Os sucessores

José Horta Manzano

Essa foto sorridente foi tirada estes dias. Embora nenhum dos onze personagens apareça envolto na bandeira nacional, o fato de carregarem uma foto do antigo presidente – de faixa presidencial e tudo – deixa supor que sejam bolsonaristas. De alto coturno, sem dúvida, mas bolsonaristas.

Se não, vejamos. A ausência de diversidade do grupo é típica dos seguidores do capitão. É o retrato de um Brasil uniforme, que só existe nos sonhos deles, bem longe do Brasil real. Na foto, são onze homens e nenhuma mulher. São todos brancos sem mistura. Tirando um ou outro, estão todos na força da idade – nem muito jovens, nem muito velhos.

Estão todos bem alimentados, sem exagero. O infalível personagem que simboliza o atirador anabolizado, primitivo e supertatuado também aparece. O onipresente filho n° 03 também está lá. Dos onze participantes, cinco ostentam pelos faciais, que lhes acentuam a imagem de virilidade. O personagem anabolizado é justamente o mais barbudo, sabe-se lá por que motivo. Por alguma razão pessoal, os demais dispensam essa marca de masculinidade.

É curioso que a confraria tenha julgado necessário exibir uma foto do ex-presidente fugido. Mostrar retrato de pessoa viva é raro. É mais comum ver grupos ostentando a foto de um ente querido que já não está mais neste mundo. Quando eu era jovem, por exemplo, me lembro que nossas fotos de família eram tiradas contra uma parede onde estava pendurado um retrato do avô falecido décadas antes.

A inserção da foto do capitão é enigmática. Não ficou clara a mensagem que o grupo quis passar. Tudo depende da disposição de espírito dos confrades. Há diversas possibilidades.

Disposição de espírito branca
“Somos apóstolos do capitão e ele continua sendo nosso guia. Aqui está a prova.”

Disposição de espírito amarela
“Nosso mestre está no momento fora do ar, mas ele volta logo. Ele é este aqui, ó!”

Disposição de espírito laranja
“Bolsonaro iniciou a ascensão da extrema direita. Agora, com ele ou sem ele, vamos seguir em frente.”

Disposição de espírito vermelha
“OK, ele está politicamente morto e talvez não volte nunca mais. Mas não estamos tristes, não, pelo contrário. Repare no nosso sorriso!”

O tempo dos que passaram

José Horta Manzano

À imagem das demais línguas latinas, a nossa conta com sistema verbal particularmente complexo. Para exprimir nuances de tempo, de condição, de continuidade, dispomos de formais verbais que se bastam. Diferentemente do que ocorre em outras línguas, nossos verbos não dependem de advérbios ou de complementos para explicitar o sentido exato do que se quer dizer. Desde que se use corretamente modo e tempo, o recado será dado.

Para nos referir aos vivos, usamos o presente: «Fulano é tão bom, gosta dum bom papo, faz pasteis como ninguém». Quando uma pessoa fecha os olhos definitivamente, passamos a falar dela no imperfeito. É imediato. «Fulano era tão bom, gostava dum bom papo, fazia pasteis como ninguém.»

Entre os mortos e os vivos, insere-se uma terceira categoria. Engloba aqueles que, embora ainda se lhes bata o coração, já se encontram distantes do meio em que costumavam circular. São os que já deixaram de existir socialmente, profissionalmente ou politicamente. Quando nos referimos a personagens dessa categoria, não pomos o verbo no presente nem no imperfeito: usamos o perfeito (ou pretérito perfeito, se preferirem).

Inconscientemente, tratamos de sublinhar que o personagem, embora vivo, deixou definitivamente de ser o que era. Reprovados ou condenados por atos nocivos à sociedade, certos personagens entram para essa categoria. Um exemplo recente é um certo senhor Weinstein, grande nome da indústria cinematográfica até pouco tempo atrás. Derrubado por escândalo sexual, o homem passou direto ao pretérito perfeito. Já não dizemos que ele «era», mas que «foi» isto ou aquilo. A queda é irreversível, tornando toda veleidade de volta impossível.

Confirmada a condenação do senhor Lula da Silva, por motivo de corrupção, nosso guia resvalou para a categoria dos que, embora ainda respirem, já estão politicamente falecidos. Por mais que insista em se debater, o peculiar personagem já é carta fora do baralho. Tentará, é certeza, manter-se no noticiário, que o recato não faz parte de seus atributos. Mas será providência inútil. Conseguirá postergar o desfecho do drama e prolongar a agonia, nada mais.

O demiurgo que hipnotizou boa parte dos brasileiros já era. Ou melhor, já foi.