Terremoto em Taiwan

credit: Markku Uländer via Reuters

José Horta Manzano

Há imagens que não dizem grande coisa. Há outras que prendem a atenção e fazem refletir. A foto acima é daquelas que não deixam ninguém indiferente.

Esteticamente, é belíssima, uma réplica taiwanesa da torre original, situada em Pisa. Acho até que a inclinação desse prédio é mais forte do que a da torre italiana.

Há outros espantos. Dos aparelhos de ar condicionado, nove ainda estão lá, quietinhos, exatamente no lugar em que foram instalados. Aguentaram o baque. Instalador taiwanês é gente competente.

Dos vidros espelhados, excetuando os que foram esmagados no movimento de inclinação, a quase totalidade resistiu sem cair.

Fico imaginando o pavor de quem estivesse dentro do prédio na hora do sismo. Sentir um tranco e perceber que o assoalho se inclina, se inclina… Situação de infarto.

Aqui em Pindorama, volta e meia cai um prédio aqui, outro ali, sem terremoto mesmo. Engenheiros e arquitetos da ilha de Formosa (hoje Taiwan) merecem forte aplauso. Sabem fazer edifícios sólidos e resistentes.

Dá a impressão de que, com um guindaste gigantesco, se conseguiria erguer o imóvel e recolocá-lo na posição original.

Vai ver que ele só se inclinou pra dar bom-dia à cidade.

O mal que Bolsonaro nos faz

Em azul: países que condenaram a invasão russa
Em vermelho: países que aprovaram
Em amarelo: países que ficaram em cima do muro
Crédito infográfico: Le Temps, Genève

José Horta Manzano

A Guerra de Putin, como vem sendo apropriadamente descrita por vários órgãos de imprensa, tem feito efeito de um tsunami: repentino, violento, não deixa escapar ninguém, cada um se protege no lugar que escolhe. Há quem corra para o morro, mas há alguns que correm para a praia.

Coisas nunca vistas têm acontecido. Desde que Adolf Hitler invadiu metade da Europa, na virada dos anos 1930 para a década seguinte, nada de parecido tinha voltado a ocorrer.

Em 48 horas, a Alemanha encontrou saída legal que lhe permita enviar armas a zona de guerra – ato inconcebível até a semana passada.

Após pequena hesitação inicial, o Conselho Federal Suíço (o Executivo colegiado) decidiu arranhar a histórica neutralidade do país, em vigor desde o Congresso de Viena, de 1815. Essa brecha, que permitiu a Berna opor-se à Guerra de Putin e designar Moscou como agressor, deu base legal para a adesão total da Suíça às sanções aplicadas pela União Europeia.

Os países da União Europeia inteira, mais a Suíça, fecharam seu espaço aéreo para todo e qualquer avião russo. Aviões de carreira e jatinhos privados esbarram na mesma proibição.

A China, que, faz poucas semanas, tinha recebido Vladímir Putin com tapete vermelho e juras de amor, começa a tomar suas distâncias de Moscou. É sintomático da visão longa que os chineses têm do futuro. O que a Rússia está fazendo na Ucrânia é exatamente o que a China gostaria de fazer em Taiwan. No entanto, Pequim prefere esperar. Não gostaria de sofrer as duríssimas sanções aplicadas a Moscou. Taiwan fica para quando der.

A Finlândia e a Suécia, que sempre preferiram manter-se neutras e nunca aderiram à Otan, dão sinais de rever sua posição. Quer Putin goste ou não, a realidade atual na Ucrânia mostra que abrigar-se sob o guarda-chuva do Tratado do Atlântico Norte não é mau negócio. Não há que esquecer que a Rússia é vizinha de parede da Finlândia, com 1.340 km de fronteira terrestre, em terreno absolutamente plano. Com um Putin no trono, nunca se sabe.

A perspectiva de escassez de gás e de petróleo, matérias primas que a Rússia exporta em quantidade, está levando a Europa a reconsiderar rapidamente sua matriz energética. Em vez de depender da Rússia, os europeus terão de encontrar, da noite para o dia, outro fornecedor. A longo prazo, quem vai sentir os efeitos duradouros é a própria Rússia.

É de apostar que todos os países europeus, que tinham afrouxado seus investimentos militares desde a queda do Muro de Berlim, voltem a dedicar maior fatia do orçamento a despesas bélicas. É o rearmamento em marcha forçada.

Como se vê, que Putin anexe a Ucrânia ou que aquilo se transforme num atoleiro como o Vietnã, pouco importa. A loucura de Putin teve o condão de despertar um medo que todos imaginavam morto e enterrado há 30 anos. Durante todo o período da Guerra Fria, que durou 45 anos, o mundo ocidental cultivou o pavor dos russos. Agora, justamente quando todos começavam a esquecer e considerar a Rússia como um país normal e igual aos outros, catapum! Eis que a estupidez de um autocrata de visão limitada nos traz de volta um passado de pesadelo.

Desde já, a Rússia já está excluída do conjunto das nações civilizadas. E por décadas. E a Guerra de Putin, tenha ela o desenlace que tiver, terá dado um resultado positivo: pôs a Ucrânia no mapa. Um país obscuro, perdido nos confins das estepes, pobre, do qual ninguém sabia grande coisa, agora entrou para o time dos países europeus. E não é impossível que, dentro de algum tempo, seja aceito como membro da União Europeia. E até da Otan. Ou será otimismo demais?

Enquanto isso, o Planalto resiste. No infográfico que aparece na abertura, os países que condenaram a invasão russa aparecem em azul – coincidentemente, são os mais civilizados e avançados. Em vermelho, estão os que aprovam Moscou. Em amarelo, aparece a turma que ficou em cima do muro, incluindo o Brasil de Bolsonaro, naturalmente.

Repare que estamos em má companhia. Na América Latina, nossos companheiros são Cuba, Nicarágua e Bolívia. Em seguida, vêm a China, a Índia, o sudeste asiático, o Irã, as autocracias petroleiras árabes e a África praticamente inteira.

Como dizia um antigo chanceler do capitão, o Brasil tem orgulho de ser pária. Bolsonaro segue o ensinamento à risca.

A província rebelde

José Horta Manzano

Donald Trump é bom exemplo de pessoa certa no lugar errado.

Pessoa certa por quê? Porque algum jeito para negócios há de ter. A boa estrela não teria sido suficiente para fazer um indivíduo progredir de milionário a multibilionário no espaço de 40 anos. Nem maracutaia grossa de político brasileiro alcança essa amplitude. Para negócios, não resta dúvida, o moço tem talento.

Lugar errado por quê? Porque a presidência dos EUA não é trono pra qualquer um. Mandatário que, além de inexperiente, vem imbuído da arrogância dos que se acostumaram a comprar tudo com dinheiro, periga escorregar feio. E se, ao resvalar, acabar levando o tapete junto, pode causar desastre planetário.

China continental & Taiwan

China continental & Taiwan

Semana passada, Mr. Trump teve uma conversa telefônica com a presidente de Taiwan. Um distraído poderia perguntar: “E daí?” A resposta é que um diferendo entre a China continental (Pequim) e Taiwan (Taipei, ilha de Formosa) perdura há quase 70 anos. O bate-papo foi mal recebido lá pelas bandas de Pequim.

A revolução comunista comandada por Mao Tsé-Tung nos anos 1930-1940 acabou vencendo as tropas nacionalistas ao fim de quase 20 anos de combate. No ano de 1949, a China toda estava dominada e o regime comunista, instalado. Sobrou uma pequena exceção: a ilha de Formosa ‒ que, diga-se de passagem, herdou o bonito nome dos primeiros portugueses que ali desembarcaram faz meio milênio.

Taipei, capital de Taiwan

Taipei, capital de Taiwan

Nessa ilha, que os nativos chamam Taiwan, os vencidos da guerra civil se refugiaram e fundaram uma república não-comunista. Apoiados pelos EUA, receberam ajuda comercial e militar. Foram admitidos na ONU, ao passo que a enorme China continental foi descartada. A situação perdurou até que, durante o governo Nixon, os papéis se inverteram. Em 1971, sob pressão americana, as Nações Unidas excluíram a pequena ilha e passaram a reconhecer a China continental como representante única do povo chinês.

No entanto, a perda de assento na ONU não significou o banimento da ilha do comércio internacional. Os Estados Unidos continuaram a fornecer armamento e as relações comerciais com os demais países continuou, criando uma situação esdrúxula. No oficial, Taiwan não existe. Na prática, tem sido importante ator do comércio mundial. O delicado equilíbrio vem se mantendo há 45 anos.

Taiwan

Taiwan

O telefonema entre a presidente de Taiwan e Mr. Trump desagradou as autoridades de Pequim, para as quais a ilha não é país independente, mas simples «província rebelde», um filho desgarrado. Esta semana, o presidente eleito dos EUA foi mais longe. Em entrevista, aventou a possibilidade de vir a reconhecer a «província rebelde» como país independente, hipótese inaceitável para a China continental, que nunca desistiu de reintegrar os taiwaneses à patria mãe.

O assunto é pra lá de sensível. Para a China, os EUA são parceiros comerciais de suma importância. E vice-versa. Pra completar o quadro, os chineses são os maiores credores dos Estados Unidos. A interdependência é forte ‒ uma ruptura causaria um tsunami de consequências inimagináveis.

Ninguém sabe como a situação vai evoluir, mas é certo que a inexperiência e a ousadia de Mr. Trump ainda vão provocar muito ranger de dentes. O mundo ainda vai levar umas sacudidas. Quem viver verá.

Os malfeitos de lá e os daqui

José Horta Manzano

Meio século atrás, os chineses viviam como os europeus da Idade Média. Miséria, repressão, ascensão social improvável, nítida distinção entre a casta dos poderosos e a ralé. Era um «nós & eles» real e pra valer, longe do antagonismo que o marketing do Planalto tenta instaurar artificialmente entre nós.

Casamento 5Embora ainda estejam longe de chegar à homogeneidade social dinamarquesa ou ao PIB per capita luxemburguês, os chineses já deram passos decisivos na estrada civilizatória. A cada ano, milhões de cidadãos deixam a Idade Média para ensaiar os primeiros passos no mundo atual.

Vêm todos com sede – falo em sentido figurado. Há demanda represada em todos os campos: consumo, educação, turismo, liberdade de expressão. Como outros povos, também os chineses sentem fascínio pelo Velho Continente, particularmente pela França.

Faz já alguns anos que a cidade de Tours se especializou em receber jovens chineses cujo sonho é casar na França, noiva de véu e grinalda (como Esmeralda), beijinho (costume desconhecido na China), fotos de lembrança diante do château e em companhia do prefeito. Entre parênteses: na França, casa-se na prefeitura. O oficiante é o prefeito em pessoa.

Dois anos atrás, o prefeito de Tours foi acusado de corrupção. A polícia civil francesa descobriu que a agência de turismo contratada para organizar a vinda dos casais chineses pagava propina para manter exclusividade.

Monsieur Jean Germain, o prefeito, jurou de pés juntos que não tinha conhecimento de nenhum desvio de dinheiro. Se algum malfeito pudesse estar acontecendo só podia ser à sua revelia. Mas a máquina judicial estava em movimento, que fazer? Apesar de o homem continuar negando toda implicação, a investigação continuou.

Casamento 3Homem de comprovada honestidade, Monsieur Germain, de 67 anos, tinha sido prefeito de Tours durante 19 anos consecutivos – sem contar seu mandato de senador, que na França é permitido acumular mandatos. Aos poucos, foi-se descobrindo que o culpado mais provável pela falcatrua não era bem o prefeito, mas uma auxiliar dele, uma chinesa de Taiwan. Era ela, que gozava da confiança do chefe, quem cuidava da vinda dos chinesinhos e da organização dos casamentos. Se trapaça houve, convinha olhar pro lado da assessora.

O total desviado é calculado em cerca de 600 mil euros (menos de 2 milhões de reais). O início do julgamento estava marcado para a manhã de ontem, 7 de abril. Na hora marcada, todos os atores estavam presentes, só faltava o acusado principal. Passaram-se os minutos. No início, imaginou-se que o homem estivesse apenas atrasado. Não era bem assim.

Casamento 4Após rápida busca, a polícia descobriu o prefeito na garagem de casa. O homem tinha posto fim a seus dias. Uma carta manuscrita explicava as razões do gesto. Dizia que, como homem político honrado, Monsieur Germain não conseguia mais suportar a exposição midiática e o olhar de reprovação de seus eleitores por atos que ele não havia praticado.

Fiquei pensando nos acusados de mensalões e petrolões brasileiros. Apesar de abundantes provas, nenhum deles jamais admitiu ter cometido malfeitos. Nenhum tampouco pareceu incomodado de ser exposto como criminoso.

Pra você ver, distinto leitor: nem todos reagem de maneira uniforme diante da desonra. Se assim não fosse, haveria uma penúria danada de políticos no Brasil.

Meio cheio ou meio vazio?

José Horta Manzano

Reportagem publicada na edição online do Estadão de 4 de março informa que a Universidade de São Paulo está entre as 70 mais respeitadas do mundo.

Quem se ativer ao artigo pode até ficar com a impressão de que, afinal, o nível do ensino superior no Brasil não está tão mal como dizem. No entanto, quem for um pouquinho mais zeloso e tiver a curiosidade de conferir a informação diretamente na fonte pode se decepcionar.

THE ― Times Higher Education ―, a instituição que fornece a análise, não se contenta em publicar a lista dos estabelecimentos mais respeitados. Faz outros levantamentos. O site do instituto britânico providencia duas listas de classificação: uma baseada em opiniões subjetivas e outra calcada em 13 critérios objetivos.Meio cheio

A USP, realmente, aparece entre as 70 melhores. Na lista subjetiva. Esse rol traduz a percepção que alguns milhares de cientistas e outros graduados têm com relação a cada universidade. É de apostar que poucos dentre eles conhecem a fundo a totalidade das instituições de qualidade espalhadas pelo planeta.

Já na lista estabelecida a partir de critérios objetivos, nossa universidade aparece num inglório 158° lugar. A primeira da lista 2012-2013 somou 95.5 pontos, enquanto a USP amargou magros 50.5 pontos.

A China, país pelo qual, 20 anos atrás, ninguém daria um vintém, alçou sua Universidade de Pequim ao 46° posto. A Coreia tem sua Universidade de Pohang em 50° lugar. Até Taiwan, antes mais conhecida por sua produção de artigos falsificados do que pela excelência de seu ensino, emplacou sua melhor universidade 24 lugares à frente da nossa.

Se levarmos em conta a indigência de nossa Instrução Pública, é gratificante encontrar o florão de nosso ensino superior entre as 160 melhores instituições do mundo. É quase um milagre. É o copo meio cheio.

.:oOo:.

O Brasil é o 5° país em superfície, o 5° em população, aparece entre as 10 maiores economias do globo, tem pretensões a tornar-se potência regional. Como se não bastasse, faz o que pode (nem sempre o que deveria) para ganhar cadeira cativa no Conselho de Segurança da ONU ― obstinação que atormenta o Planalto já faz uns dez anos.
Meio cheio

Depois de todos esses «considerandos», convenhamos, não há muito que se orgulhar dos «finalmentes». Não se chega lá por obra do acaso. Não há que confundir ONU com Fifa. O caminho passa obrigatoriamente pela Educação. É árduo, demorado? É. Mas não há outro jeito.

É muito chato constatar, mas acho que nosso copo anda meio vazio.