José Horta Manzano
Faz semanas que o Brasil se alvoroça com a reforma trabalhista e com a reforma da Previdência Social. Discute-se, explica-se, atiram-se pedras. Manifestações pipocam, autoridades preveem catástrofes se não agirmos imediatamente. Coquetéis Molotov, bombas de efeito moral e gás pimenta marcam presença. Esse alarido, ao qual não estávamos mais acostumados, tem razão de ser. Estamos pagando hoje a fatura de mais de meio século de desleixo.
De fato, aprendemos todos a nos orgulhar do avanço alcançado durante a ditadura Vargas, quando centenas de leis, costumes, regras e regulamentos foram consolidados num todo coerente ‒ a conhecida CLT. Só que isso aconteceu em 1943, três quartos de século atrás. De lá pra cá, afora um ou outro arranjo cosmético, nenhuma atualização importante foi aplicada a essa lei.
Nesse meio tempo, o Brasil evoluiu. A economia, que então se baseava quase unicamente nas exportações de café, se libertou da monocultura. Nossas exportações incluem hoje a soja, o suco de laranja, o minério de ferro e até pequena porção de industrializados ou semi-industrializados. Estradas de ferro deram lugar a rodovias esburacadas. A agricultura de subsistência minguou em favor do cultivo em escala industrial. As relações entre patrão e empregado se transformaram. A esperança de vida espichou.
Regulamentos que dizem respeito a toda a população, como as leis que regem o trabalho e a Previdência Social, não podem parar no tempo. Têm de ser revistas periodicamente. Poucos anos depois de promulgadas, começam a entrar em obsolescência. Para parecer simpáticos e, assim, garantir reeleição, políticos sempre ignoraram essa verdade. E a defasagem foi-se ampliando até se aproximar perigosamente do ponto de ruptura.
O atual presidente já declarou mais de uma vez que não pretende se recandidatar. Será essa a razão pela qual decidiu ser lembrado, daqui a meio século, como aquele que instaurou a CLT 2.0. Bem haja, senhor presidente!
Mas que ninguém se engane. As reformas e revisões têm de ser contínuas, têm de acompanhar a evolução da sociedade. Uma vez que a atualização em curso esteja terminada, já é bom começar a ir pensando na próxima. O ritmo de transformação da sociedade não é mais o dos anos 1940. O comboio vai mais rápido.
Observação
Na Suíça, a Previdência Social universal foi instituída em 1948. De lá pra cá, já foi reformada 21 vezes, incluindo 11 maxirreformas ‒ daquelas que mexem com a estrutura do sistema.
Não há razão para que o Brasil, país onde a evolução da sociedade é mais dinâmica, não faça o mesmo. O importante é dar o primeiro passo. À medida que as condições vão se modificando, as leis têm de ser adaptadas. É simples bom senso.