Burkini

José Horta Manzano

O distinto leitor talvez não tenha ouvido falar em burkini. A palavra, contração brejeira de burka + bikini, designa um traje de banho usado por mulheres que seguem a religião maometana. Grafada à nossa moda, a palavra seria burquini.

Imagino que essa roupa não seja comum nas areias de Copacabana. Trata-se de uma espécie de maiô integral que cobre o corpo inteirinho, só deixando o rosto, as mãos e os pés de fora. Pode ser satisfatório para maridos ciumentos, mas não é adequado para obter um bronzeado completo.

Grenoble está entre as 20 cidades mais populosas da França. É um centro universitário importante. Dispõe de todos os ramos do ensino universitário, mas está especialmente focado em alta tecnologia.

A Câmara de Grenoble reuniu-se ontem para um debate curioso. Tratava-se de autorizar (ou não) a entrada nas piscinas municipais de mulheres trajando burkini.

Os que apoiam o uso desse tipo de maiô argumentam que, além de não ser escandaloso, o burkini faz parte dos preceitos religiosos de uma parte da população do país e que, portanto, merece ser respeitado.

Já os que são contra o burkini retrucam que ele é a marca de um insuportável machismo. Acreditam que ele é a prova de que a mulher muçulmana é oprimida pelo marido e pelo mundinho em que vive. Acham que a França, que a pátria dos direitos humanos, não pode tolerar que, em pleno século 21, o sexo feminino seja publicamente humilhado. O uso do burkini, portanto, não deve ser autorizado.

Na Câmara, os debates foram acalorados e levaram 2 horas e meia. O resultado da votação foi apertado: 29 vereadores votaram pela autorização do burkini, enquanto 27 foram contra. Assim, as mulheres que o desejarem (ou que forem obrigadas) poderão frequentar as piscinas municipais no próximo verão trajando burkini.

Contrário à liberação do burkini, o governador da região anunciou imediatamente que ia contestar na Justiça a decisão da Câmara.

Observação
Quem dera o grande problema de nossa sociedade fosse a moda vestimentária de banhistas. Temos outros peixes para fritar, como dizem os portugueses.

De lemas e motes

José Horta Manzano

A maioria dos países adotou um lema nacional. Não é obrigatório, mas costumeiro. Muitos deles são binários (Patria o Muerte) ou ternários (Liberté, Égalité, Fraternité). Há os que seguem outro padrão, como o AEIOU do falecido Império Austríaco: Austriae Est Imperare Orbi Universo ‒ cabe à Áustria reger o mundo. Presunçoso, não?

Lema 3Um exame mais atento dá boas pistas sobre o foco das prioridades nacionais no momento em que cada divisa foi escolhida. A inquietação com relação à coesão nacional é generalizada, com especial ênfase em países que congregam etnias, religiões ou línguas variadas. Boa parte das antigas colônias na África segue a receita:

Maláui:              Unidade e Liberdade
Burkina Faso:        Unidade, Progresso, Justiça
Costa do Marfim:     Unidade, Disciplina, Trabalho
Rep. Centroafricana: Unidade, Dignidade e Trabalho
Gabão:               Unidade, Trabalho, Justiça
Serra Leoa:          Unidade, Liberdade, Justiça
Angola:              A União faz a Força
Burundi:             Unidade, Trabalho, Progresso

Além desses, mais uma dezena de africanos inclui no lema a aspiração à unidade nacional. Foge à regra a divisa de Botsuana. Resume-se a uma palavra: Pula que, no dialeto banto falado naquelas bandas, significa chuva. É de crer que o clima seja bastante árido.

Lema 5Nas Américas, domina a sensação de falta de liberdade. Alguns séculos depois da chegada do colonizador, foram surgindo gerações de nativos que identificaram no europeu o agente da opressão. No momento em que se tornaram independentes, os novos países adotaram motes que faziam alusão à liberdade recém-conquistada.

Os anos que se seguiram demonstraram que o colonizador não era o único responsável pela opressão e que a liberdade podia ser suprimida por conterrâneos, como de fato foi. Cubanos, venezuelanos, haitianos e até brasileiros já viram esse filme.

Vários dísticos americanos exaltam a liberdade:

Argentina:       Na União e na Liberdade
Colômbia:        Liberdade e Ordem
Rep. Dominicana: Deus, Pátria, Liberdade
Guatemala:       Liberdade
Peru:            Livre e Feliz pela União
Uruguai:         Liberdade ou Morte

Lema 1Na Europa, vários lemas mencionam Deus: Dinamarca, Liechtenstein, Monaco, Polônia, por exemplo. Sintomaticamente, a Moldávia, pequeno país de língua latina espremido entre vizinhos de fala eslava, escolheu mote apropriado: «Nossa língua é um tesouro».

Curiosa é a divisa da Itália: «Una Repubblica democratica, fondata sul lavoro» ‒ uma República democrática baseada no trabalho. A frase aparece já no primeiro artigo da Constituição de 1946. A menção à democracia é compreensível para um povo que acabava de se livrar do regime fascista. Já a alusão ao trabalho é mais intrigante.

Lema 4Para finalizar, vamos lançar uma rápida vista d’olhos a nosso conhecido «Ordem e Progresso». Trata-se de abreviação de frase bem mais longa forjada pelo pensador Auguste Comte. O original francês é: «L’amour pour principe et l’ordre pour base; le progrès pour but.»o amor como princípio e a ordem como base; o progresso como objetivo.

Em geral, slogans não me agradam. Mais imprudente ainda é transformá-los em símbolo nacional. Situações mudam, a vida segue e a frase pode deixar de fazer sentido. Pode-se chegar ao ponto de ter de explicar o que a frase significava no contexto em que foi escrita.

Não é nosso caso, como sabem os distintos leitores. Nosso lema continua sendo aspiração de todos. Ordem, nunca tivemos. A cada vez que a coisa parecia bem encaminhada, sobreveio mudança brusca de regime, capaz de tudo demolir e de nos obrigar a reconstruir a partir do zero.

Lema 2Quanto ao progresso, com altos e baixos, a segunda metade do século XX trouxe muita esperança e muito otimismo. Até não faz muito tempo, parecia até que estávamos chegando lá.

Desgraçadamente, de um ano pra cá, descobrimos que muitos dos avanços apregoados não passavam de propaganda enganosa. Na verdade, o ritmo de transformações diminuiu tanto que temos hoje a sensação de regredir.

Que «Ordem e Progresso» continue sendo nosso lema. Ainda falta muito, mas, quem sabe, um dia ainda chegamos lá.