Assédio: adequação vocabular

José Horta Manzano

Desde que o movimento #MeToo ganhou o noticiário mundial, a noção de assédio tem estado presente em todas as conversas. A palavra assumiu conotação predominantemente sexual. Quem diz assédio, subentende assédio sexual.

O verbo assediar é antigo, mas seu uso nessa acepção é relativamente recente. Sua presença crescente no vocabulário do dia a dia é sintoma da evolução da sociedade. Atitudes e gestos que, poucas décadas atrás, passavam ignorados deixaram de ser aceitos. É passo importante em direção a um patamar mais civilizado.

Faz uns dias, um deputado estadual paulista teve a péssima ideia de apalpar o seio de uma colega sem seu consentimento – em público, ao sol do meio-dia e sob o olho das câmeras. Talvez o paspalhão imaginasse que tudo ia ficar por isso mesmo. Não ficou. O país inteiro se inteirou da traquinagem primitiva de Sua Excelência que, agora, corre risco de ver seu mandato encurtado.

Ao comentar o fato, todos os órgãos da mídia falaram (ainda falam) em assédio. Apesar da unanimidade, a mim não parece a melhor palavra pra definir o caso. Vamos ver por quê.

O verbo assediar, presente em todas as línguas latinas, descende do verbo latino sedere (=sentar, parar, postar-se, estar parado). Portanto, assediar contém a ideia de ação contínua, de demora, de repetição, de insistência.

Na acepção original, assédio é termo de guerra. Na Idade Média, quando ainda não havia canhões nem aviões, o único jeito de conquistar uma cidade fortificada era assediá-la, isto é, cercá-la com tropas de modo a não deixar ninguém entrar nem sair. E esperar até que os habitantes não aguentassem mais de fome e se rendessem. Podia levar meses ou até anos, mas um dia a cidade caía.

Assim, para que se possa falar em assédio (sexual, moral ou escolar), é preciso estar presente o fator repetição insistente. No caso da deputada paulista, a não ser que o apalermado indivíduo seja um habitué nas artes de apalpá-la, não se deve falar em assédio. Melhor será utilizar: importunar, incomodar, molestar.

Aquela (ou aquele) que passa dias, semanas ou meses sendo atormentado sexual ou moralmente, esse sim, poderá dizer que foi assediado.

De criança que vive atormentada por coleguinhas, costuma dizer-se que sofre bullying. A importada é chique, mas difícil de escrever e de pronunciar; além disso, a importação é desnecessária por haver similar nacional. Assédio é assédio, seja no trabalho, em casa ou na escola. Assédio escolar diz exatamente o que quer dizer.

Para quem quiser ousar caminhos novos, há outra opção. Acosso ou acosso escolar é expressão rara mas autoexplicativa. Aliás, é a palavra que os espanhóis utilizam pra dizer assédio: acoso.