José Horta Manzano
A Irlanda do Norte é um caso muito sério. É um país, pero no mucho. São seis pequenos condados que, agrupados, formam hoje «nação constitutiva» do Reino Unido. Congregando, grosso modo em partes iguais, cidadãos protestantes e cidadãos católicos, a região sempre foi um barril de pólvora pronto a explodir à primeira faísca.
O país vive fragmentado entre as duas comunidades. Por um lado, os católicos não se oporiam à ideia de a província passar a fazer parte da República da Irlanda. Por outro, os protestantes, temendo tornar-se minoria desprezível, aferram-se à coroa britânica e preferem continuar firme como súditos da rainha Elisabeth II.
Desde sempre, as práticas religiosas falaram mais alto que a língua, a história e a cultura comuns. A contar dos anos 1970, emboscadas e atentados tingiram de sangue o quotidiano. A região entrou em convulsão e caiu num círculo vicioso: a violência atiçava o ódio, que nutria a violência. Era impossível antever o fim das hostilidades. Permanecendo as causas, é natural que o efeito permanecesse.
A entrada conjunta na União Europeia da República da Irlanda e do Reino Unido (incluindo a Irlanda do Norte) foi passo importante para a pacificação da região. De repente, Grã-Bretanha, Irlanda e Irlanda do Norte integravam uma entidade maior, supranacional. A ficha até que demorou a cair, mas lá pelo fim do século XX, cansados de guerra, católicos e protestantes norte-irlandeses chegaram a uma trégua que já ninguém ousava esperar. Embora a desconfiança mútua perdure, já faz duas décadas que parecem ter aprendido a conviver.
Eis senão quando… uma infeliz decisão britânica vem perturbar a paz da região. Refiro-me ao plebiscito que deu origem ao Brexit ‒ a saída do Reino Unido da União Europeia. Para a Irlanda do Norte, é terrível desastre. Quarenta anos de união aduaneira haviam apagado a noção de fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte. As gentes e as mercadorias passavam de um lado para o outro sem pedir licença. Até os postos de fronteira haviam desaparecido.
Depois do Brexit, as duas Irlandas vão voltar ao statu quo ante bellum, ou seja, à situação em que se encontravam antes da adesão à UE. Voltam a ser países separados. Dado que uma das Irlandas permanece na UE enquanto a outra vai embora, a fronteira entre elas torna-se fronteira exterior da Europa. Uma tragédia!
O potencial explosivo da nova situação é tão forte que está emperrando o acordo de divórcio entre o Reino Unido e a UE. Irlandeses ‒ do norte e do sul ‒ gostariam que a fronteira continuasse como está: invisível, permeável, aberta e amiga. Mas a União Europeia não pode admitir que sua fronteira externa, ainda que seja num curto trecho, esteja desguarnecida.
O dilema é cabeludo. Ninguém sabe qual será a solução. Seja ela qual for, descontentará uma das partes e deixará sequelas.