Sítio

José Horta Manzano

Situm é o particípio perfeito do verbo latino sínere, que tem o significado de pôr, colocar, deixar. Alguns descendentes aparecem em nossa língua. Situar, sitiar, situação e sítio estão entre eles.

O sítio aparece entre os sonhos crônicos do brasileiro. Um sitiozinho tranquilo, jeitoso, suficientemente longe de casa pra dar a impressão de ter viajado, mas suficientemente perto para a viagem não parecer uma chatice. Milhões gostariam de ter esse privilégio.

Em nosso mundo político atual, sítio também é palavra pra lá de especial. Por razões diferentes, o termo é particularmente caro a dois de nossos personagens mais estridentes: Lula e Bolsonaro.

Lula se enroscou por causa de um sítio em Atibaia. O irônico da coisa é que, depois de fechar o olho para a roubalheira desenfreada que marcou sua gestão, foi cair justamente por causa de uma propriedade que sequer em seu nome estava registrada. Um sitiozinho à toa, cujo luxo maior era um laguinho com pedalinhos. Coisa de principiante.

Bolsonaro, escolado, não periga aceitar o usufruto de chácara de terceiros. Sua relação com sítio é outra. O atual presidente é vidrado em estado de sítio. O nome é o mesmo, mas o panorama é mais sombrio. Ninguém se exclama: «O lago é uma delícia!», mas «Cuidado com a milícia!» – o que, convenhamos, é menos acolhedor.

Lula vai pensar duas vezes antes de se enfiar de novo em sítio alheio. Quanto ao capitão, está dando mostra de pouca familiaridade com o país em que vive. Seu sonho de estado de sítio não se realizará. Os que repudiam a ideia têm mais peso do que os que apoiam. Se ele continuar insistindo, vai dar-se mal.

Frase do dia — 317

«O perfil que emerge para 2018 é de empresário que se diz “não político”. Com a vitória espetacular de João Doria, deixou de ser crime, pecado e impopular ser rico. Lula até já poderia comprar triplex e sítio sem enganar ninguém e sem medo de perder a aura de “pobre” e de “homem do povo”. Agora, porém, é tarde demais.»

Eliane Cantanhêde, em sua coluna do Estadão, 4 out° 2016.

Presidente distraído

José Horta Manzano

Chefes de Estado, quando se visitam, levam presentes. Mortais comuns como você e eu podemos até saltar esse capítulo, mas altos dirigentes seguem o ritual como manda a tradição. Quando digo presentes, não falo de «lembrancinhas» compradas às pressas na barraquinha da esquina. Presidente, rei e todo mandatário que se preza costuma oferecer aos confrades presentes valiosos, impressionantes, marcantes, inconfundíveis e inesquecíveis.

Trecho da revista Isto É, 12 ago 2016

Trecho da revista Isto É, 12 ago 2016

A revista Isto É desta semana traz um extrato de um relatório de fiscalização levado a cabo pelo TCU ‒ Tribunal de Contas da União. O documento de 40 páginas analisa, no detalhe, os presentes que o Lula e dona Dilma receberam de dirigentes estrangeiros, quando ainda estavam no poder.

A lei estipula que todo presente cujo valor supere cem dólares deverá ser incorporado ao patrimônio da União. Há lógica no dispositivo legal. Assim como quem presenteia o faz em nome de um Estado, o presenteado aceita o mimo em nome do País. Não é um mimo pessoal do ditador X ao Lula ou do caudilho Y a Dilma. É presente do povo do Kabrovistão ao povo brasileiro.

Trecho da revista Isto É, 12 ago 2016

Trecho da revista Isto É, 12 ago 2016

Medalhões não costumam chegar de mãos abanando. Muito menos trarão uma caneta esferográfica ou uma caixinha de bombons. Os objetos são importantes e, às vezes, de valor pra lá de elevado. A TCU apresenta a relação dos mimos recebidos pelos dois mais recentes presidentes do Brasil.

De 2003 a 2010, o Lula recebeu 568 presentes, dos quais apenas nove foram incorporados ao patrimônio público do país. Doutora Dilma foi presenteada, de 2011 a 2016, com 163 objetos, apenas seis dos quais foram declarados e transferidos ao patrimônio da União. Passando por cima da lei, os dois passaram a perna em nós todos e se apoderaram do que é nosso de direito.

Trecho da revista Isto É, 12 ago 2016

Trecho da revista Isto É, 12 ago 2016

Desconheço o valor total desses mimos. Assim mesmo, algo me diz que o conjunto dos 559 presentes que o Lula «esqueceu» de declarar e mandou embarcar nos 11 caminhões que carregaram suas tralhas quando deixou o Alvorada perigam valer mais que o triplex do Guarujá, o sítio de Atibaia e os pedalinhos de lata juntos. O MP tem de acrescentar essa «distração presidencial» ao processo.

Interligne 18h

É de lata
O trabalho do Tribunal de Contas é notável. O semanário que o publicou também merece aplauso. No entanto, ninguém é perfeito. A revista escorregou num galicismo ‒ sintaxe importada diretamente do francês sem passar pela alfândega.

Mencionou uma «bandeja em vidro» e um «elefante em ouro». Errou. Em português, para indicar a matéria de que um objeto é feito, usa-se a preposição de. Coroa de lata, doce de goiaba, urso de pelúcia, telhado de vidro. E, claro, elefante de ouro e bandeja de vidro.

A jararaca

Eliane Cantanhêde (*)

Lula caricatura 2Se o Instituto Lula recebeu R$ 20 milhões das empreiteiras da Lava a Jato e se o ex-presidente Lula ganhou R$ 10 milhões dessas mesmas empreiteiras por palestras, por que raios ele não comprou o sítio de Atibaia por R$ 1,5 milhão e reformou as áreas internas e a piscina por R$ 700 mil para desfrutar dele 111 vezes, guardar as 200 caixas do Alvorada, levar o barquinho da família e os pedalinhos dos netos?

E por que Lula não deu para Marisa Letícia o triplex do Guarujá, instalou aquele elevador chique, mobiliou a cozinha e os quartos, tudo de primeira? Dinheiro ele tinha, de sobra. Como diria o jornalista Carlos Marchi, ainda sobrariam uns bons trocados. Aliás, o que Lula fez com os R$ 10 milhões, mais o salário de oito anos de presidência, com cama, comida, roupa lavada e uísque de graça? Gastar com os filhos não foi, porque os meninos estão muito bem, obrigada.

De duas, uma: ou Lula é patologicamente pão-duro, desses que escondem o dinheiro debaixo do colchão para os amigos pagarem até o cafezinho, ou… a questão é de outra natureza: política. Apesar de milionário, ele precisava do mito do menino pobre de Garanhuns, que não tinha o que comer, perdeu um dedo nas fábricas e virou o eterno pobre dos pobres, que veio ao mundo salvar os desvalidos como ele próprio.

Lula caricatura 2aSó assim, mantendo a mítica do grande líder, do pastor de almas, do salvador da Pátria, Lula teria, mesmo acuado e ferido, poder para jogar milhares de ovelhas (ou feras) para confrontos de rua contra adversários, imprensa e o algoz Sérgio Moro, um juiz a serviço dos ricos e poderosos – ah, e do PSDB!

É assim que, aos 70 anos, Lula encarna até hoje o líder juvenil que incendiou os metalúrgicos paulistas, depois os sindicalistas de outros setores e por fim os intelectuais do País inteiro. Não pode se dar ao luxo de comprar com o próprio dinheiro um sítio, um triplex. Senão, como vai olhar a massa olho no olho, falar de igual para igual, jogar os pobres contra os ricos?

(…)

(*) Eliane Cantenhêde é jornalista. O texto é excerto de artigo publicado no Estadão de 6 mar 2016.