Rito de passagem

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 1° março 2014

O senso comum enxerga a evolução como um percurso contínuo, retilíneo e, em princípio, ascendente. A tecnologia, os indivíduos, as ideias, os conceitos progridem. Países e civilizações também. Mas as coisas nem sempre são simples. O mais das vezes, o caminho é lento, as pedras são muitas, há altos e baixos, retrocessos e avanços. Há momentos em que precisa recuar para melhor saltar.

Desenvolvimento não costuma fluir em reta ascendente ― está mais para escadaria que para rampa. Desde tempos imemoriais, os humanos intuíram que a evolução se dá por patamares. Estabeleceram ritos de passagem. Tradições religiosas e leis seculares definem o momento em que o indivíduo é considerado apto a galgar mais um degrau.

Na impossibilidade de aferir o grau de desenvolvimento de cada fiel, o legado judaico-cristão fixou uma idade a partir da qual é permitido passar a estágio superior. A lei retomou essa mesma noção de avanço por patamares. Estabeleceu-se que certas idades são mais significativas que outras. É o caso dos 7 anos, dos 14, dos 18, dos 21. A cada um desses degraus, corresponde o abandono de um estágio e o acesso a um grau mais elevado.

Mas toda mudança implica um momento de transição. Em alguns casos, a passagem ao novo estatuto é rápida, fluida, indolor, imperceptível. Já em outros, a metamorfose é lenta, hesitante, penosa. Isso tanto vale para indivíduos quanto para sociedades, países e civilizações.

Os gregos antigos valeram-se do radical «kríno» para referir-se a essas fases agudas em que é preciso retroceder para avançar melhor. Da raiz grega, herdamos um vocábulo já quase gasto de tanto uso: a crise.

Embora se atribua hoje um sentido negativo a esse termo, a crise, no sentido originário, é o momento que separa duas maneiras de ser ― uma antiga e uma nova. Quando uma pessoa ou uma instituição passa por uma crise, temos tendência a prestar mais atenção aos sintomas do que ao horizonte novo que se está descortinando. É postura compreensível, mas pouco perspicaz.

Psicólogos estão familiarizados com a crise da adolescência. Astrólogos conhecem os solavancos que o returno de Saturno causa a quem passa pela crise de seus 28-29 anos. No entanto, quando um país inteiro atravessa um momento de crise, temos mais dificuldade em analisá-la racionalmente. Conceda-se o desconto: crises de adolescência e eventos estelares são mais frequentes que transformações nacionais.

Acredito que nós, brasileiros, andamos exagerando no pessimismo. Anda muito difundida a percepção de que a ladeira que estamos descendo nos conduzirá a uma inevitável catástrofe. Não é um sentimento produtivo.

Depois da tempestade, vem a bonança

Depois da tempestade, vem a bonança

É verdade que os tempos atuais são estranhos. É verdade que a violência se tornou tão banal que já deixou de ser notícia ― só aparece no jornal se o falecido tiver sido pessoa importante, se não, nem nota de rodapé vai merecer. É verdade que a corrupção, que levava vidinha recatada e discreta desde 1500, passou a se exibir, despudorada, como se instituição nacional fosse.

É verdade que não é mais necessário ser doutor em Ciências Políticas para se dar conta de que a governança anda errática, que promessas não se cumprem, que se aplicam emplastros em perna de pau. É verdade que protestos de rua se avolumam, cada vez mais descontrolados. É verdade que barbáries que nenhum filme de horror ousaria imaginar ocorrem dentro de cadeias. É verdade que autoridades de alta patente se desafiam, com gestos vulgares, diante de câmeras de tevê ― e que tudo fica por isso mesmo.

É assustador? Sem dúvida. A percepção de caos tem-se acentuado? Tem. É sinal do fim dos tempos? Depende.

Se, por «fim dos tempos», nos referimos ao fim de uma era, a resposta é afirmativa. Mas temos de aguentar mais um pouco, que não chegamos ao fim da ladeira. Para erguer um futuro mais civilizado, há que esconjurar o passado e consumi-lo até a última gota. Nosso país está atravessando, aos trancos, uma crise. Fazemos mal em passar nosso tempo a nos lamuriar. Mais vale olhar para a frente e preparar um futuro menos nevoento.

Se já atingimos o paroxismo? Se já tocamos o fundo do poço? Ninguém sabe. Talvez ainda falte um bocado, pouco importa. Sobre os erros do passado, constrói-se a sabedoria do futuro. Vamos dar aos acontecimentos a relevância que eles têm. O importante não é a crise atual ― dela sairemos qualquer dia destes. Fundamental é entender que este rito de passagem nos está fazendo subir um degrau na escala da civilização. Ânimo, minha gente!

Previsões para a Copa

José Horta Manzano

A Copa do Mundo de Futebol, para quem não se deu conta, já começou faz uns dois anos. As 32 equipes que evoluirão este ano nas «arenas» (=estádios) do Brasil estarão disputando a fase final. O torneio começou com as eliminatórias regionais, das quais participaram perto de 200 países.

Os que integram a fase final são já uma elite, visto que 5 em cada 6 pretendentes já foram desclassificados. Para a maioria dos times nacionais, o objetivo era chegar a essa fase, ou seja, ganhar a passagem para o Brasil. Já se dão por satisfeitos de o terem conseguido. Outras equipes são mais ambiciosas e fixam a meta um bocadinho mais além: fazem de tudo para chegar às quartas de final, glória suprema.

Pelo que tenho constatado, nenhum país ousa declarar que tem como objetivo «ganhar» a Copa. É claro que todos os torcedores ficariam felizes se seu time nacional fosse campeão. Mas chegar às quartas de final já é façanha considerada de bom tamanho. Ninguém se arrisca a falar abertamente em levar o caneco.

Na cabeça do torcedor brasileiro, as coisas não funcionam exatamente assim. O objetivo é um só: ganhar o campeonato e levar a taça para casa. Terminar em segundo lugar ― o segundo entre 200 nações! ― é considerado, entre nós, um fracasso. Ficar em terceiro, então, é catastrófico. Menos que isso é vergonha nacional.

Por que isso acontece? Quem tiver uma explicação, que me diga. Confesso que não sei.

Interligne 18e
Sonia Racy colheu as costumeiras previsões para o novo ano formuladas por especialistas em tarô, numerologia e astrologia. A mesma série de perguntas foi feita a cada um deles. Entre as respostas, estão evidências que dispensam estudos esotéricos: haverá furacões, inundações, terremotos, manifestações populares durante a Copa, escândalos políticos. Para isso, dispensamos prevedores.

Já em outros assuntos, os três especialistas não conseguiram entrar em acordo. Há quem aposte na reeleição de mandatários atuais, há quem jure que serão varridos pelos eleitores. A ver. (Ou “haber”, como me escreveu uma vez um amigo espanhol. Não imite, que está errado, hein!)

Um tema, no entanto, uniu a predição dos três especialistas: o Brasil não será campeão de futebol.Copa 14 logo 2

O tarólogo foi pouco incisivo, mas bastante claro:
«O brasileiro costuma cantar vitória antes da hora (é pretensioso), e a pretensão é a maior inimiga da vitória».

A numeróloga foi direto ao ponto:
«Haverá uma queda de confiança na equipe, que levará o Brasil a perder a Copa».

E o astrólogo martelou um golpe seco e sem dó:
«O Brasil terá grande atuação, mas não vencerá».

É isso aí, minha gente. Melhor ir-se conformando.

Clique aqui se quiser ler a integralidade das previsões.