Nada como um dia após o outro – 2

José Horta Manzano

O mundo dá voltas. Às vezes, a sociedade enfrenta de novo problemas já vividos no passado. É interessante reparar na solução adotada a cada vez. Trago aqui dois exemplos de repatriação de brasileiros por situação de emergência ocorrida no estrangeiro.

 

 

O Globo, jan° 2020

2020 – Covid
No finzinho de janeiro 2020, a epidemia de covid tinha acabado de estourar na China. Naquelas alturas, ninguém imaginava que, em poucos meses, a infecção se tornaria pandemia global.

Um certo número de brasileiros se encontravam em território chinês, prisoneiros da situação. Com aeroportos fechados e voos cancelados, era impossível sair do país. Não vendo solução, pediram ajuda a nossa embaixada em Pequim.

Bolsonaro era então o presidente da República. Com sua conhecida falta de empatia para com a aflição e o sofrimento alheios, fez corpo duro. Não quis saber de mandar uma aeronave à China pra buscar os conterrâneos aflitos. Botou entraves. Declarou que “Custa caro um voo desses”.

Foi só com muita insistência que um avião saiu, semanas mais tarde, para trazer de volta os compatriotas.

 

 

CNN Brasil, out° 2023

2023 – Palestina
O mundo deu algumas voltas e, de novo, o problema apareceu: brasileiros, apanhados numa situação de emergência no exterior, precisam de ajuda do governo para escapar do perigo e voltar à pátria. Estou me referindo à agressão terrorista do grupo Hamas contra Israel.

Desta vez, a sorte é que temos um presidente normal. O governo anda meio desequilibrado, batendo cabeça o tempo todo, se movimentando feito barata tonta. Sem dúvida, não é o melhor governo que já se viu em nossa terra. Apesar disso, quando se trata de amparar filhos da pátria, as decisões que vêm de cima são normais, exatamente como deveriam ser em qualquer democracia civilizada.

O mundo ainda estava atordoado com o massacre dos invasores, quando Lula mostrou que tinha entendido perfeitamente a urgência da situação. Pediu “prioridade absoluta” na busca de compatriotas impedidos de voltar.

 

 

O sorriso dos resgatados

O voo de volta
Observei algumas fotos do repatriamento. Os resgatados aparecem felizes e sorridentes. Aliás, quem não estaria? Escapar daquele inferno e ainda viajar à custa da Viúva.

Um detalhe me chamou a atenção. Todos (ou quase) parecem vestidos como se estivessem se dirigindo a um comício de Bolsonaro. Pode ser coincidência, mas veem-se camisas da Seleção, camisetas com desenhinhos da bandeira nacional, roupa verde-amarela. Repare que, além do preto e do branco, ninguém está vestido com outra cor que não seja verde, amarelo ou azul. Pra coroar, vi foto de gente que, já em Brasília, desceu do avião enrolada na bandeira!

Seriam bolsonaristas retardatários? É difícil afirmar. Mas uma coisa é certa: tiveram muita sorte de o capitão já não estar do Planalto. Se ele lá estivesse, essa gente ainda estaria em Israel recebendo bombas e mísseis no bestunto.

Mentes embotadas

José Horta Manzano

É impressionante como a ignorância dá filhotes. Não se passa uma semana sem que o Planalto lance nova barbaridade, filha da ignorância. A mancada de hoje bate às portas da crueldade. É negação de um dos princípios básicos da democracia: o Estado tem o dever de amparar os membros mais frágeis da sociedade.

Algumas dezenas de conterrâneos nossos vivem nas cercanias de Wuhan, o ponto central da epidemia de pneumonia viral que está assustando o planeta. Nenhum deles está lá a mando do governo; cada um terá razões pessoais: paixão, estudo ou trabalho. Todos os dias, nossos patrícios veem amigos expatriados sendo recolhidos pelo país de origem. Os EUA, o Japão, a Alemanha, a França, a Espanha, a Bélgica, a Holanda, a Itália, a Suíça e muitos outros já cuidaram de repatriar seus filhos e tirá-los do olho do furacão.

Nossos conterrâneos, sentindo-se abandonados, juntaram-se e produziram um vídeo conjunto, em que rogam ao presidente da República que dê um jeito de tirá-los de lá. Sem ajuda, não conseguem sair. Os transportes estão todos paralisados; nada de trem, ônibus ou avião. Estão de mãos atadas, à mercê da boa vontade de doutor Bolsonaro. Sabem o que ele fez?

Nosso solerte presidente declarou-se «muito preocupado». Foi só. Negou ajuda aos patrícios. Disse que nenhum avião será encomendado pelo governo brasileiro, nem avião da FAB, nem fretado. Alegou que custa muito caro. Tentou escapar da responsabilidade ao explicar que precisa da aprovação do Congresso. (O Congresso não precisou aprovar a requisição do jato da FAB que levou um auxiliar de ministro à Índia – mas essa é uma outra história.)

Bolsonaro encerrou o assunto e matou a charada ao declarar-se receoso de que aquele punhado de expatriados venha contaminar 200 milhões de brasileiros. Não disse, mas todos entenderam: «Foram para esse país comunista porque quiseram; agora, que se virem; não tenho nada que ver com isso.»

Não sei como Donald Trump, Angela Merkel e outros fizeram para evitar contaminar milhões de cidadãos seus ao repatriar os conterrâneos em dificuldade. Deram um jeito. Sei, no entanto, como fez a França. Requisitou uma espécie de colônia de férias, à beira-mar, desocupada nesta época do ano. Conforme vão chegando os franceses vindos de Wuhan, vão sendo acomodados no lugar. Hoje já chegou o segundo avião, com mais uma leva de cento e tantas pessoas. Vão ficar lá por 14 dias, que é o prazo após o qual não há mais risco de contágio. Alimentados e bem tratados, podem circular dentro do perímetro da colônia; só não podem sair. Concordo que não é a maneira mais agradável de passar férias, mas é sempre melhor do que ficar confinado dentro de casa na China.

Os aviões fretados pela França trazem também cidadãos de países vizinhos. Belgas, holandeses e luxemburgueses estão sendo trazidos assim. O Brasil tem vizinhos que, muito provavelmente, têm cidadãos perdidos naquela lonjura. Nestas horas, a prática diplomática ensina que se deve consultar Buenos Aires, Montevidéu, Assunção, Santiago e propor uma ‘rachadinha’ – no bom sentido, naturalmente. Cada uma paga na proporção do número de cidadãos repatriados. O avião faz escala aqui, depois ali e acolá até chegar ao destino final definido pelas autoridades sanitárias brasileiras.

Bom, “isso aí” é o que ocorreria se tivéssemos um governo normal. Desgraçadamente, não temos. Portanto, os conterrâneos desgarrados que se virem, que o governo está se lixando procês.

E parem com essa história, que já deu. Agora, silêncio, porque os graúdos do Planalto estão preparando a próxima live. Pô! Essas picuinhas de brasileiro em país comunista atrapalham pra caramba, taoquei?