Pra estrangeiro ver

José Horta Manzano

Quem está no estrangeiro sabe a importância que o passaporte tem. Com maior razão, aqueles que vivem fora do país, como este blogueiro, conhecem o valor dessa cadernetinha agora azul (era verde). É o único documento brasileiro reconhecido em qualquer parte do planeta.

Para o expatriado, pouco interessa se a validade da carteira de motorista será prolongada. Ou se o número do documento de identidade ganhou um dígito no final. O que interessa, de verdade, é estar com o passaporte em dia. Esse é que conta.

Modelo antigo

Em artigo que escrevi sete anos atrás para o Correio Braziliense, registrei minha reclamação contra o layout da capa do novo documento. Acabava de renovar meu passaporte. Contei o susto que tinha levado ao descobrir que a palavra Mercosul aparecia na capa, antes do nome do país e em letras maiores. Reclamei do fato de me sentir brasileiro, não mercossulino. E pedi meu país de volta. Argumentei que o acordo entre vizinhos do Cone Sul era meramente alfandegário, não político.

Portanto, não fazia sentido estender a validade do bloco ao campo político. Não sei se, pelos lados do Itamaraty, alguém de bom senso escutou meu lamento. Fato é que, algum tempo depois, o layout mudou. As letras do nome ‘BRASIL’ cresceram. Apareceram até algumas estrelinhas. Mas… a menção ao bendito bloco econômico continua lá.

Modelo novo

Nos tempos do lulopetismo, com a ilusão de integração do Brasil com a vizinhança bolivariana, não valia a pena pedir que mudassem. A chance de ser atendido era nula. Agora, porém, que doutora Dilma se foi, que a Venezuela derreteu e que uma Argentina de chapéu na mão se prepara a atirar-se em braços kirchnerianos, talvez seja chegada a hora.

Repito, então, aos doutores que têm a caneta na mão. Mercosul (que, para se conformar com nossa ortografia, deveria estar escrito Mersossul, com dois esses) é agrupamento com fins comerciais. Em outra praia está a União Europeia que, como verdadeira união política, é mencionada no passaporte de todos os Estados-membros.

Não é nosso caso. Portanto, está passando da hora de modificar a capa de nosso passaporte. Que se elimine Mercosul. Não reclamarei se aproveitarem a ocasião pra tirar também ‘república’ e ‘federativa’. O nome do país é Brasil, como é conhecido no mundo todo. Passaporte é pra ser visto no estrangeiro, detalhe que, curiosamente, parece não vir à mente dos que concebem a capa do documento brasileiro.

Fui cassado

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 6 outubro 2012

Nos últimos 120 anos, o Brasil conheceu diversas ameaças à ordem política vigente. Algumas vingaram, outras não. Talvez a que mais nos tenha marcado, pelo menos é o que registra a historiografia oficial, foi a que despediu o regime imperial, embarcou a família reinante num vapor e instituiu novo regime. Falo, naturalmente, do que aconteceu em 1889, um golpe descrito inicialmente como ‘provisório’, mas que, salvo alguns parênteses, perdura até nossos dias.

Algumas ameaças à ordem foram chamadas revoluções, como a de 1924, a de 1930, a de 1932. Houve contendas de fundo messiânico, como a que rebentou no sertão baiano em fins do século XIX, aquela que, de tão impactante, passou à história com o vultoso título de Guerra de Canudos. Outras revoltas houve, como a Guerrilha do Araguaia, nos tempos de Juscelino. Golpes de palácio se passaram em relativa surdina, como o de 1945, que depôs Getúlio, e o de 1955, urdido para garantir a posse do novo presidente.

Houve ainda movimentos diversos e outros sustos como em 1922, quando se rebelaram oficiais do Forte de Copacabana. Uma dessas tentativas teve direito a nome sui generis: a Intentona de 1935. O século XX conheceu ainda uma reviravolta na ordem política em 1964, aquela que começou como alegre revolução e acabou se transformando em golpe duradouro e bem menos divertido que quando começou.

Poucas dessas cambalhotas ousaram alterar o nome do País. Por coerência, o golpe que passou à posteridade como Proclamação da República não teve outra opção: não ficava bem, instaurado o novo regime, continuar chamando o País de império. Ainda por cima, os teóricos republicanos tinham mergulhado de cabeça no positivismo de Auguste Comte. O nome da nação passou a ser Estados Unidos do Brasil. A lógica não deixava alternativa. Essa adaptação nos deixava em sintonia com vários outros Estados do continente.

Pelo fim dos anos 60, sabe-se lá por que recôndita razão, veio nova alteração. De Estados Unidos, passamos a República Federativa. Eu me senti cassado. Aliás, sinto-me até hoje. Minha cédula de identidade ― a original, que guardo com muito carinho e orgulho ― estampa, em letras brancas sobre fundo verde, Estados Unidos do Brasil. Não tendo sido consultado sobre a mudança, senti-me frustrado. Mas não há que reclamar: eram tempos de exceção e os que mandavam não costumavam consultar. Concertavam-se e impunham. Manifestações públicas de desacordo não eram particularmente bem-vindas.

E o barco seguiu. Um dia, uma louvável iniciativa instituiu o Mercosul. Apesar do nome insólito, a ideia de instaurar uma zona de livre comércio ― união aduaneira, como dizem pomposamente ― parecia boa, uma promessa de dias melhores. O bloco, como é chamado, procurava enfiar seus pés nas pegadas deixadas pela Comunidade Europeia. O caminho tinha tudo para dar certo.

by Fernando de Castro Lopes, desenhista carioca

by Fernando de Castro Lopes, desenhista carioca

Hoje, passados mais de 20 anos, políticos são obrigados a reconhecer, à boca pequena, o que economistas bradam há tempos: não está dando certo. Não como tinha sido previsto, pelo menos. Populismo, vaidades pessoais, personalidades sulfurosas têm desvirtuado os objetivos e entravado o andamento. É possível que um dia, num futuro ainda distante, a coligação encontre seu caminho. Encontrará, com toda certeza, mas tudo indica que não é para amanhã.

Outro dia tive de renovar meu passaporte. O atendimento, em consulado fora do País, foi impressionante: hora marcada, funcionários gentis, balinhas de brinde, um por favor aqui, um desculpe ali. Fabuloso. A surpresa e o susto vieram depois. A surpresa foi por causa da nova cor. Desde o tempo em que ‘côr’ ainda levava acento, nosso passaporte sempre teve capa verde. Pois agora é azul. Por que não?, pensei. Afinal, é uma das cores de nossa bandeira. O susto veio em seguida.

Encimando a capa do precioso documento, estava lá, com todas as letras: MERCOSUL. O nome do Brasil só aparecia mais abaixo, como se de secundária importância fosse. Senti-me de novo cassado. E, desta vez, não foi em consequência de nenhum golpe, de nenhuma revolução, nem mesmo de uma guerra. Foi por mera decisão burocrática.

De forma brutal, dei-me conta de que somos todos agora cidadãos não mais de um país, mas de uma União Aduaneira. Os luminares que tomaram essa extravagante decisão não se preocuparam em consultar seus concidadãos. O roubo de dinheiro público, tão em moda atualmente, é picuinha se comparado ao roubo da nacionalidade de 200 milhões de brasileiros.

Mercossulino? Jamais! Quero meu País de volta!