Myrthes Suplicy Vieira (*)
Não tenho acompanhado de perto os lances da atual campanha eleitoral. Envolvida que estou com assuntos mais prosaicos, como minha própria sobrevivência financeira e a evolução pós-cirúrgica de minha cachorra, não consigo esconder de mim mesma o tédio e o desalento que me invadem quando me deparo com as mesmas velhas promessas requentadas, apresentadas como iscas de credibilidade para seduzir o eleitorado.

Navegando pela internet e pelas redes sociais, volto, no entanto, a entrar em contato com um fenômeno que me embasbaca há décadas: a disseminada dependência psicológica de uma liderança política que mostre ser capaz de construir – sozinha e por puro voluntarismo ‒ o futuro que almejamos para o país. Esse não é um fenômeno exclusivamente atrelado à política, é claro. No entanto, o efeito deletério causado pelo contínuo surgimento de pretensos salvadores da pátria assombra mais nessa área.
Hoje quero falar mais genericamente sobre a dinâmica psicológica de quem é chamado a escolher um guia. Gostemos ou não, em diversos momentos de nossa vida sentimos a necessidade de nos apoiar em alguém que caminhe à nossa frente, abrindo novos caminhos ou nos indicando a trilha mais sensata a percorrer em qualquer excursão que pretendamos fazer. É isso que esperamos de um pai, de um parceiro, de um professor, de um conselheiro espiritual ou de um consultor especializado na área em que pretendemos nos aventurar.

Até aí, tudo bem. Faz sentido, se o que estamos buscando é aprender novas habilidades, desenvolver novas competências, identificar novas formas de relacionamento. Posso até concordar que a dependência de um modelo externo de conduta seja decorrência do longo processo de amadurecimento dos mamíferos. O que não posso aceitar é que a dependência psicológica que se prolonga para a adolescência e vida adulta seja teorizada como instintiva ou “natural” da espécie humana. Contar com o apoio de alguém mais experiente é, sem dúvida, fonte de profundo alívio. O problema, a meu ver, está em aprender a discernir em que ponto de nossa jornada de aprendizagem o alívio se transforma em estagnação.
Talvez seja pura ingenuidade de minha parte, limitação intelectual ou simples ignorância ideológica, mas nada me tira da cabeça que a necessidade de esperar que alguém que nos pegue pela mão para nos conduzir a nosso destino pode ter como importantes efeitos colaterais a falta de iniciativa, a acomodação mesmo a contragosto aos desígnios de terceiros e a paralisia intelectual ou emocional que impede de explorar soluções próprias.

Se já me é difícil entender a necessidade de liderança por si só, mais complicado será compreender por que ansiamos tanto nos dias de hoje pelo retorno da autocracia. Esse, infelizmente, não é um fenômeno apenas local. No mundo todo, há demonstrações inequívocas de que a tolerância às novas formas de despotismo vem crescendo de forma assustadora.
Em tempos de empoderamento das minorias, esse fenômeno torna-se ainda mais intrigante. Diversos teóricos da filosofia, sociologia e psicologia já levantaram hipóteses a respeito do que leva as pessoas a aceitar abrir mão do direito à autoexpressão e autodeterminação, trocando-os pela sujeição a uma mentalidade externa. Insegurança causada pelo excesso de escolhas, a volatilização e relativização de princípios e valores morais decorrentes da globalização, medo da liberdade, falta de sintonia com elementos culturais locais – muitas são as explicações possíveis, mas nenhuma com poder de impedir o recrudescimento da vontade de esmagar toda forma de dissidência.

Há pouco tempo li uma reportagem sobre os fatores que estão na base do populismo. Para chegarem ao poder ou nele se sustentarem, os líderes populistas usam e abusam da estratégia de gerar medo na população, caso seus antagonistas sejam os escolhidos. Acredito que nenhum brasileiro que tenha acompanhado as duas últimas eleições presidenciais se esqueceu dos inúmeros exemplos desse tipo de propaganda, tanto a ameaça de que “vai tirar a comida da mesa do pobre” quanto a de “vai privatizar tudo”.
Por que, continuo me perguntando dia e noite, cheia de angústia, preciso que um governante me diga que tipo de educação devo ter, que livros devo ou não ler, com que ideologias políticas posso me envolver, que tipo de família devo construir, com quais parceiros afetivos e sexuais posso me relacionar, com que amigos posso ou não me identificar, por quais princípios religiosos devo orientar minhas decisões dentro de um estado laico, que profissão devo adotar, que formas de entretenimento são mais ou menos aceitáveis ou até por quais critérios posso enquadrar uma obra como arte? Como posso prosseguir na minha luta por mais autonomia se necessito que alguém do lado de fora defina em meu nome o que é moral e o que é civismo?

Passei boa parte de minha vida fazendo pesquisas políticas, na tentativa de compreender as motivações que estão por trás da escolha deste ou daquele candidato ou dos critérios levantados para traçar o perfil de governante ideal. Entrevistei centenas de eleitores para conhecer que mensagens eles retiram das propagandas políticas ou do horário eleitoral gratuito. A única conclusão segura a que cheguei foi a de que todos querem aquilo que sentem não ter no momento.
Há poucas semanas, escrevi sobre a mudança ineficaz. Para quem não leu, relembro: quando o desejo de mudar aparece, o primeiro impulso é fazer o contrário do que se vinha fazendo até então. Se não der certo, aumenta-se a dose. Se, por exemplo, você está com frio, veste uma malha ou agasalha-se com um cobertor. Só que há um limite para a incorporação de mais calor externo. Em um dado momento, você acaba fazendo um strip-tease e, inadvertidamente, volta ao ponto de partida. Em outras palavras, se a alternativa escolhida para a mudança pertence ao mesmo grupo do problema, um estímulo acaba anulando o outro.

Sabemos todos o que não queremos para o próximo presidente e para o próximo Congresso. Somos capazes de fazer um diagnóstico preciso do que vem nos infelicitando como nação. Só falta agora colocar mãos à obra para nos apropriarmos do destino deste país, perceber de uma vez por todas que é nossa responsabilidade como cidadãos monitorar todos os desdobramentos sociais e políticos, independentemente de quem sejam os vencedores desta e de futuras eleições.
(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.
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