Os sinos e os ovos

José Horta Manzano

A maior parte da população do planeta vive fora das regiões tropicais. Está, assim, sujeita a variações climáticas mais acentuadas do que as que conhecemos no Brasil. Por sinal, ao aportar à nova terra, o escriba da esquadra de Pedro Álvares Cabral surpreendeu-se com essa singularidade tropical, que via pela primeira vez. Ao descrever a paisagem a El-Rey, foi elogioso: «E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem».

Nas regiões temperadas do globo, as estações do ano, bem delineadas, imprimem o ritmo e dão o tom. Atividades do dia a dia, hábitos alimentares, maneira de se vestir, de trabalhar e de se divertir variam conforme a época do ano. No inverno, ninguém vai à praia. Aspargos, só em abril e maio, a não ser que sejam importados. Em julho e agosto, não se patina sobre gelo ‒ rinques estão fechados ao público. Em janeiro, ninguém sai à rua em manga de camisa. Férias são tiradas de preferência entre maio e setembro, quando o tempo é mais camarada.

A entrada do Sol no signo de Áries marca o fim do inverno e assinala o equinócio, o período em que dias e noites têm duração igual. Os rigores do inverno se despedem, o que é motivo de regozijo. Não é por acaso que a liturgia cristã fixou a celebração da Páscoa no início da primavera. Há toda uma simbologia por detrás: o renascimento após um período de trevas e de privações.

Ovos pintados à mão ‒ artesanato típico russo

No mundo cristão, até poucas décadas atrás, a quaresma ‒ que coincide com o final do inverno ‒ costumava ser período de penitência e de jejum. Entre o carnaval e a Páscoa, comia-se pouco. No entanto, as galinhas, desde sempre, ignoraram soberbamente todo preceito religioso. Quaresma ou não, continuavam botando. Impedidos de consumir os ovos, os fiéis os conservavam à espera da liberação pascal. Para evitar avaria, os ovos eram cozidos.

Passados os quarenta dias de penitência, a quantidade de ovos armazenados era considerável. Para alegrar os festejos, estabeleceu-se o costume de os colorir antes de oferecê-los como presente. Em certas regiões ‒ como na Rússia e na Europa oriental ‒ a arte de decorar ovos cozidos atingiu grande perfeição. A tradição perdura até nossos dias.

Os sinos das igrejas não tocam entre a Sexta-Feira Santa e o Domingo de Páscoa. Conta a lenda que, nesse período, eles vão a Roma buscar as bênçãos. Ao retornar, trazem também ovos coloridos, que vão deixando cair pelo caminho. No Domingo de Páscoa, a gurizada acorda toda excitada. Correm todos ao jardim à cata dos ovos. É como um repeteco do dia de Natal, desta vez com sinos no papel de Papai Noel.

E por que é que os ovos, hoje em dia, são de chocolate? Porque todo o mundo adora chocolate, ora! Mas primeiro foi preciso descobrir a América e conhecer o cacau, originário da região. Foi necessário também esperar até meados do século 19 para apurar a técnica e encontrar um meio de solidificar o chocolate a fim de obter uma massa maleável. Só então a matéria pôde ser moldada.

O costume de jejuar na quaresma desapareceu. Mas todos fazem questão de se encher de chocolate na Páscoa. Ovinhos e coelhinhos serão sempre bem-vindos.

Usos e desusos

José Horta Manzano

No tempo em que a humanidade vivia de caça, pesca e colheita, não havia necessidade de calendário. A vida da tribo se desenrolava à ventura. Se houvesse que caçar, caçava-se. Se houvesse que colher, colhia-se. Se já nada mais houvesse, levantava-se acampamento em busca de lugar mais generoso.

Essa usança seguiu por milênios, até o homem descobrir que podia controlar a reprodução dos vegetais. Foi um achado e tanto, que abriu as portas da agricultura e, consequentemente, do sedentarismo.

Agricultura 1Técnicas de cultivo desenvolveram-se rapidamente. Cada espécie de planta tinha suas manhas. Esta tem de ser semeada em tal época. Aquela tem de ser podada em tal período. Aqueloutra estará pronta para a colheita em tal estação.

O homem deixou de viver ao deus-dará para seguir as imposições da agricultura. Foi nesse estágio que surgiu a necessidade de contar o tempo, de conhecer com exatidão a época do plantio e da colheita. Os primeiros calendários brotaram dessa exigência.

Ainda que todos concordassem com um ciclo de 365 dias, cada povo organizou o calendário à sua moda. Judeus antigos deram ênfase ao fim das colheitas, quando a terra é posta a descansar. O ano judaico começa entre 5 set° e 5 out°.

Ano-novo chinês

Ano-novo chinês

O zoroastrismo dos persas preferiu situar o início do ano no equinócio de primavera, aquele momento em que dias e noites têm exatamente a mesma duração. No Hemisfério Norte, cai em geral em 21 de março. É o «nowruz» (= dia novo), momento de festa grande. Até hoje, o «nowruz» é celebrado numa quinzena de países que receberam influência da antiga civilização persa.

Na China, foi escolhido outro momento para começar o ano. Faz milênios que ficou combinado que o ano começa exatamente a meio caminho entre o solstício de inverno (21 dez°) e o equinócio de primavera (21 mar). Portanto, cai no começo de fevereiro. Festas e festivais têm lugar nessa época. Fábricas e escritórios fecham, e grande movimento de populações ocorre. Trens e aviões ficam lotados. Embora faça um frio do cão, é momento de férias coletivas. E é bom aproveitar porque, para a (imensa) porção pobre da população, é a única semana de férias do ano.

Janus

Janus

Como os persas, os antigos romanos iniciavam o ano em março, no equinócio de primavera. Foi no império de Júlio César que a data foi transferida para 1° janeiro. Às autoridades, pareceu mais conveniente que o ano começasse no primeiro dia do mês dedicado ao deus Janus ‒ aquele que tem uma cara olhando para o passado e outra para o futuro, simbologia forte. Essa alteração de calendário só foi possível porque Roma, civilização urbana, já não estava tão ligada à lavoura.

Há muitos calendários: o cambodjano, o vietnamita, o muçulmano, o etiópico, o coreano, o hindu e numerosos outros. Assim mesmo, faz séculos que o sistema romano se impôs. Revisto e corrigido em 1582, durante o papado de Gregório XIII, o calendário atual universalizou o 1° de janeiro como primeiro dia do ano civil.

Que 2016 traga a todos saúde, paz e prosperidade. Amém, a nós também.

Primavera em Paris

José Horta Manzano

Estes dias marcam o equinócio – período do ano em que os dias e as noites têm a mesma duração em todos os pontos do globo, inclusive nos polos. Ocorre em torno do dia 21 de março e, de novo, por volta de 23 de setembro.

As regiões temperadas ficam cinco ou seis meses sem folhas, sem sol, sem cores e sem canto de pássaros. As gentes costumam se alegrar com a chegada da primavera.

Photo: Reuters/Philippe Wojazer

Photo: Reuters/Philippe Wojazer

A foto foi tirada faz dois dias em Paris.