Não se fazem mais Sextas-Feiras Santas como antigamente

José Horta Manzano

Nos tempos de antigamente, Sexta-Feira Santa era um dia especial. Ainda me lembro do vendedor de pão, aquele que passava todos os dias na porta de casa, com sua carrocinha puxada a burro, e que vendia um pão doce com sabor de infância. Pois ele dizia que trabalhava todos os dias do ano, com exceção de dois: o Dia de Natal e a Sexta-Feira “Maió”, que era o nome que ele dava à Sexta-Feira Santa.

Os tempos antigos eram cheios de “não-podes”. Na sexta-feira antes da Páscoa, o comércio baixava as portas. Nem entregador de pão trabalhava. Não se podia comer carne. Estações de rádio tocavam música clássica e cinemas passavam a Vida de Cristo. Baile, festa, dança? Nem pensar. Qualquer festinha, nem que fosse de aniversário de criança, ficava pro dia seguinte.

Hoje mudou, e muito. Fomos de um extremo a outro. Se antes quase nada podia, agora tudo pode. Palavrão, modo de expressão antes reservado para bate-papo entre bandidos, entrou para o dia a dia de todos – a começar pelo capitão e pelas excelências que o acolitam. Alguns acham isso natural, marca de espontaneidade. Eu continuo achando que é falta de educação e de respeito.

Bom, mas não vamos ser mais católicos que o papa. Rádio não toca mais música clássica. Cinemas (os poucos que restam) já não dão mais A Vida de Cristo. Aniversariante não precisa mais mudar o dia da festinha. Presidente fala palavrão – e como fala!

Então, com o perdão dos que ainda conservam um trisquinho de recato, aqui vão dois comentários bem-humorados sobre a bizarra compra de medicamentos pra atenuar os problemas de disfunção erétil de nossa (antes) vigorosa tropa.

 

 

 

 

 

Quem inventou a baguete?

José Horta Manzano

Você sabia?

Aquele pão comprido, crocante e de pouco miolo, que os franceses chamam “baguette” (baguete), está tão ligado ao patrimônio cultural da França, que a gente imagina que deva ser tradição antiga, velha de muitos séculos. Engano. A baguete é criação relativamente recente. As primeiras foram assadas faz 100 anos.

A baguete nasceu com o inchaço das cidades, que se verificou a partir do fim do século 19. A multiplicação das indústrias, geralmente localizadas na periferia das cidades maiores, fez surgir uma nova casta de cidadãos enriquecidos: os donos das fábricas.

Essa classe de novos-ricos já não se satisfazia com o pão tal como era feito tradicionalmente, em formato redondo, denso, cada bolota pesando de um quilo e meio a dois quilos. Durava uma semana, mas perdia o viço, amolecia por fora e secava por dentro. Já que tinham dinheiro e podiam pagar, os membros das classes urbanas enricadas queriam pão fresco e crocante no almoço e, de novo, no jantar.(*)

Uma lei de 1919, querendo proteger os padeiros, proibiu o trabalho noturno na profissão. Ora, o pão sempre foi amassado durante a noite e assado de madrugada para ser posto à venda de manhã logo cedo. Além disso, a panificação era tradicionalmente feita com fermento natural – que dá sabor especial ao pão, mas demanda trabalho e muita paciência.

Para resolver o problema, os padeiros parisienses decidiram abandonar o fermento natural e substitui-lo pelo fermento que conhecemos como biológico (ou Fleischmann), aquele de tabletinho que se guarda na geladeira, ou que também se encontra granulado, em sachê. O gosto e a textura do produto final mudavam bastante; em compensação a crosta ficava mais crocante, e o principal: a preparação era bem mais rápida e dispensava o trabalho noturno.

Para diminuir ainda mais o tempo de cozimento, a forma (ó) redonda foi abandonada e deu lugar ao formato comprido que conhecemos. O sucesso foi imediato.

Só que os tempos eram duros. Não é qualquer francês que podia se dar ao luxo de comprar pão duas vezes por dia. As classes menos favorecidas continuaram privilegiando o tradicional pão redondo, pesadão e de tamanho familiar.

Foi preciso esperar que o tempo passasse. Em 1945, terminada a guerra, a produção foi se regularizando e o racionamento de gêneros alimentícios foi pouco a pouco desaparecendo. Só então a baguete ganhou impulso, se popularizou e se espalhou pela França inteira.

No Brasil da minha infância, não se usava o termo baguete – isso é novidade das últimas décadas. A gente dizia “um filão” para designar um pão comprido, porém de diâmetro mais gordo. E “uma bengala” pra indicar aquele mais fininho. Não sei se alguém ainda fala assim.

(*) Até hoje, boa parte das famílias francesas não come, no jantar, o pão do almoço. Compram duas vezes por dia. Quem vive em cidade, vai até a padaria. Quem vive em vilarejo, compra do padeiro itinerante, que passa duas vezes por dia. Famílias pequenas compram meia baguete ao meio-dia e, de novo, meia baguette ao entardecer. Curioso costume, não?

Padeiro solidário

Você sabia?

José Horta ManzanoBaguette

Ouvi hoje pelo rádio que há uma padaria sui generis em Nîmes, no Sul da França: só vende pão da véspera. E doces idem. Esquisito? Parece. Pois imaginem que os empregados trabalham todos benevolamente. Todos os dias, percorrem as padarias da cidade e recolhem o pão e os doces que encalharam e teriam de ser atirados ao lixo.

Esses produtos serão vendidos na padaria comunitária no dia seguinte. Os preços, evidentemente, são uma fração do que se costuma cobrar pelos mesmos artigos quando frescos. Os valores são calculados o mais baixo possível, unicamente para cobrir os gastos gerais com aluguel, combustível, eletricidade. Não se visa ao lucro.

Se faltasse, está aí mais uma prova de que, por aqui também, há pobres. E muitos. Ou alguém imagina que, por estas bandas, dinheiro dá em árvore?