José Horta Manzano
No primeiro século da Era Cristã, o poeta satírico latino Decimus Junius Juvenalis, que passou para a História como Juvenal, deu fama à antiga expressão panem et circenses(1). Não foi o inventor da locução, que já existia séculos antes dele. O que Juvenal fez, com sua pluma feroz, foi conferir-lhe um sentido diferente do habitual.
Depois que o poeta analisou com lente impiedosa os costumes declinantes da Roma de seu tempo, a expressão passou a ser usada para denunciar a cooptação a que recorrem governantes e poderosos para atrair simpatia popular.
Já naquela época, mandachuvas tinham se dado conta de que a ineficiência ― assim como também a inexorável decadência ― de qualquer regime pode ser dissimulada com políticas populistas que distraiam o bom povo. Para tal, nada melhor que alimento e diversões. Isso não impedirá o fim do regime, seja ele qual fôr, porque tudo tem um fim. Mas é estratagema que pode prolongar a sobrevida do sistema.
A América Latina tem conhecido estes últimos anos um florilégio de regimes populistas. Brasil, Argentina, Venezuela, Nicarágua, Equador, Bolívia fazem parte dessa lista. O grau de desfaçatez de cada governo está na razão inversa do nível cultural de seu povo. Quanto mais instruída for a população, menor será a margem de manobra de governantes oportunistas.
Dentre os países citados, o Brasil talvez seja aquele onde o autoritarismo do governo é o menos acentuado. Será porque boa parcela de nossa população já tem instrução suficiente para discernir se o que lhe estão vendendo é lebre ou gato. No Brasil, os candidatos a cargos executivos não costumam ser eleitos com votações stalinianas de 90% ou 95%. Ponto para nós.
Já os venezuelanos, nossos sofridos hermanos do norte, não têm tido a mesma sorte. Anestesiados pelas migalhas que lhes vêm sendo distribuídas, ainda não se deram conta de que sua pátria-mãe está sendo subtraída em tenebrosas transações(2). Continuam prestando honras ao defunto caudilho e, de tabela, aos que se apresentam, gratia Dei(3), como seus sucessores.
Estes dias, aprontaram mais uma boa, curiosamente pouco noticiada no Brasil. De Caracas nos chega a espantosa informação de que o Premio Nacional de Periodismo 2013 (nós diríamos jornalismo), conferido pela fundação de mesmo nome, foi atribuído em caráter póstumo a… Hugo Chávez. A honraria lhe foi outorgada, por unanimidade do júri, em virtude «do impulso que deu à mídia pública e popular do país». Não sorria. É a razão oficial!
Segundo o filósofo ítalo-venezuelano Antonio Pasquali (1929-), o líder máximo da Revolução Bolivariana, no intuito de garantir sua permanência no mando supremo, fechou dezenas de emissoras de rádio e um canal de televisão muito crítico (RCTV). Dar a esse personagem um prêmio de excelência em jornalismo equivale a homenagear a raposa como defensora maior das galinhas.
A história é simplesmente inacreditável. Antes que me acusem de insanidade mental, apresso-me a citar as fontes onde bebi.
Granma, o sítio oficial (e único) do Partido Comunista de Cuba babou de contentamento.
El Universal, um corajoso diário de Caracas, ousou criticar, embora por via indireta. Ateve-se a citar a declaração desagradada do CNP ― Colegio Nacional de Periodistas.
El Nuevo Herald, jornal editado em Miami e crítico feroz do regime bolivariano, não deixou de dar sua visão.
Por fim, O Globo, do Rio de Janeiro, limitou-se a dar a notícia em poucas linhas, sem julgamento de valor.
Algumas explicações:
(1) Panem et circenses = pão e divertimentos circenses. Mais concisamente, pão e circo.
(2) Uma piscadela ao Sanatório Geral de Chico Buarque, cuja letra é um achado.
(3) Gratia Dei = pela graça de Deus, de droit divin