José Horta Manzano
Mensalão, corrupção, falcatruas, corrupção, crianças arremessadas por janelas, corrupção, parricídios, corrupção, medalhas concedidas a quem não fazia jus, corrupção, tapinhas nas costas de Chávez e de Ahmadinejad, corrupção, capitulação diante de Evo, corrupção, apoio explícito a ditadores sanguinários, corrupção, balcão de negócios, corrupção, nada disso comoveu o povo brasileiro a ponto de suscitar reação visível.
Mas o mundo deve estar mudando mais rápido do que se imagina. Pela primeira vez depois de muitos anos, veem-se cenas de protesto popular no Brasil. La colère gronde, como diriam os franceses ― a fúria deixa ouvir seu bramido. A razão oficial é um aumento de 20 centavos na passagem de ônibus.
Os protestos, no entanto, estão sendo explicitamente apoiados por comunidades de brasileiros do exterior, com passeatas em vias públicas de terra estrangeira. Os manifestantes são pessoas que, por razões evidentes, não costumam utilizar transporte público no Brasil. Está aí a prova maior de que a briga é bem mais ampla do que 20 centavos.
Visto de longe, dá até para acreditar que o gigante está despertando. Será? Algo me diz que esse desencadeamento de protestos, violentos ou não, é um fenômeno catártico, uma válvula de segurança a deixar escapar um pouco da pressão gerada pelo descontentamento acumulado há muitos anos. O aumento das tarifas não é mais que a gota d’água.
Tomo emprestada uma oportuna lembrança que tiveram Samy Dana e Leonardo Siqueira de Lima em artigo publicado na Folha de 17 de junho. É uma declaração de Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, em entrevista concedida à Agência de notícias EFE em dezembro de 2010.
“Una ciudad avanzada no es en la que los pobres pueden moverse en carro, sino una en la que incluso los ricos utilizan el transporte público”
Por enquanto, é uma revolta. Esperemos que não se transforme em revolução.