José Horta Manzano
Por inesperado, o destravamento do acordo entre o Mercosul e a União Europeia surpreendeu. Com altos e baixos, estava em banho-maria havia 20 anos. Até uma semana antes da cúpula do G20, não se imaginava que seria assinado tão já. Até mesmo na véspera da assinatura, ainda se punha o verbo no condicional.
Frise-se que o documento sacramenta apenas um acordo de princípio, que poderá (ou não) entrar em vigor um dia. Na hipótese optimista, passará a valer daqui a alguns meses; na pessimista, será daqui a muitos anos. É que tem de ser ratificado individualmente pelo parlamento dos 28 membros da UE e dos 4 integrantes do Mercosul. São 32 congressos nacionais (31, caso o Reino Unido deixe a UE). Não é brincadeira.
Já no dia seguinte ao da assinatura, mais de 300 ONGs ligadas à preservação da natureza se alevantaram, indignadas. Valendo-se da forte ação lobística de que são capazes, têm intenção de pressionar os governos europeus para que suspendam a ratificação enquanto o Brasil não der provas de ter tomado medidas concretas para impedir o avanço da destruição da floresta úmida. Alô, madeireiras!
Na França, sindicatos e associações de classe que representam os interesses dos agricultores estão de cabelo em pé e armas na mão. Enxergam a produção agrícola brasileira como ameaça. Temem que o mercado deles, antes cativo, seja inundado com produtos brasileiros, o que geraria crise na produção, com perda de renda e de empregos. Também eles sabem fazer pressão sobre os parlamentares. Alô, exportadores agrícolas!
Mas o que é que terá precipitado a conclusão de um acordo guardado na geladeira por tantos anos? Por que justamente agora, sob os holofotes da cúpula do G20, vitrina midiática de importância capital para os figurões que participam? É bem possível que o súbito desenlace tenha ocorrido por razões que pouco têm a ver com floresta tropical, defensivos agrícolas ou concorrência desleal. A razão pode ser bem mais banal.
Monsieur Macron, fragilizado pela crise dos Coletes Amarelos, precisa mostrar serviço. A finalização do acordo durante a vitrine do G20 há de ter-lhe parecido excelente ocasião. Decidiu embarcar nesse trem mesmo tendo de se expor à fúria de ecologistas e agricultores. Feitas as contas, deve ter concluído que os ganhos superam as perdas.
Frau Merkel está em fim de carreira. Já anunciou que não será candidata à reeleição. Viu no acordo um valioso item a acrescentar ao currículo. É permitido especular que tenha combinado antes com Monsieur Macron; afinal, França e Alemanha, juntas, são o motor da Europa.
Monsieur Jean-Claude Juncker é o presidente da Comissão Europeia, com mandato terminando estes dias. Pelas mesmas razões que Frau Merkel, tinha todo interesse em ver o sucesso das tratativas. Será lembrado como aquele que assinou o acordo mais importante da história da União Europeia. Ninguém resiste à força desses três personagens.
Resta falar de señor Macri e de doutor Bolsonaro, que colhem frutos que não plantaram. O presidente do país hermano, que está em campanha de reeleição, anda mal das pernas, castigado por pesquisas desfavoráveis. Para ele, a assinatura do acordo cai como luva. É trunfo não desprezível na corrida eleitoral.
Como seu colega argentino, doutor Bolsonaro está em queda de popularidade junto ao povo, em conflito com o Congresso, embrenhado no cipoal que lhe tecem os filhos. Por essas e outras, deve ter soltado um sorriso de orelha a orelha, tamanha a satisfação de ter podido assinar o acordo. Não resolve todos os problemas, mas dá-lhe oxigênio e uma trégua bem-vinda.
Eis como a convergência de interesses pessoais, alheios ao que estava sendo discutido, teve o condão de agilizar a conclusão de um acordo no qual, de tão emperrado, ninguém mais botava fé.