Pega pra cassar

José Horta Manzano

Discussão 1Já discorri, no artigo Voando baixo, sobre o constrangedor episódio protagonizado por dois eleitos do povo, um deputado e uma deputada, integrantes da Câmara Federal.

Os dois têm o que se costuma dizer ‘gênio forte’, próprio daqueles que não costumam levar desaforo pra casa. Ela provocou. Ele devolveu. Foi uma baixaria. Espetáculo deprimente.

Numa roda de amigos, numa conversa de boteco, na sala de visitas de sua própria casa, cada um tem o direito de se exceder, de dizer palavrão, de se exprimir como lhe apraz. As consequências – se houver – ficarão restritas ao círculo íntimo. Quando se é figura pública, o feitio tem de ser diferente.

A partir do momento em que a dama e o cavalheiro se candidataram e foram eleitos, seus menores fatos e gestos passaram a extravasar do âmbito pessoal para adentrar o domínio público. A dama e o cavalheiro não estão no Congresso – em princípio – defendendo seu mesquinho interesse pessoal. Funcionam ali como representantes do naco da população que os elegeu. Aureolados pela glória, nem sempre se dão conta. Mas assim é.

Deputado não é diarista nem recebe por hora. Está investido de sua função 24 horas por dia, esteja em plenário ou não. Se o distinto leitor e eu podemos cometer pequenas faltas, que ninguém é de ferro, a coisa se complica quando o autor do deslize é um eleito do povo.

Discussão 2Voltando ao caso de suas excelências Maria do Rosário e Jair Bolsonaro, devo dizer que o comportamento escrachado de ambos mostrou que nenhum dos dois está apto a exercer as funções para as quais foi eleito. Degradam ambos, ainda mais, a imagem que o povo tem do parlamento. Além da ladroagem, da desonestidade e da incapacidade, suas excelências adicionam outra característica ao arsenal dos parlamentares: a descompostura.

Quando um funcionário não funciona, o que é que se faz? Manda-se para o olho da rua. Que se casse o mandato dos dois! E que se aproveite agora, que o voto deixou de ser secreto. Já que o povo nem sempre mostra discernimento ao eleger seus representantes, que o Congresso se encarregue de autoexpurgar-se.

De eufemismos e distorções

José Horta Manzano

Petrobras 3Crise
Por que se fala em «crise na Petrobras» quando o que houve foi pilhagem da Petrobrás? Covenhamos, a crise não é na petroleira, atinge todo o andar de cima da ultraestratificada sociedade brasileira. Aliás, além de dona Dilma, quem garante que a pilhagem terminou?

Interligne 28aDiferenciado
Por que será que «diferenciado» substituiu diferente? Há de ser para marcar uma diferença ainda maior.
Os delinquentes que assaltaram ontem o cardeal-arcebispo do Rio pediram desculpas ao prelado. Mas cometeram o crime assim mesmo. Terão dado a Sua Eminência um tratamento… «diferenciado»? Será isso mesmo?

Interligne 28aViolência
Por que razão todos nós nos limitamos a apontar a atual «onda de violência» quando, na verdade, se trata de onda de crime?

Interligne 28aManif 9Ativismo
Por que chamamos «ativistas» os energúmenos que provocam baderna em praça pública? Arruaceiros é o que são.

Interligne 28aPerformance
Por que, diabos, usamos a expressão «performance» ― bizarro híbrido anglofrancês ― quando nosso velho desempenho dá o mesmo recado?

Interligne 28aRanking
Por que usar «ranking» em substituição à tradicional classificação? Ranking é filhote da mesma raiz ‘reg’ que desembocou em rei, regulamento, régua e regra. Ranking traz embutida a ideia de fila indiana, de ordenamento militar. Classificação tem mais classe.

Interligne 28aFacção
Os agrupamentos de facínoras que povoam prisões e ruas não merecem o sofisticado título de «facção». É nobre demais. Que se os chame por nome mais adequado: bando, quadrilha, gangue.

Interligne 28aCom certeza
Em português, assim como em numerosas outras línguas, usa-se a locução «com certeza» justamente em situações em que não se tem muita certeza. O uso tradicional costumava ser:
«Onde estará Joãozinho? Já é tarde, e ainda não chegou.»
«Ah, com certeza ficou trabalhando até mais tarde.»

O sentido da expressão tem-se invertido estes últimos tempos. Passou a designar exatamente aquilo que é certo, seguro, garantido. Por exemplo:
«Então, você vai ao comício do palhaço Itaparica?»
«Com certeza! Não perco uma fala daquele candidato.»

Interligne 28aComunidadeComunidade
Comunidade sempre foi um conceito vago, abrangente, pau para toda obra. O que se costuma definir como palavra-ônibus. Costumava ser usada como termo complementar. Uma vez que já se sabia do que se estava falando, comunidade podia substituir o substantivo principal para quebrar a monotonia. De uns tempos pra cá, comunidade assumiu valor absoluto. É usada sem maiores detalhes, tornando a comunicação imprecisa.

Se alguém lhe disser: «Lá, na minha comunidade, somos todos gente fina.», você vai entender que todos são gente boa, mas ficará sem saber que espécie de comunidade é. Melhor será refrear-se de ceder ao modismo. Vamos guardar o nome específico de cada comunidade. Favela, associação, cortiço, bairro, povoado, cadeia, seita, clube, vila, quilombo, grêmio são comunidades. Mas cada um desses nomes encerra realidade diferente. Vamos dar nome aos bois?

Filho disto, filho daquilo

José Horta Manzano

Ao vivo e em cores, dois deputados encenaram neste 5 de dez° uma briga de cortiço na Câmara Federal. Filho disto, filho daquilo foi o que se ouviu. Só não partiram para o braço porque logo interveio a turma do deixa disso.

Nos tempos atuais, os brasileiros, atordoados, já não se espantam mais com essas coisas.

Briga 1Assim mesmo, não podemos esquecer que as 513 excelências abrigadas naquela Casa representam a totalidade do povo brasileiro. Não se pode tolerar que destemperados transformem o parlamento em casa de mãe joana.

O nobre deputado que cometeu essa vilania não tem estatura moral para representar os eleitores que lhe confiaram o mandato. Ao proferir impropérios, infringiu, à vista de todos, o regulamento da Casa. Ipso facto, tem de enfrentar um processo de cassação por ofensa ao decoro a que todo parlamentar está subordinado. É uma evidência. Pedido de desculpa não apaga as palavras que os gravadores registraram. Se isso não for quebra de decoro, o que será?

Se a Câmara botar panos quentes e deixar passar em branco esse episódio gravíssimo, estará jogando mais uma pá de terra no túmulo de sua própria insignificância.

Caso algum funcionário ousasse, em meio a uma reunião de empresa, insultar publicamente um colega, não haveria escapatória: seria imediatamente demitido por justa causa. Por que na Casa do Povo havia de ser diferente?

Fofocas impróprias

José Horta Manzano

O nome antigo era mexerico. Lá pelos anos 60, a revista semanal O Cruzeiro, então a mais importante do País ― é verdade que não havia muitas ―, lançou uma secção humorística.

Já havia páginas de humor antes disso, naturalmente. Ninguém perdia o Pif-Paf, de Millor Fernandes, com seu humor característico, suas máximas e seu traço naïf. O Amigo da Onça, sempre estampado na última página, assinado pelo pernambucano Péricles Maranhão, fez tremendo sucesso durante duas décadas. Muita gente não resistia e começava a leitura da revista pela última página só para ver logo a mais recente malvadeza do pitoresco personagem.Amigo da onça

A novidade de 1963 foram as Fotofofocas baseadas em fotografias reais. Mexiam com políticos e com gente conhecida. O humor não estava nas fotos, mas nos dizeres fantasistas que os humoristas inventavam e metiam nas bolhas. Naturalmente, os diálogos não tinham nada que ver com a realidade, mas o efeito podia ser engraçadíssimo.

O neologismo fez tanto sucesso que entrou nos dicionários. O Houaiss indica que o termo fofoca foi imortalizado já a partir de meados dos anos 70.

O tempo passou, O Cruzeiro desapareceu, a tevê se popularizou. Com isso, as fotofofocas acabaram relegadas ao esquecimento que costumamos reservar a tudo aquilo que sai de moda.

Um dia, surgiu o telefone de bolso, também chamado de celular. No começo era um tijolão que dava boa impressão, dava status, dava cartaz, dava importância, mas… raramente dava linha.

Mais alguns anos se passaram, internet se popularizou e, um belo dia, alguém teve a ideia de conjugar funções múltiplas num só aparelho. A situação atual, todos vocês conhecem. Um telefonezinho minúsculo permite falar, ouvir, ver, transmitir dados, guardar zilhões de coisas na memória, tuitar, despertar dorminhocos, e mais 1001 utilidades. As redes ditas «sociais» dão a seus usuários a possibilidade de fofocar a qualquer hora do dia ou da noite.

Assim como não há ida sem volta, nenhuma ação fica sem reação. Há limite para tudo. O erro de um não pode servir de justificativa para o erro de um outro. Os novos fofoqueiros nem sempre se dão conta dessas verdades velhas, mas inexoráveis.

Reportagem do Correio Braziliense do dia 15 de fevereiro nos dá conta de que duas jovens foram demitidas logo após haverem surpreendido um rato no prédio da oficina gráfica do Senado da República, onde cumpriam seu estágio. Seu crime? Fotografaram o bicho morto e postaram em suas respectivas contas facebook. Até aí, poderiam ter sido acusadas de indiscrição, de comportamento pouco elegante, mas ninguém é obrigado a ter gostos requintados.

O problema maior é que a foto difundida para o planeta estava acompanhada de comentário desairoso em que o presidente da Casa era comparado ao roedor. Foi aí que a porca torceu o rabo.

Que não me compreendam mal: não morro de amores pelo senhor Calheiros, não o conheço nem de elevador, não pretendo arrumar uma boquinha em nenhum de seus protetorados. O ensinamento que gostaria de extrair deste episódio é outro.

Na verdade, o que me deixa boquiaberto é o fato de as jovens ― certamente por ingenuidade própria da pouca idade ― terem ousado injuriar publicamente seu próprio patrão.

Quem é, como eu, do tempo em que aluno se punha de pé assim que o professor entrava em classe, e só se sentava quando lhe davam autorização, fica abismado com o desdém que as estagiárias mostraram. Descancar o presidente da própria Casa onde se trabalha! E difundir grande piada a um número de leitores potenciais que O Cruzeiro jamais sonhou atingir!Bolha cartum 1

Uma coisa é não concordar com decisões do Senado e de seus componentes. Nesse ponto, estamos todos de acordo. E o remédio é um só: votar bem. Outra coisa é comparar seu próprio patrão a um rato. Certos comentários podem ser feitos numa roda de amigos, não numa rede social de alcance mundial. É impertinente e cai mal.

Isso já não é fofoca, é mexerico de cortiço. Berrado num megafone.

O site do Senado Federal dá a informação in extenso. Aqui.