Tudo errado

José Horta Manzano

Nem tudo o que é legal é moral. Há muita imoralidade transvestida em regra ou até em lei. A prática que envolve a atribuição de passaportes diplomáticos é bom exemplo. Como o próprio nome já informa, esse tipo de passaporte destina-se a diplomatas ou a pessoas encarregadas de missão assimilável à diplomacia.

Subentende-se também que o fim da missão implica devolução imediata de todos os atributos do cargo, passaporte incluído. Veja-se, por exemplo, o caso do parlamentar. Assim que termina o mandato, devolve carro, motorista, secretária, assessores, gabinete, apartamento funcional. O fato de ter exercido a função não o autoriza a conservar nenhum “souvenir”.

Reportagem publicada no Estadão informa que a emissão de passaportes diplomáticos volta a crescer este ano. A justificativa é que o documento é distribuído a granel, a parlamentares e líderes religiosos que o solicitem. Há milhares de passaportes diplomáticos em circulação no Brasil. A distribuição indiscriminada inflaciona, enfraquece e desvirtua a especificidade do documento.

Nada justifica a atribuição de passaporte diplomático a parlamentares, a não ser que viajem em missão assimilada à diplomacia. Neste caso, é concebível que se lhes atribua o documento – mas com validade unicamente para aquela viagem. Ao retorno, deverá ser devolvido. Não há razão para que deputados e senadores se apoiem em passaporte diplomático para levar a família passear na Disneylândia. Chega a ser imoral.

Mais problemático ainda será sustentar o direito de “líderes religiosos”(*) a obter esse documento. Não estão a serviço da pátria. O Brasil não é Estado religioso, como Irã ou Arábia Saudita. Portanto, que esses dirigentes espirituais façam fila no aeroporto de Miami ou de Paris como qualquer mortal, cáspite!

Se já era uma aberração ser titular de um documento dessa natureza, enormidade maior será retê-lo ao deixar o mandato. Segundo a reportagem do jornal, o Itamaraty tem grande dificuldade em recolher passaporte dos que deixam o parlamento. Todos guardam o livretinho como ‘souvenir’, exatamente como aqueles que levam ‘lembrancinha’ do hotel, do restaurante ou do último emprego.

Está tudo errado.

(*) A expressão ‘líderes religiosos’ inclui imames muçulmanos? E donos de terreiro de umbanda? Se eles apelarem para a Justiça e invocarem o princípio de isonomia, têm forte chance de obter o direito. Aviso aos navegantes!

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