Verba volant

José Horta Manzano

Verba volant 1A frase marcante da semana que passou foi, sem dúvida, aquela com que o vice-presidente encabeçou a carta enviada à chefe: Verba volant, scripta manent – palavras voam, escritos permanecem.

Firme e robusto, o adágio romano vigorou por dois milênios até que a revolução digital destas últimas décadas viesse injetar um grão de areia no azeitado mecanismo. De fato, escritos podem ser facilmente destruídos, enquanto dados digitalizados tedem a ser reproduzidos e conservados com segurança.

Toda moeda, no entanto, tem duas faces. Adulterar documentos escritos é possível, mas não é tarefa simples. Rasuras e correções costumam deixar rastro, ao passo que fraude em dados digitais é muito mais difícil de detectar.

Caramuru 1Faz duas semanas, soltei fogos ao receber a notícia do fim do voto eletrônico no Brasil. Infelizmente, não eram fogos Caramuru, aqueles que nunca dão chabu. A esmola era grande demais para sacola pequena. A boa-nova não se manteve de pé.

A crer no desmentido que acaba de surgir, continuaremos a apertar botões na hora de escolher representantes. E estaremos na incapacidade de conferir se a opção de cada eleitor terá sido realmente respeitada.

Era bom demais pra ser verdade. Em matéria eleitoral, a exceção brasileira prossegue. A comprovação de nosso voto continuará embrulhada nos mistérios impenetráveis da informática e avessa a toda tentativa de autentificação. É pena.

Latim de botequim

José Horta Manzano

Caesar 1Este blogueiro é do tempo em que ainda se aprendia latim na escola. Aprendia é modo de dizer.  A língua era ensinada, mas aprender, que é bom, eram outros quinhentos. A matéria era um espantalho para muitos de nós. Um belo dia, seu ensino passou a ser considerado supérfluo, e a língua foi abolida do currículo. É pena. Fácil, não era. Mas tinha lá sua utilidade.

Faz uns dias, o vice-presidente de nossa República enviou carta à mandatária-mor. Embora digam que o figurão tem estatura de estadista, o tom da missiva está longe de demonstrá-lo. A ladainha de reclamações pessoais é constrangedora. Apesar do tom de funcionário chorão, o texto começa justamente com uma frase na língua de Cícero. Não se sabe se dona Dilma entendeu ou se teve de se socorrer junto a assessores. Pouco importa.

A frase latina que senhor Temer deitou no papel é:

Interligne vertical 14Verba volant, scripta manent.
Palavras voam, escritos ficam.

Um pouco alterada, a frase é conhecida de todos os que um dia já arriscaram uma fezinha na Paratodos, o Jogo do Bicho. O mote da contravenção mais difundida, conhecida e tolerada é justamente: “vale o escrito”.

Data venia, tenho de botar reparo na citação do vice-presidente. É verdade que alguns conceitos foram poupados pela passagem dos dois milênios que nos separam do auge do Império Romano. Outros, no entanto, envelheceram. A máxima citada é daquelas que precisam ser adaptadas aos novos tempos. A versão 2.0 deverá ser algo como:

Interligne vertical 14Scripta manent, sed igne delebuntur. Verba volant, sed nube captabuntur.
Os escritos ficam, mas serão destruídos pelo fogo. As palavras voam, mas serão aprisionadas por uma nuvem (=cloud).

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PS: Nas aulas do velho professor Biral, que dava o melhor de si para nos iniciar nos mistérios da língua latina, nem sempre fui o aluno mais atento. Para o caso de o mestre, na nuvem de onde hoje nos espia, torcer o nariz para minha tradução, peço-lhe desculpas antecipadamente.