Manda embora o assessor, Lula!

José Horta Manzano

Lula, prezado presidente!

É curioso notar que tens o costume, desde teu primeiro mandato, de nomear uma dupla para cuidar as Relações Exteriores. Talvez isso te dê maior segurança numa área em que tu, vez por outra, deslizas na maionese.

Nos primeiros mandatos, além do ministro de Relações Exteriores, mantiveste um “assessor” (aquele do top-top, lembras?), que parecia ter mais influência nas tuas decisões do que o próprio ministro. Neste Lula 3, continuas a manter o esquema. Um diplomata de carreira, bom conhecedor das minúcias da profissão, está no posto de ministro. A par disso, de novo, um “assessor” avulso.

Só que, desta vez, escolheste um assessor problemático, Lula. O temperamento belicoso dele tem te dado dores de cabeça. Parece que te apoias demais nos conselhos do personagem.

Por exemplo, a terrível comparação que fizeste, em discurso pronunciado em Adis-Abeba, que deu que falar no mundo todo, foi improviso teu, não há que se diga. Já a emenda do soneto leva as impressões digitais de teu assessor, aquele que tem esperança de que o “bloco dos pobres”, o desengonçado Sul Global, possa ser levado a sério.

Lula, há que ser razoável: toda troca de ofensas e ameaças tem hora pra acabar. É como jogo de futebol – pra usar metáforas que te são familiares. Tem tempo pra jogar e tem tempo pra acabar. Quando o árbitro apita o fim da partida, não é mais hora de tentar acertar o gol.

O auê que a tua fala provocou em Israel e no mundo já se estava acalmando. Eis senão quando, na tua alocução de sexta-feira passada, tornaste a martelar o prego da discórdia:


“Se isso não é genocídio, nâo sei o que é genocídio”.


Pois não sabes, velho Lula, não sabes de fato o que é genocídio. E pensar que já te ensinei mais de uma vez, mas não pareces ter boa memória. Ou quiçá nem lês o blogue. Ou (desconfio que seja a resposta correta) isso é obra de teu “assessor” marrudinho. É ele quem te está ‘fazendo a cabeça’.

O martírio imposto aos gazeus pelo exército israelense, podes chamá-lo como quiseres: massacre, matança, morticínio, castigo coletivo, carnificina perpetrada por agressores desapiadados. Mas genocídio, certamente não é. Se em mim não acreditas, pergunta a teu ministro, o verdadeiro. Ele parece ser pessoa arrazoada. Terá estudado o assunto e deve saber que a definição de genocídio é rigorosa, estabelecida há 75 anos pela ONU.

Mas um conselho te dou e repito, Lula: livra-te rápido de teu empacado “assessor”. Se não tens coragem de dispensá-lo de chofre, oferece a ele um prêmio de consolação: uma embaixada em Paris, por exemplo. Ele não há de recusar. Assim tu te livras de uma fonte de dor de cabeça.

Está na hora de nossa diplomacia olhar pra frente em vez de ficar aí andando de banda feito caranguejo.

Mais ecos do debate

José Horta Manzano

O debate que Lula e Bolsonaro protagonizaram na tevê ecoou forte além-fronteiras. Debates à brasileira, que se assemelham cada dia mais a briga de criançada do ensino fundamental, são desconhecidos na Europa, onde o nível costuma ser menos rasteiro.

Essa história de “Acusado! Eu vi você mostrando a língua pra professora!” não cabe numa confrontação entre candidatos à Presidência de país civilizado. O que tem divertido a imprensa estrangeira são justamente essas alfinetadas pré-adolescentes, comportamento que destoa vindo de dois personagens que já ocuparam o posto máximo.

 

 

El Mundo
O espanhol El Mundo não se ateve a detalhes. Deu uma nota global: “Um eletrizante debate corpo a corpo”.

 

 

Corriere della Sera
O Corriere della Sera é escrito numa língua (italiano) que não é pródiga no uso de diminutivos. Para traduzir a expressão “pequeno ditadorzinho”, que Lula dirigiu a Bolsonaro, o jeito foi duplicar o adjetivo: “Um piccolo piccolo dittatore”um pequeno pequeno ditador.

 

 

The Guardian
O mesmo problema de diminutivos tem a língua inglesa. Na hora de verter o “pequeno ditadorzinho”, o Guardian de Londres escreveu: “Tiny little dictator” – minúsculo pequeno ditador.

 

 

Sud Ouest
O francês Sud Ouest fez a chamada em dose dupla, com réplica e tréplica. Não só o “ditadorzinho” apareceu, mas a “vergonha nacional” também. Falaram então de “petit dictateur” – ditadorzinho e “honte nationale” – vergonha nacional.

 

 

HLN
Já o holandês HLN escolheu outro par de insultos. Afinal, não foi dícil encontrar, tantas foram as ofensas estúpidas e contraproducentes. A chamada incluiu: “klein dictatortje” – pequeno ditadorzinho e “koning der leugens” – rei da mentira.

 

 

Thuner Tabglatt
Mais dramático, o suíço Thuner Tagblatt escolheu palavras impactuosas para descrever o que considerou ‘batalha de lama’: “Pädophil” e “Kannibale”. Dispensam tradução.

 

 

Para travar a língua
A descrição alemã do debate, mostrada nesta última ilustração, traz uma palavra de aspecto assustador: Schlammschlacht. Essa fila indiana de 15 letras comporta apenas 2 vogais para 13 consoantes. Essa massa de letras forma só duas sílabas, acredite. Significa batalha de lama.

Visto de cá, visto de lá

José Horta Manzano

PoteauVisto de cá
Nossos conterrâneos roraimenses vivem no único Estado da Federação apartado da rede elétrica nacional. Por motivos que vêm de longe, um convênio entre Brasília e Caracas prevê que as necessidades elétricas de Roraima sejam supridas pela Venezuela.

O acerto funcionou enquanto certa normalidade reinava no país vizinho. As necessidades energéticas roraimenses não sendo enormes, o fornecimento não costumava gerar problema para os venezuelanos.

Desde que o viés populista ‒ dito «bolivarianismo» ‒ passou a dar as cartas no país caribenho, a situação começou a desandar. Desvios de recursos e sucateamento da infraestrutura provocaram desorganização geral. A energia elétrica destinada a Roraima não escapou dos efeitos do desmonte.

O portal Ecoamazônia nos informa sobre o aperto por que vem passando o meio milhão de habitantes do Estado do Norte brasileiro. Transformaram-se em reféns da crise venezuelana. Estão submetidos ao mesmo racionamento que castiga os hermanos.

Monte Roraima

Monte Roraima

Residências, escritórios, fábricas, cinemas, sorveterias, lavanderias e todos os que dependem da energia elétrica estão contabilizando dores de cabeça e perdas financeiras. Enquanto tudo funcionava, ninguém se preocupou. Agora que os apagões se multiplicam, fica evidente a falta de visão dos que tomaram a decisão de se submeter à dependência estrangeira.

Rede de distribuição não se constrói em 24 horas. Por um bom tempo, nossos conterrâneos ainda hão de sentir os efeitos daninhos de uma escolha pela qual não são responsáveis. Ainda que Roraima não seja um Estado de excepcional importância econômica na União, seus habitantes merecem, como todos os outros, ser bem tratados. Chegou a hora de investir na interligação com a rede nacional.

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Roraima 2Visto de lá
Artigo deste 8 de maio do diário venezuelano El Impulso grita: «Venezuela regala a Brasil electricidad de venezolanos». Na visão de nossos vizinhos, a eletricidade que lhes falta está sendo «dada de presente» ao Brasil.

Reclamam que, enquanto vende energia ao Brasil por preço irrisório, a Venezuela compra eletricidade da Colômbia pelo dobro do valor. Não sou especialista no assunto. No entanto, entendo que trato é trato. Se o preço combinado foi esse, combinado está. Aliás, se alguém não está cumprindo a obrigação no presente caso é justamente a Venezuela.

Viva o bolivarianismo!