Quem tem telhado de vidro – 2

José Horta Manzano

O inclassificável Abraham Weintraub foi-se. Homem de pouca leitura, também tinha cara de poucos amigos. Não é de espantar que tenha colecionado inimigos. Entre eles, surpreendentemente, a colônia judaica. Uma façanha!

Foi ministro durante ano e pouco, tempo insuficiente pra fazer estrago maior na Instrução Pública. Imagino que os danos sejam reversíveis, se bem que, à boca pequena, corre a informação de que o sucessor será alguém ‘terrivelmente ideológico’. Isso quer dizer que, tirando aquele inimitável ar aparvalhado de Weintraub, a troca será de seis por meia dúzia. Pobre Brasil…

Correio Braziliense: capa da edição impressa de 19 jun° 2020

Como toda a imprensa, sem exceção, o Correio Braziliense também deu a notícia em primeira página. O redator quis fazer troça com o “imprecionante”, aquele pontapé que o (agora ex-) ministro tinha dado na língua algum tempo atrás. Até aí, nada de mais, que a falta de familiaridade do moço com a língua não era segredo pra ninguém. No entanto, quem atira pedra ao telhado do vizinho deve assegurar-se de não estar coberto por telhas de vidro.

O jornal descuidou-se. Duas linhas abaixo do “imprecionante”, tascou, por conta própria, um “distencionar”. Ai, ai, ai. O verbo deriva de tenso, que se grafa com s. Portanto, toda a família acompanha. Tensão, distensão, extensão, ostensão, tensionar e, naturalmente, distensionar. Paft! – o telhado estilhaçou.

Melhor faria se tivesse usado distender, que é sinônimo e tem a vantagem de ser desprovido de armadilhas.

Cloroquina – 3

José Horta Manzano

Acaba de sair a notícia. The Lancet, uma das três revistas médicas mais respeitadas do mundo, publicou hoje o resultado de pesquisa sobre ganhos & perdas ligados ao uso da cloroquina em pacientes atingidos pela covid-19.

O estudo, levado a cabo entre dezembro 2019 e abril 2020 em 671 hospitais ao redor do globo, esmiuçou o prontuário de 96 mil doentes internados. Chegou à conclusão de que o uso desse remédio não trouxe nenhum benefício, enquanto os malefícios foram notáveis. Mesmo nos casos em que foi associada a antibióticos, a cloroquina aumentou em 45% os casos de morte por arritmia cardíaca ventricular. Com ou sem tratamento coadjuvante, a esperança de vida dos doentes encurtou.

É imprecionante como esse pessoal age. Vejam só: 96 mil doentes e 671 hospitais unidos em perfeita cumplicidade – e ao redor do mundo! – de propósito só para contradizer as orientações de doutor Bolsonaro. É imprecionante a desonestidade intelectual desse pessoal. Fazer isso logo com nosso presidente, sempre tão ponderado, refletido e preocupado em acertar. É injusto! É um complô comunista! Assim não dá.

Risco sexual

José Horta Manzano

“Plano Nacional de Prevenção ao Risco Sexual Precoce”. O nome é pomposo, digno de ser definido como *imprecionante por nosso peculiar ministro da Educação. Mas não é obra dele, não. Sai direto da escrivaninha de uma colega: dona Damares – figura não menos peculiar.

Um exame um pouco mais atento revela um lapso. A valer o título, depreende-se que, para a ministra, tudo o que tiver a ver com sexo representa um risco a merecer prevenção. Quanto mais cedo a garotada espinhuda der vazão aos instintos que brotam naturalmente nessa altura da vida, tanto maior será o risco. Conclui-se que, sempre segundo a filosofia ministerial, o risco não está na ignorância do que virá a seguir, mas na precocidade com que a fatalidade vier.

Como costumam dizer os ingleses de modo ultrapolido, não tenho certeza de estar de acordo com o pensamento da ministra. Não acredito que o perigo resida na precocidade da sexualidade, mas na ignorância dos transtornos que ela pode ocasionar a pessoas menos informadas. Não cabe ao ministério coibir práticas sexuais de jovens brasileiros, mas instruí-los sobre os comos, os porquês, as causas e as consequências de seus gestos.

Por mais que as convicções íntimas da ministra sejam legítimas e respeitáveis, elas não devem ultrapassar a esfera privada da cidadã Damares. Sua Excelência não foi guindada ao ministério para impor sua convicções morais à juventude do país. Vivemos numa República laica, de total liberdade de crença e culto. Não cabe a ministro nenhum, por mais importante ou bem-intencionado que seja, «orientar» a sexualidade juvenil. Woodstock, meio século atrás, já se encarregou de dividir as águas entre o antes e o depois.

O Brasil e seus habitantes podem muito. Podem até ouvir certos discursos que vêm do Planalto, às vezes desconectados da realidade. O que o Brasil não pode é aceitar bovinamente que lhe seja imposto um “Plano Nacional de Prevenção ao Risco Sexual Precoce”. A sexualidade não é um risco em si. Pode até oferecer risco a incautos, caso sejam mantidos na ignorância.

Reformulado, depurado e despojado dos preconceitos de Sua Excelência, o nome deverá ser: “Plano Nacional de Prevenção do Risco de Gravidez Precoce”. A gravidez juvenil e as doenças sexualmente transmissíveis é que representam risco. O sexo, não.

Observação
Em qualquer dos casos, será «prevenção do risco», nunca «prevenção ao risco».