José Horta Manzano
Era uma cidadezinha pequena, bem na fronteira com a Argentina. É domingo, e a Igreja fica cheia para a missa das 10h. Argentinos, brasileiros, até o prefeito. Começa o sermão:
‒ Irmãos, estamos hoje aqui reunidos para falar dos Fariseus, aquele povo desgraçado como esses argentinos que estão aqui.
‒ Ohhh! Um coro de indignação varreu a igreja. Os argentinos saíram xingando o padre. Houve briga na porta. O prefeito quase teve um ataque de apoplexia. Terminada a confusão, ele foi falar com o padre na sacristia.
‒ Padre, pega leve, os argentinos vêm para este lado, gastam nas lojas e nos restaurantes, trazem divisas para a cidade. Não faça mais isso.
Durante a semana a conversa na cidadezinha foi recorrente: o padre e o sermão do domingo. Aquele zum-zum-zum todo foi deixando as pessoas curiosas, todos querendo saber o que mais tinha acontecido.
Finalmente, vem o domingo. O prefeito vai até a sacristia para uma conversinha com o padre.
‒ Padre, o senhor lembra do que conversamos antes, não? Por favor, não arrume nenhuma encrenca hoje, certo?
Começa o sermão.
‒ Irmãos, estamos aqui reunidos hoje para falar de uma pessoa da Bíblia: Maria Madalena. Aquela mulher, a prostituta que tentou Jesus, como essas argentinas que estão aqui.
Não deu outra: pancadaria na igreja. Quebraram velas nos corredores, saíram tapas, socos e houve até atendimento no pronto-socorro da cidade. O prefeito novamente foi ao encontro do padre:
‒ Padre, o senhor não me disse que iria pegar leve? Padre, se o senhor não amansar, vou escrever uma carta à diocese e pedir a sua suspensão imediata.
Durante a semana, o tumulto foi maior ainda. As conversas eram frenéticas. Ninguém perderia a missa do domingo seguinte, nem por decreto.
Na manhã do domingo, o prefeito espalha soldados pela igreja e entra na sacristia .
‒ Padre, pega leve desta vez, senão te levo em cana!
A igreja estava abarrotada. Quase não se conseguia respirar de tanta gente. E o padre dá início ao sermão.
‒ Irmãos, estamos aqui reunidos hoje para falar do momento mais importante da vida de Cristo: a Santa Ceia.
O prefeito respirou aliviado. E o padre continua o sermão:
‒ Jesus disse naquele momento aos apóstolos: “Esta noite, um de vós Me trairá.” Então João perguntou: “Mestre, sou eu?” E Jesus respondeu: “Não, João, não és tu”. E Pedro perguntou: “Mestre, sou eu?” E Cristo respondeu: “Não, Pedro, não és tu.” Então Judas perguntou: “Mestre, acaso soy yo?”
Nossa, que leveza de abordagem! Depois de meses levantando temas difíceis, fiquei agradavelmente surpresa com sua reviravolta. Cheguei a pensar que era mais uma crônica de seu irmão Francisco tal a delicadeza e o senso de humor que seu escrito incorpora. Que bom que você esteja consolidando a tradição da família.
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A retidão me obriga a declinar o afago. Dei uma boa recauchutada, é verdade, mas o cerne é obra alheia, recebida por internet. Como vê, a reviravolta não é aquela que se podia imaginar. Nem tudo que revira volta.
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Não li o original, mas pouco me importa. O que eu queria enfatizar era o tratamento delicado que você deu ao conteúdo humorístico, assim como a decisão de deixar de lado por um segundo a aspereza dos tópicos políticos.
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É domingo. Amanhã, volta.
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