Bye bye, Oscar!

Fernão Lara Mesquita (*)

Depois da britânica British Academy of Film and Television Arts, a americana Academy of Motion Pictures Arts and Sciences anunciou terça-feira que qualquer filme que queira candidatar-se ao Oscar terá de atender a uma lista de exigências que incluem:

• o uso de atores de grupos raciais ou étnicos sub-representados;

• roteiros centrados nesses temas;

• lideranças criativas ou posições-chave ocupadas por mulheres ou membros de grupos raciais e étnicos, da comunidade LGBTQ+ ou pessoas com problemas físicos ou cognitivos;

• estagiários pagos pertencentes a esses grupos e marketing de distribuição com componentes de diversidade.

Num escalonamento de três anos a começar pelo Oscar do ano que vem, quando pelo menos dois desses quatro quesitos já terão de ser atendidos, as exigências serão crescentes nas áreas de Atuação, Temas e Narrativas, Liderança Criativa e Equipe Técnica, Acesso à Industria e Oportunidades de Desenvolvimento de Audiências.

Na Alemanha nazista, assim como na União Soviética e países da Cortina de Ferro antes da queda do Muro, ou ainda na Coréia do Norte de hoje, normas de adequação política sempre condicionaram absolutamente a produção intelectual e artística, sob pena de morte.

Mesmo nos próprios Estados Unidos, não é a primeira vez que a Academia impõe regras alheias à qualidade do filme como condição para concorrer ao Oscar. Entre 1950 e 1957 eram desqualificados filmes que incluíssem qualquer ator, diretor ou pessoa com função proeminente na produção que tivesse sido membro do Partido Comunista ou que tivesse recusado testemunhar para o Comitê de Atividades Anti-americanas do Congresso, período durante o qual o apedrejamento tornou-se obrigatório para qualquer pessoa sonhando com fazer carreira no cinema americano ou de qualquer outra nacionalidade hoje.

Mesmo com um paralelo tão evidente não caiu a ficha dos novos macarthistas de Hollywood, o que confirma minha tese de que o melhor investimento do momento é comprar lotes de passagens para Marte pois é já que elas estarão sendo disputadas a peso de diamantes nesse mundo insuportavelmente chato que está aí.

(*) Fernão Lara Mesquita é jornalista, articulista do Estadão e editor do blogue Vespeiro

Parabéns a você!

José Horta Manzano

Pergunta:
O que têm em comum o italiano Gioachino Rossini (1792-1868), o americano Herman Hollerith (1860-1929) e a francesa Michèle Morgan (1920-2016)?

Resposta:
Nasceram todos num 29 de fevereiro.

Sempre dirijo um pensamento comovido àqueles que nasceram nesta data esquisita. Imagine só, distinto leitor, como deve ser frustrante ter de esperar quatro anos pra receber parabéns! Se é chato pra adultos, pra crianças deve ser perturbador – ponha-se na pele do infeliz: vê todos os coleguinhas fazerem aniversário cada ano e ele… nada. Quatro anos, para os pequeninos, é uma eternidade!

Nestes tempos, de ditadura do politicamente correto e de hiper-judiciarização, é curioso que o legislador ainda não tenha se condoído da aflição dos que nascem neste dia fugaz. O sofrimento dos nativos desta data devia ser levado em conta quando se instituem quotas e privilégios. Como cidadãos discriminados pelos caprichos do calendário, merecem ressarcimento.

Michèle Morgan (1920-2016)
‘Les plus beaux yeux du cinéma français’
Os olhos mais lindos do cinema francês

A discriminação contra os nativos deste dia não é modismo. Ainda hão de se passar muitos séculos sem que alguém venha em socorro aos que passam a vida sob o flagelo da marginalização.

É verdade que o problema é mais amplo, tem a ver com o pas de deux entre o Sol e a Terra, um par de dançarinos que não conseguem acertar o passo. Em números arredondados, a Terra completa uma volta em torno do Sol em 365 dias e 6 horas. Fossem exatos 365 dias, nosso calendário seria simples: todos os anos teriam a mesma duração, sem necessidade de acrescentar esse dia intrometido de quatro em quatro anos. Infelizmente, assim são as coisas. Não dá pra mudar, nem com lei federal.

É verdade que podiam ter escolhido outro ponto do calendário pra intercalar esse ‘extra’ que só aparece a cada quatro anos. Podiam ter posto no final do ano, por exemplo, pra alongar as férias. Mas… que bobagem! Onde quer que pusessem o dia extra, crianças continuariam a nascer, e o problema continuaria!

Já que escolheram o fim de fevereiro, que assim seja. Deixo aqui minha solidariedade e meus parabéns a todos os que estiverem fazendo anos hoje!

Aberta a brecha

José Horta Manzano

Saiu ontem na Folha. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entende que cadeirantes têm direito a viajar de avião de graça. Sob risco de arrumar um punhado de inimigos, digo o que penso: não concordo com a determinação do TJ.

Velhice 3Explico melhor. O tribunal não fez nada de errado, apenas aplicou a lei. Na verdade, é com a lei que não concordo. Não me parece boa ideia conceder privilégios a determinadas categorias de cidadãos em função deste ou daquele motivo aleatório. O benefício tem de estar relacionado com a carência.

Que se reservem assentos para idosos ou para gestantes faz sentido. O mimo se coaduna com a necessidade: viajar de pé é problemático para gestantes e para idosos. Já garantir passagem grátis a quem padece de certos males – deixando de lado outros enfermos – faz menos sentido.

A meu ver, essa lei, que já vigora há tempos em viagens rodoviárias interestaduais, entra na mesma senda torta das quotas para estudantes, anciãos, índios, menores de idade e outros reservatários.

Onibus 4Se se concede gratuidade de transporte a quem sofre deficiência visível – caso de quem se desloca em cadeira de rodas –, a coerência manda que o benefício seja também estendido a concidadãos que padecem de deficiência não visível. Se o cadeirante pode, também deve poder o diabético, o cardíaco, o reumático, o entérico, o maneta.

A moça a quem a arbitragem do TJ do Rio Grande garantiu bilhete grátis de avião é advogada e atleta de paracanoagem. O bom senso leva a crer que outros cidadãos de situação financeira bem mais precária também gostassem de viajar sem pagar.

Velhice 2Entendo que, até certo ponto, finanças podem ser critério de seleção: àquele que pode menos, dá-se mais. A priori, no entanto, velhice e defeito físico não deveriam justificar concessão automática de privilégio(*). Ser velho ou ser cadeirante não é sinônimo de estar mal de finanças.

A brecha dos privilégios, uma vez aberta, é difícil de colmatar. Sempre aparecerão grupos de cidadãos que julgam ter direitos mais amplos que os demais. É caminho imprevisível e perigoso, oposto ao espírito republicano.

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ET: Etimologicamente, privilégio é lei privada, ou seja, lei feita especialmente para pequeno grupo de cidadãos.