Mais quatro aninhos

by Neil Davies, desenhista britânico

José Horta Manzano

Donald Trump vai assumir a Casa Branca a partir de janeiro próximo, isso é uma verdade que não há como mudar. O que, de bom ou de mau, tiver de acontecer durante seu mandato, acontecerá, gostemos ou não.

Contra fatos, não há argumentos. Escolhido por sólida maioria de seu povo, o magnata será presidente pelos próximos quatro anos, salvo se o céu lhe caísse sobre a cabeça, catástrofe que não aconteceu mais desde os tempos bíblicos.

Meu palpite – gratuito e sem compromisso – é que Trump 2 será menos impactante que Trump 1. Primeiro, todo o mundo já conhece a peça e espera dele o pior, portanto não há surpresa. Segundo, o bilionário não tem mais grande coisa a provar. Nasceu em berço de ouro, conseguiu multiplicar a fortuna que recebeu, tornou-se personalidade de projeção nacional devido a sua constante presença na televisão. Depois disso, contra todos os prognósticos, alcançou a Casa Branca, foi na segunda tentativa, ressuscitou e voltou surfando na crista da vontade popular. Pela segunda vez, vai se tornar o homem mais poderoso do planeta.

Que mais pode ele querer? Na idade em que está, o momento de glória máxima é este. Não vejo mais o que pode almejar. Creio que não fará como nossos desajeitados políticos que, depois de um cargo maior, se resignam a descer alguns degraus e aceitar um cargo menor. Ou alguém imagina um futuro Trump deputado?

Eu tinha lembrança de que, nos EUA, presidentes não podem exercer um terceiro mandato. Pra ter certeza, fui pesquisar e encontrei. A 22ª emenda à constituição americana, ratificada sete décadas atrás, é taxativa: ninguém poderá exercer a Presidência do país por mais de dois mandatos (consecutivos ou não).

Assim sendo, a não ser que Donald Trump decida iniciar uma carreira de ditador aos 78 anos de idade – e que obtenha o apoio necessário para tal empreendimento – daqui a quatro anos ele deixará a Presidência. É o consolo que nos resta.

Para nós, minha gente, duro mesmo foi aguentar os quatro anos do capitão. Trump, nóis tira de letra.

Observação
O glorioso ano de 1946 foi o único, até hoje, que deu aos Estados Unidos três presidentes da república: Bill Clinton, George Bush (júnior) e Donald Trump nasceram naquele mesmo ano. Este escriba também.

Atirando no escuro

José Horta Manzano

Umas profissões são arriscadas; outras, mais tranquilas. Um policial, um acróbata, um alpinista, um repórter de guerra correm perigo maior do que um contador, um agrimensor, um pizzaiolo ou um técnico em informática.

Assim mesmo, arriscada ou não, toda profissão pode dar a quem a exerce momentos de júbilo ou de frustração grande. Tomemos, por exemplo, a advocacia penal. Pode ser fonte de alegria e satisfação para o profissional quando o veredicto é favorável a seu cliente. Caso contrário, traz decepção, chateação e aflição.

escrita-7O ofício de articulista e o de analista ‒ falo desses que escrevem artigos para a grande mídia ‒ pode às vezes dar motivo a desapontamento. Quando algum acontecimento se está inexoravelmente aproximando, artigos costumam ser escritos antecipadamente. À medida que personalidades conhecidas vão envelhecendo, necrológios já vão sendo preparados. Dormem na gaveta das redações. (Hoje é mais adequado dizer que ficam armazenados em pastas de computador, mas dá no mesmo.) Assim que chega a notícia do falecimento, não precisa correr à Wikipédia à cata de pormenores da vida e do instinto do distinto extinto. Basta acrescentar algumas linhas ao esboço para dar o fecho. Não é cinismo, que a vida é assim mesmo.

Passadas as eleições americanas, pelas quais todo o planeta se interessou, chegou o tempo das análises. Todas as previsões e palpites davam como certo o final. Seria o relato da história, da glória e da vitória de Hillary Clinton. É de imaginar que, previdente, a maioria dos comentaristas já houvesse preparado artigos, às vezes com semanas de antecedência. Estavam os papéis prontos para publicação quando… paf! Contra todos os prognósticos, venceu Trump.

escrita-6Fico imaginando as resmas de papel atiradas ao lixo. Tiveram todos de costurar à pressa artigo novinho. Saíram no encalço do vencedor pra relembrar excesso, progresso e sucesso do inconfundível, irascível e imprevisível bilionário. As rimas são propositais, tanto o personagem é ativo, permissivo e agressivo.

Pensando bem, é mais cômodo escrever elogio fúnebre. A personalidade, seja ela quem for, acaba morrendo um dia, é certeza. Agora basta aos que escreveram sobre Mrs. Clinton guardar o material numa pasta. Um dia, é garantido que vai servir.

Les jeux sont faits

José Horta Manzano

Pelos próximos quatro anos, se o destino não bancar o desmancha-prazeres e não der uma foiçada, Donald Trump exercerá a presidência dos EUA. Assim que a notícia se espalhou, metade dos americanos abriu o champanhe enquanto os demais abriram o armarinho do banheiro à cata de aspirina.

Muita gente foi apanhada de calça curta. Como em outras votações polêmicas, todos os institutos de pesquisa se enganaram. Até mesmo sondagens de boca de urna ainda mantinham Hillary Clinton na dianteira. O resultado final deixou muita gente atordoada.

eleicao-3Independentemente de ter torcido para este ou para aquele candidato, o distinto leitor há de estar surpreso. Não se sinta solitário, que uma multidão está no mesmo caso. No entanto, pensando bem… sabe quem levou o susto maior? Pois foi exatamente Mister Trump. Ele também sabe ler pesquisas. Já tinha até dado sinais de estar-se preparado para atacar a lisura do processo de apuração.

Para o moço, o importante era ganhar. Governar não estava exatamente nos seus planos. Nascido em berço confortável, deu continuidade ‒ com sucesso ‒ ao espírito empreendedor dos antepassados. Venceu sempre. Desta vez, sua intenção era de mostrar que era o maior, que podia chegar ao posto máximo mesmo sendo absolutamente carente de experiência política. Conseguiu. E agora?

Agora é que são elas. Ataques de palanque, frases de efeito, atitudes ensaiadas, ameaças, xingamentos, invectivas e ofensas ficaram pra trás. Mister Trump terá de usar sua esperteza para cercar-se de gente competente. O maior risco que ele corre nesse sentido é deixar-se levar pelo orgulho e agir como nossa mais recente presidente destituída: só nomear assessores que lhe digam amém. Se fizer isso, será desastroso.

cassino-1Seja como for, no fim das contas, pouco deve mudar para quem vive fora dos EUA. Com ou sem Mister Trump, o país continuará sendo, por muito tempo ainda, a maior potência econômica e militar do planeta. O Reino Unido seguirá firme o caminho do Brexit. A Rússia não abrirá mão da Crimeia. Palestinos e israelenses não farão as pazes. Alguns latino-americanos continuarão a tentar a atravessar o Rio Grande na calada, enquanto outros continuarão a frequentar a Disneylândia.

No Brasil, a mudança será pouca, quase nada. Desde que o lulopetismo cortou o cordão umbilical que nos unia ao mundo dito «ocidental» para fazer ligação direta com a China, decisões tomadas em Pequim têm maior influência sobre nós do que as que são tomadas em Washington.

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Les jeux sont faits, rien ne va plus!
A expressão que usei como título do artigo é difícil de traduzir ao pé da letra. É repetida pelos crupiês, nos cassinos franceses, a cada vez que a roleta é posta a girar. Significa que quem jogou, jogou; não se aceitam mais apostas para esta rodada.