Um manda, outro obedece

Pazuello e Bolsonaro

José Horta Manzano

Alguém se lembra dele? É Pazuello, aquele general do Exército do Brasil, que Bolsonaro tratava por “meu gordinho”? É exatamente aquele que explicou um dia, ao estender-se como capacho assumido de Bolsonaro: “É simples assim, um manda, outro obedece. Mas a gente tem muito carinho, viu?”.

“Meu gordinho”, militar sem a menor experiência em assuntos políticos, conseguiu o milagre de ser eleito deputado federal por seu estado, o Rio de Janeiro, de primeira, na onda do bolsonarismo triunfante. Não tenho notícias de sua atuação como parlamentar, mas, para o bem do povo fluminense, espero que o personagem esteja se desempenhando melhor do que quando cuidou do Ministério da Saúde, durante a pandemia. Naquele sinistro período, muitos morreram sufocados, sem balão de oxigênio, em consequência das trapalhadas do ministério que ele comandava.

Uma declaração dada estes dias por Mr. Pete Hegseth, ministro da Guerra dos EUA, me fez irresistivelmente pensar no general Pazuello. O maioral americano, um tanto exaltado no palco, diante de uma plateia de fardados das Forças Armadas norte-americanas, declarou enfaticamente estar cansado de ver “soldados gordos” e “até generais e almirantes gordos” Acrescentou que tal situação é inaceitável porque depõe contra a imagem de força e virilidade que o país e o mundo esperam do exército americano.

É verdade que conquistadores, generais e almirantes têm sido representados, em pinturas e estátuas equestres, como homens viris, longilíneos, de feições angulosas e, sobretudo, magros. Isso vale para figuras nossas, como Deodoro, Caxias e o Almirante Tamandaré. Vale também para personagens internacionais, como o general De Gaulle, Simón Bolívar e Francisco Pizarro, aquele que dizimou os incas.

Civis acima do peso, como Churchill e Getúlio, ainda vá lá. Mas militar gordo e vitorioso? É raro. Se acontecer, a história se encarregará de emagrecê-lo.

Em 2020, o TCU contabilizou quase 6.200 militares lotados no Palácio do Planalto, ocupando cargos civis. Bolsonaro, então presidente, se orgulhava de haver “militarizado” o governo. Hoje, olhando com a perspectiva do tempo que passou, é possível entender por que seu governo rodava aos trancos. Botar milhares de militares a ocupar cargos para os quais não haviam sido formados é chamar o desastre.

O levantamento do TCU não estratificou os militares por faixa de peso. Assim sendo, só nos resta conjecturar. Batalhão que luta na linha de frente de uma guerra não tem tempo nem condições de comer leitão pururuca, nem chips com páprica, nem brigadeiro. Tem de se contentar com o rancho que, em princípio, não inclui delikatessen. Já batalhões que trabalham – todos fantasiados de civis, cada um diante de seu computador, com máquina de café à disposição, com pausas e fins de semana livres – esses, sim, tendem a “amolecer”.

Quem amolece se aborrece e… come mais. Bastam poucos anos nessa dieta para formar o pequeno candidato à obesidade. É impossível saber quantos dos militares próximos de Bolsonaro entravam nesse quadro. Também é impossível conhecer o IMC (Índice de Massa Corporal) de cada um.

O que é certo é que milhares de militares foram alocados, contra a natureza, a um trabalho de escritório. Homens treinados para o trabalho físico, ao ar livre, em contacto com a natureza e a selva foram enfurnados em ambientes climatizados e cercados de janelões de vidro. Certamente não era o caminho que esperavam seguir ao se alistarem nas Forças Armadas.

Agora vem a conjectura. E se tiver sido essa espécie de amolecimento forçado uma das principais causas do malogro do tentado golpe de Estado? Boa parte da força armada com a qual Bolsonaro contava estava amolecida e engordada pelo bem-bom de anos de sedentarismo e climatização. Com militar gordo e mole, não se faz guerra. Nem se dá golpe.

Assessoria indigente

José Horta Manzano

 


Pra que vamos criar problema?


 

O assunto já está na praça há três dias. Tenho de correr pra escrever antes que ele saia da mira. Com o capitão, os escândalos se sucedem, vertiginosos, cada novo episódio condenando o anterior ao esquecimento. A gente tem a impressão de estar sempre correndo atrás pra não perder o bonde.

Sábado passado, o Instituto PoderData publicou o resultado de sua pesquisa sobre a aceitação da vacina por parte dos brasileiros. A pergunta era se o entrevistado já tomou ou pretende tomar vacina contra o coronavírus. Dentre as 3.000 pessoas questionadas – em 489 municípios das 27 unidades federadas ––, somente 2% não souberam ou não quiseram responder à pergunta. As demais responderam afirmativamente. Trocado em miúdos, isso significa que somente 1 em cada 50 habitantes, com 16 anos ou mais, é contrário à vacina. O que se ouviu foi um quase unânime “SIM” nacional.

O povo brasileiro é o mais entusiasta, na América Latina, e quiçá no mundo, com relação à vacina. Dois porcento de ‘vacino-hesitantes’ é praticamente nada. Pode-se concluir que o brasileiro amou a vacina, se jogou em cima dela, abraçou-a, beijou-a, espichou o braço, levou a picada e saiu feliz, pedindo mais.

Dito isso, fica cada dia mais difícil entender o posicionamento do capitão. Não é que, no mesmo sábado em que saiu a pesquisa, ele afirmou ser contrário ao passaporte vacinal exigido de viajantes que chegam do estrangeiro? Soltou frase reveladora: “Pra que vamos criar problema?”

É que, na visão doentia de Bolsonaro, correr o risco de deixar entrar a nova variante mal conhecida do vírus não é problema. Para ele, o verdadeiro problema está em se assegurar que o viajante não está infectado. Pode?

E pensar que, desde que o ser humano vive em comunidade, a função primeira do chefe é justamente a de proteger o grupo. Desde a pré-história, o líder tem sido escolhido por ser capaz de transmitir segurança a seu povo. Bolsonaro prefere importar doença a “criar problema” para viajantes potencialmente infectados.

O capitão não conhece a História da Humanidade. Na escola, pouco aprendeu; durante a vida, nada acrescentou a seu parco capital intelectual. Não consegue se dar conta de que os líderes – bons ou maus – que o povo carregou um dia nos braços foram os que mostraram estar em sintonia com a população. Churchill, Stalin, Hitler, De Gaulle, Mussolini entram nessa conta. Evidentemente, Bolsonaro jamais será membro do clube. Nem dos bons, nem dos maus.

O capitão não perde ocasião pra escancarar sua falta de inteligência. Só dois porcento dos brasileiros rejeitam a vacina. Isso quer dizer que os 10% ou 15% que (ainda) apoiam o presidente já se vacinaram ou pretendem fazê-lo, ou seja, fazem parte do contingente que abraçou a vacina. Ao insistir em se posicionar contra vacina, contra vacinados e contra passaporte vacinal, ele está pisando o calo dos próprios devotos.

Será que ele não tem nenhum assessor menos tapado, capaz de orientá-lo? Parece que não.

Scherzo

José Horta Manzano

Você sabia?

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Está aqui um quadro interessante. Traz a altura (corporal) de alguns figurões. Não sei quem é o autor, mas merece parabéns pelo esforço. Não é tarefa fácil coletar imagem desse pessoal, todos na proporção justa, alinhá-los, identificá-los. Quanto a mim, só tive de traduzir pés e polegadas em centímetros.

Os personagens antigos (Churchill e Hitler) são figuras históricas que cabem em qualquer comparação. Os demais eram os grandes de então – esse “então” há de ter sido uns dez anos atrás.

Pra que serve o quadro? Pra nada. È uno scherzo – é uma brincadeira. Bom domingo para os que já estão confinados em casa e para aqueles que logo estarão.

Fim da Guerra da Coreia

José Horta Manzano

A Guerra da Coreia (1950-1953) foi o primeiro «conflito por procuração» dos tempos modernos. Vitoriosos na Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e União Soviética tratavam de fincar mourões pra delimitar a própria área de influência.

Apesar do nome, a guerra dita «da Coreia» foi, no fundo, enfrentamento (mal) disfarçado entre as duas potências. Por detrás das tropas do norte, ativava-se a União Soviética, enquanto as tropas do sul eram armadas e sustentadas pelos EUA.

Lá pelo fim dos anos 1940, na Europa, a fronteira estava balizada, com clara delimitação do feudo de cada potência. Na expressão de Churchill ‒ um achado! ‒, uma «cortina de ferro» tinha descido sobre o continente, a marcar fronteira entre os dois espaços.

Na Europa, o assunto estava empacotado, nada mais havia a fazer. As Américas eram tradicionalmente zona de influência americana ‒ ninguém contestava. Na Ásia, ainda havia regiões onde o domínio estava por definir. O conflito entre o norte e o sul da península coreana tem muito que ver com essa marcação de território.

Depois de três anos e mais de um milhão de mortos, a briga terminou empatada. A Coreia foi dividida em duas partes, ficando cada uma na zona de influência de uma das potências. Com o passar das décadas, consolidou-se uma ditadura hereditária na Coreia do Norte e, no sul, o liberalismo econômico deu lugar a uma república próspera.

Apesar da unidade étnica, cultural e linguística, os dois países se deram as costas. De ameaça em provocação, passaram-se 65 anos sem que se vislumbrasse esperança de reconciliação. De repente, de onde menos se imaginava, está surgindo o desenlace do nó atado pela ausência de tratado de paz entre os beligerantes.

Paradoxalmente, Donald Trump, o cospe-fogo que preside os EUA, prepara-se pra entrar para a história como o pacificador das desavenças entre os dois irmãos inimigos do Extremo Oriente.

O presidente da Coreia do Sul é esperado em Washington dia 22 de maio para preparar, junto com seu colega americano, a inédita reunião entre as duas Coreias, patrocinada pelos EUA. Segundo Trump, a cúpula deverá ter lugar em breve, talvez ainda este mês.

Esse capítulo final da Guerra da Coreia, 65 anos depois de o último canhão ter silenciado, sinala que os Estados Unidos levaram a melhor sobre a extinta URSS. Venceram a guerra.

Consideração final
Se tudo der certo ‒ e parece que vai dar ‒, o atual belicoso presidente dos EUA, mais do que seu antecessor, estará a merecer o Nobel da Paz. Ou não?

 

Carta aberta à Senhora Presidente

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 1° nov° 2014

Prezada Senhora Dilma Rousseff,

Carta 1Antes de mais nada, quero dar-lhe parabéns pela vitória. Ainda que a franja de votos que a separa do adversário tenha sido menor do que a de quatro anos atrás, o triunfo, desta vez, tem mérito maior. Os votos que a elegeram em 2010 eram herança de seu antecessor. Já os de agora refletem o julgamento de seus quatro anos de governo. Felicitações!

Nada me obriga a fazê-lo, mas opto por eliminar toda ambiguidade: não lhe dei meu voto. Razões várias me levaram a supor que seu adversário reunia condições de dar ao Brasil orientação adequada. No entanto, o destino, cabeçudo, decidiu a seu modo. Não saberemos jamais como teria sido… o que não foi.

Campanha e debates, ataques e defesas, altivezas e baixezas – toda essa tralha faz parte do passado. Viremos a página. Nossa Constituição manda que o vencedor da corrida seja sagrado presidente. Coube à senhora o lugar mais alto no pódio. Que se cumpra a lei. Saudemos a presidente de todos os brasileiros.

Os primeiros dias são melindrosos. O calor da disputa pode demorar para arrefecer. Alguns relutam em catar os cacos, colá-los e recompor o vaso. Deixe estar, que o tempo é remédio para amores e dores.

Dizem que a senhora é autoritária. Ligue não. Churchill e De Gaulle – autocráticos, rígidos e voluntariosos – deixaram rasto de glória e de admiração.

Envelope 3Somos da mesma geração, presidente: nasci pouco mais de um ano antes da senhora. Crescemos num mesmo Brasil e sonhamos os mesmos sonhos. O País está hoje melhor, mas resta um bocado por fazer. É obra coletiva, que compete a cada cidadão. Alguns, como a senhora, dispõem de trunfos mais robustos. Eis por que lhe escrevo.

Meu primeiro pedido é, de todos, o mais importante. A divisão do povo brasileiro em duas categorias nebulosas – «nós e eles» – é semente de males doídos e duradouros. Garantido. Essa cisão tem sido instigada estes últimos anos. Nosso País está em processo acelerado de cisma.

Por favor, presidente, leve em consideração o alerta deste compatriota que já rodou mundo: determine a seus auxiliares que se abstenham de alargar brechas entre classes de cidadãos. Pretos e brancos, ricos e pobres, nortistas e sulistas, religiosos e descrentes são antagonismos que não vale a pena exacerbar. Fiquemos somente com o «nós» e deixemos o «eles» pra lá.

by Lailson de Holanda Cavalcanti, desenhista pernambucano

by Lailson de Holanda Cavalcanti, desenhista pernambucano

Gostei do seu discurso de vitória. A senhora já reparou, presidente, que seus pronunciamentos espontâneos são bem mais joviais que textos engessados? Digo-lhe sem ironia: está aí a prova de que o que lhe vai dentro é maior e melhor do que o papel que marqueteiros e assessores a instigam a representar. Procure dar mais valor ao bom senso e menos a assessores cujo objetivo nem sempre coincide com o seu.

Nossa Constituição veda, a titulares do Executivo, um terceiro mandato. A senhora está, assim, liberta de amarras que emperraram seu primeiro mandato. Não caia na tentação de impor sucessor. Deixe a missão para especialistas, que os há.

Na hora de escolher assessores, não se restrinja aos que pertencem a sua família política. Há gente pra lá de capaz na outra borda. Não hesite em convocá-los, que não é desonroso. Busque a competência onde estiver.

Presidentes galeriaOs atuais programas de transferência de renda são positivos. Seriam ainda mais benéficos e eficientes se fossem acompanhados de incentivos. Que tal encorajar beneficiários com microcrédito, formação técnica e ensino profissionalizante? A meta maior de seu quadriênio bem poderia ser a extinção gradual de programas assistenciais por… se terem tornado supérfluos. Já imaginou?

Outra coisa importante, presidente. O Congresso virou um balaio de gatos. O divórcio entre povo e eleitos é real. Um mês depois do voto, boa parte dos eleitores já esqueceu em quem votou. A solução é uma só: voto distrital. Divida-se o País em 513 distritos de população equivalente. Cada distrito elegerá, em dois turnos, seu deputado. Somente assim se criará o vínculo entre eleitor e eleito, atualmente inexistente.

Daqui a cinquenta anos, presidente, não estaremos mais aqui. Nem a senhora, nem eu. Quanto a mim, na melhor das hipóteses, terei direito a uma lápide com um nome e duas datas. A senhora estará nos livros de História.

Ucrania 1Suas decisões nestes próximos quatro anos determinarão se sua memória será louvada ou execrada. Para quem, como a senhora, exerceu o cargo maior, mais valerá ser lembrada como conciliadora do que como responsável pela ucranização do Brasil.

Receba meu respeito e minha esperança. Que Deus a ilumine.