia era mónotono e sem variedade. Será porque a ordem das coisas parecia imutável, não deixando nenhuma esperança de melhora. Será porque eram poucos os anos que a cada um cabia viver. Será porque a vida miserável e sofrida que levavam demandava momentos de escapatória.

A origem de muitos desses festejos ― alguns dos quais perduram até nossos dias ― é muita vez desconhecida. Um exemplo significativo é o do primeiro de abril. Na infância, conhecíamos a data como o dia da mentira. Era o único momento do ano em que contar mentira não era pecado a confessar ao padre. Não somos o único povo a enxergar esse dia como diferente dos outros.

Como sói acontecer quando ninguém tem certeza, muitos são os que garantem que o dia da mentira é obra de algum antiquíssimo conterrâneo. Seja como for, a tradição de pregar peças continua muito forte em vários países.

Na França, as crianças costumam recortar peixes de papel e em seguida grudá-los nas costas de algum distraído. Não demora muito para gritarem em coro: Poisson d’avril!, peixe de abril.

Poisson d'avril!

Poisson d’avril!

Para os franceses, a versão mais aceita da origem da brincadeira segue uma lógica que todos imaginam cartesiana. Até meados do século XVI, algumas regiões do país consideravam que o ano começasse em abril, não em janeiro. Outras já tinham adotado o primeiro de janeiro. Assim foi até 1564, quando o rei Carlos IX decidiu botar ordem no coreto e oficializar o 1° de janeiro como primeiro dia do ano.

No entanto, os franceses, sempre prontos a contestar decisões vindas de cima, não se conformaram tão facilmente. Muitos continuaram a formular votos de bonne année no dia 1° de abril. Essa data cai frequentemente em plena Quaresma. período em que era proibido comer carne. Acontece que março/abril são também os meses em que os peixes se reproduzem. Pescar nessa época significaria prejudicar a pesca para os anos seguintes. O remédio, então, era presentear os amigos com… peixes falsos. Ninguém é obrigado a acreditar, mas é a versão mais aceita por estas bandas.

Já os ingleses, que dão a esse dia o nome de April Fools’ Day (dia dos loucos), não estão de acordo com a versão francesa. Brandem antigos manuscritos dos Contos de Canterbury para demonstrar que as troças de 1° de abril já eram mencionadas 200 anos antes do decreto de Carlos IX.

Espanhóis fazem as mesmas artes, mas escolheram outra data para zombarem dos ingênuos. As pilhérias são pregadas dia 28 de dezembro, justamente o dia dos Santos Inocentes. A tradição passou a algumas regiões da América hispânica.

Jornais, rádios e até canais de televisão costumam publicar notícias falsas dia 1° de abril. E sempre tem quem acredite. Uma delas, excelente, foi inventada por um jornal de Lausanne (Suíça) já faz anos.

As Filipinas tinham acabado de se livrar do casal ditatorial Ferdinand e Imelda Marcos. Os dois tinham abandonado palácios e bens na última hora, a tempo de salvar a própria pele. Os primeiros a penetrar nos aposentos particulares do par infernal ficaram boquiabertos com a quantidade de sapatos que a Primeira Dama possuía. Parece que eram mais de mil pares.

De brincadeira, o jornal anunciou que os sapatos de Imelda iam ser oferecidos, numa venda especial de um dia só, a preços de liquidação. O excepcional acontecimento se daria dia 1° de abril daquele ano, num dos salões do maior hotel 5 estrelas da cidade. Parece que o hotel nunca foi tão visitado como aquele dia.

Poisson d’avril!