O ministro da Ciência e Herodes

Cláudio Tognolli (*)

Interligne vertical 11a“Como você vai fazer um barco navegar contra o vento e contra a corrente, só acendendo uma fogueira embaixo do tombadilho?”, perguntava-se, publicamente, em 1803, Napoleão Bonaparte, sobre o barco a vapor do engenheiro americano Robert Fulton.

“Colocar um homem em um foguete e projetá-lo até o campo gravitacional da Lua – talvez pisar lá – e voltar à Terra: tudo isto constitui um sonho maluco digno de Júlio Verne. (…) Esse tipo de viagem feita pelo homem nunca vai acontecer, independentemente de todos os avanços no futuro”, estabeleceu o físico Lee DeForest, em 1957.

“Pessoas bem informadas sabem que é impossível transmitir a voz através de fios e que, se fosse possível fazer isto, esta coisa não teria valor prático algum” – editorial do Boston Post, em 1865, redigido por um jornalista indignado com a invenção do telefone.

O que esperar de Rebelo?
O novo ministro da Ciência, Aldo Rebelo, é comunista de carteirinha e também jornalista. Entregar a ciência a Aldo Rebelo é como entregar o berçário ao Rei Herodes. E as patacoadas disparadas contra as invenções científicas mais populares, como você leu acima, é o que devemos esperar de Rebelo. Se ele resolver abrir a boca, é claro.

Não vai aqui nenhum ataque pessoal, ad hominem, contra Rebelo. Filiado ao PC do B desde 1977, seria de estranhar se ele não fosse comunista profissional. O que é comunista profissional?

É aquele para quem só existe o que podemos tocar com as mãos. (Para eles, assim sendo, Gisele Bündchen não existe…) Afinal, “a prova da existência do pudim está em comê-lo”, notava Engels, coautor do Manifesto do Partido Comunista.

Luta entre o Carnaval e a Quaresma by Pieter Bruegel (≈1525-1569), artista flamengo

Luta entre o Carnaval e a Quaresma
by Pieter Bruegel (≈1525-1569), artista flamengo

Valores medievais
Aldo Rebelo pode ser entendido também por outra explicação comunista. O pensador marxista alemão Ernst Bloch (1885-1977) gostava de apontar o que chamava de “contemporaneidade do anacrônico” (em alemão, Gleichzeitigkeit der Ungleichzeitigkeit).

Ou seja: você vive no século 21, mas pode estar dividindo o seu espaço, lado a lado, com quem ainda mantém valores medievais. Ou simplesmente com quem acha que a ida do homem à Lua não passa de montagem de vídeo.

Aldo Rebelo é tudo isso aí. Costuma dizer que não há aquecimento global porque ele é “improvável”.

Vamos a casos recentes:

Interligne vertical 16 3Kb– Rebelo é pai daquela loucura de que estrangeirismos tinham de ser limitados no Brasil. Aprovado por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania em 2007, o projeto ainda aguarda votação em plenário. Se ele vingar, o aplicativo Whats Up terá de se chamar “E aí?”; o mouse do computador, “rato”; I-Pad, “Eu bloco”.

– Em 2002, Aldo propôs a proibição de “inovação tecnológica poupadora de mão de obra”. Seriam proibidas as fotos digitais e as xeroxes.

– Em 2000, Aldo tentou proibir a utilização de sistema de catraca eletrônica em veículos de transporte coletivo de passageiros.

– Em 2001, defendeu a adição obrigatória de 10% de raspa de mandioca na farinha de trigo destinada à fabricação do pão francês, o famoso pãozinho de 50 gramas. A ideia era “melhorar os nutrientes do pão e fomentar a cadeia de produção da mandioca”. Aprovado no Congresso, o projeto foi vetado. Por quem? Por Lula.

– Em 2003, tentou transformar o Halloween (Dia das Bruxas), celebrado em 31 de outubro nos Estados Unidos, no Dia Nacional do saci-pererê.

É esse o nosso homem na ciência. E ponto final.

(*) Claudio Tognolli é escritor, jornalista e músico. O artigo foi publicado pela Tribuna da Internet, 1° jan 2015..

Mundo, mundo, vasto mundo

José Horta Manzano

Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso. É o que se costumava dizer para sublinhar traços que diferenciam os povos.

A globalização está aí. Hoje em dia, o mundo parece cada vez menor. Pode-se comprar camembert legítimo no Brasil. Qualquer bom supermercado europeu vende farinha de mandioca, maracujá e cachaça. Há restaurante especializado em sushi até na Bósnia. Na Mongólia ou em Uganda, basta dispor de uma parabólica ― uma «paranoica», como dizia o outro ― para captar Telesur, a televisão bolivariana. ¡Que felicidad, hermanos!

Mas essas mudanças, no fundo, são de fachada. Raspando a superfície, descobre-se que a casca é fininha. Abaixo dela, o miolo é bem mais resistente e detesta mudanças.

Nos costumes políticos, por exemplo. Em tempos idos, o Partido dos Trabalhadores chegou a expulsar afiliados que ousaram mostrar algum sinal de insubmissão a ditames superiores. Hoje, isso não impressiona mais ninguém, muito pelo contrário.

Não é raro ver deputados e outros eleitos bandearem-se do partido A ao partido B, que os acolhe braços abertos. Ficha limpa? Ficha suja? Processo nas costas? Condenação judicial? Pouco importa ― quem liga mais para essas picuinhas? Nestes tempos estranhos em que antigos «virtuosos» tomam a benção de Maluf, os valores andam um bocado turvos. O fato é que está cada dia mais difícil ser expulso de um partido no Brasil.

Torre Eiffel

Torre Eiffel

Já na França, outra roca, outro fuso. Por lá, ainda vale o velho adágio: bobeou, dançou. O site da televisão pública francesa dá hoje seis conselhos aos políticos que quiserem evitar ser expulsos de seu partido. Comparando a visão que se tem da política na França com a que se tem no Brasil, parece que estamos falando de um outro planeta.

Os conselhos são:

Interligne vertical 71) Não fazer a saudação nazista ― aquela com o braço direito estendido à frente do corpo.

2) Não minimizar os crimes da Segunda Guerra.

3) Não atacar as etnias minoritárias na França.

4) Não apoiar o partido Frente Nacional (extrema-direita).

5) Não se candidatar quando o partido tiver escolhido outro nome em sua circunscrição.
Nota: Os deputados franceses são eleitos por voto distrital puro.

6) Não fraudar a receita.

Cada conselho faz alusão a alguma expulsão ocorrida em tempos recentes. Mundo, mundo, vasto mundo.

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