Tripartidarismo

José Horta Manzano

Este domingo, vota-se na França. O povo está sendo convocado para eleger os dirigentes das 13 grandes regiões (um tanto artificiais) em que o país está dividido. Estes últimos tempos, por razões de economia, Paris decidiu fusionar antigas regiões. Das dezenas que, séculos atrás, compunham o país, resta apenas uma dúzia de conjuntos heterogêneos, verdadeira colcha de retalhos.

Regiões da França

Regiões da França

Região é escalão intermediário entre município e governo central. Dado que a organização política da França é unitária e não federativa, o grau de independência da região é bastante limitado. Nenhuma delas conta com Constituição, nem assembleia, nem Justiça independente. Entram na competência regional o transporte, a assistência às empresas, o zoneamento territorial, a gestão ecológica do lixo, o aprendizado dos jovens, a formação profissional.

Tradicionalmente, o mundo político francês se divide entre direita e esquerda. As últimas décadas têm levado os dois campos a convergir a ponto de as diferenças se tornarem quase imperceptíveis. Assim mesmo, ainda é importante, na cabeça de cada um, que cada político se encaixe numa etiqueta: ou é de esquerda ou é de direita.

Assemblee nationale 1

Até os anos 1970-1980, ainda eram numerosos os cidadãos que haviam vivido os horrores da guerra. Estava viva a consciência de que regimes populistas haviam arrastado o continente à catástrofe. Até aqueles anos, idéias de extrema-direita não tinham a menor chance de prosperar.

Mas o tempo passou, os antigos se foram, novas gerações que não conheceram a guerra são os adultos de hoje. Para estes, a paz é estado natural, automático, quase obrigatório. A guerra desapareceu do rol das preocupações.

As desgraças que a extrema-esquerda causou na União Soviética e na Europa Oriental só terminaram em 1989, com a queda do Muro de Berlim. O fato é recente e todos, assustados, se lembram. Como resultado, os partidos de extrema-esquerda (comunistas) sumiram do mapa.

Já a debacle que a extrema-direita (nazistas e fascistas) acarretou é antiga, acabou faz 70 anos, todos tendem a esquecer. Como filme de terror, a história esquecida tende a se repetir. De uns anos pra cá, mais e mais cidadãos aderem ao populismo nacionalista. Em todos os países do continente.

Esquerda tradicional, direita tradicional, extrema-direita populista

Esquerda tradicional   –   Direita tradicional   –   Extrema-direita populista

Pela primeira vez na história, a França periga conhecer nova partilha política. A crer nas sondagens, o tradicional bipartidarismo já era. Viva o tripartidarismo! Direita tradicional, esquerda tradicional e uma extrema-direita populista ressuscitada dominarão a paisagem política do país nos próximos anos.

Cidadãos equilibrados torcem para que o desvario dos conterrâneos não chegue ao desatino de entregar o poder central a extremistas populistas. Como bem sabem norte-coreanos, cubanos e venezuelanos, todo extremismo é daninho.

República Federativa

José Horta Manzano

Você sabia?

Federal ― está aí um termo de uso corrente no Brasil. Pacto federal, Polícia Federal, Tribunal Federal, Câmara Federal. Alguns filhotes também estão na língua do dia a dia: federação do comércio, federação de esportes, federação estudantil. Mas de onde, diabos, vem essa palavra?

Já no sânscrito, etimólogos identificam a raiz bandh, com significação de ligar. O radical chegou ao grego antigo sob a forma feithê e, daí, passou ao latim como fides. Nessa altura já havia assumido o sentido de fé, confiança.

Com o passar dos séculos, a família foi crescendo e se multiplicando, como mandam as Escrituras. Mas o significado pouco evoluiu. Continua expressando a fé, a confiança entre pessoas ou conjuntos de pessoas. Uma federação é um grupo em que uns confiam nos outros e todos miram a um objetivo comum.

Confiar, desafiar, perfídia, confidência, fiança, fiador, fiel, fidelidade são da mesma família. Quem vende fiado, vende na confiança.

Interligne 3d

A Confederação Helvética ― nome pomposo da Suíça ― divide-se em cantões, correto? Não, caros leitores, não é bem assim. A Confederação Suíça não se divide em cantões, mas é formada por eles. Como assim, que diferença faz?

Diferentemente da idéia que temos no Brasil, segundo a qual o País se divide em unidades mais ou menos estáveis, a Confederação Suíça foi formada pela agregação paulatina de novos estados. As unidades já existiam antes de se juntarem ao grupo.

Tudo começou mais de 700 anos atrás, quando três pequenos territórios se uniram no intuito de defender-se mutuamente de predadores externos. Uma espécie de «unidos, venceremos», ideia avançada para a época. Aconteceu na Idade Média, exatamente em 1291, reza a História.

Suisse

Suíça – Confederação Helvética

A partir de então, vendo que a união podia realmente fazer a força, outros pequenos territórios foram, pouco a pouco, solicitando sua adesão à federação. Que tenha sido em razão de perseguição religiosa ou por algum outro interesse comercial ou estratégico, outras pequenas províncias foram aderindo ao agrupamento inicial.

Não aconteceu da noite para o dia. Mais de 500 anos separam o pacto entre os três cantões e os últimos a se juntarem ao grupo. Um detalhe interessante: em listagens e estatísticas suíças oficiais, os cantões não aparecem em ordem alfabética. São sistematicamente relacionados na ordem de entrada na Confederação.

Como em toda família que se preze, desavenças também ocorreram por aqui. Em alguns casos, razões de ordem religiosa ou linguística fizeram que cantões se desentendessem e acabassem se subdividindo. Mas nem por isso abandonaram a federação.

Jamais aconteceu de a autoridade central decretar a subdivisão de cantões. A iniciativa sempre partiu do nível local para ser, em última instância, referendada pelos outros membros da confederação.

A última refrega é relativamente recente. O Cantão de Berna, dono de grande território ― para os padrões suíços, naturalmente ― conta com população majoritariamente de língua alemã e com uma minoria de francofalantes. Os de fala francesa, que, ainda por cima, são católicos, diferentemente da maioria protestante, reivindicaram durante séculos sua autonomia.

A coisa foi sendo cozinhada em água morna até que ferveu no século XX. A região chegou até a conhecer espantosos atentados terroristas! Bem, não há que imaginar homens-bomba explodindo em plena multidão, nada disso. Um ou outro artefato arrebentou alguma estátua, na calada da noite, sem que ninguém fosse atingido.

Nos anos 70, Berna finalmente concordou em organizar um plebiscito nos distritos de fala francesa para permitir que a população se pronunciasse. Em 1974, a maioria dos distritos se pronunciou pela separação. Outros preferiram continuar a fazer parte do Cantão de Berna.

Por sorte, os distritos que votaram pela autonomia formavam um território contínuo. Como havia sido combinado, ganharam o direito a formar um novo cantão. Faltava ainda ver se os cidadãos da Confederação aceitavam o novo membro. O povo se pronunciou favoravelmente. Ufa! Em 1978 nasceu, assim, o último cantão suíço. Chama-se Jura.

Interligne 3b

No Brasil, fala-se frequentemente em subdividir estados. Aliás, a teoria já foi posta em prática algumas vezes no século passado. Taí uma visão enviesada da ideia de federação. Criar novos estados sem que haja uma real demanda da população contraria o figurino.

Faz ano e meio, escapamos por pouco de ver o Pará fragmentado em unidades menores. Numa república federativa que se preze, tentativas assim não fazem sentido. O anseio pela independência deve vir de baixo para cima. Não é o que acontece no Brasil.

A fé e a confiança têm de nortear decisões graves como essa. Uma federeção não é criação artificial decidida por um poder central. Pelo contrário, é um agrupamento voluntário de unidades autônomas ou semiautônomas. Tudo isso não foi feito para satisfazer a interesses particulares deste ou daquele clã.

Há uma alternativa: é rasgar a Constituição atual, votar uma nova, eliminar a palavra federativa do nome da República e anular a autonomia dos Estados. Teremos então, como a França e tantos outros países, uma república unitária, na qual o poder emana unicamente da autoridade central. Aí, sim, estaremos entendidos.

Não é proibido, evidentemente. Mas não acredito que seja o anseio maior dos brasileiros.