Myrthes Suplicy Vieira (*)
Quem mais qualificado haveria para ler a alma nacional, ajudar a reverter as fragilidades e estimular os pontos fortes de nossos concidadãos?
Quem mais preparado para apontar os vícios nacionais, colocar a nu nosso complexo de vira-lata, nosso viés de colonizados, nosso amadorismo, nossa eterna dependência emocional das figuras de autoridade?
Quem mais estudado para identificar aquilo que nos motiva na busca por autonomia e prosperidade e aquilo que nos atrapalha na hora de consolidarmos nossas conquistas?
Quem mais perspicaz para alertar a nação quanto aos efeitos deletérios da eleição da economia como prioridade máxima e da colocação do bem-estar das pessoas a reboque das oscilações financeiras nacionais e internacionais?
Quem mais apto para mostrar que, acima e além da cultura, reside um bicho-homem dentro de cada um de nós? Um bicho que, é verdade, se comporta de acordo com as normas ensinadas de gênero, idade, classe social, raça, crença religiosa e princípios morais mas um bicho que também, como qualquer outro mamífero, manifesta seu instinto gregário, seu desejo de cooperação mútua, seus anseios de liberdade?
Quem mais apropriado para retirar o véu da hipocrisia e ensinar que só almas doentes querem controlar os passos dos outros, impor opiniões, impedir a alegria das descobertas próprias? Para revelar sem meias palavras que, por trás da violência, do vandalismo, do desejo de destruição, há sempre alguém que foi negligenciado socialmente, abusado emocional ou fisicamente?
Quem mais consciente do fato de que nossa imensa diversidade étnica e ecológica constitui o grande trunfo do país? Quem mais isento para mostrar que toda e qualquer divisão entre diferentes é só um estratagema político perverso? Quem mais sagaz para revelar que atos falhos são apenas rupturas momentâneas de nossa censura interna causadas pelo acúmulo de pressão e que, assim, deixam escapar o que se nos vai na alma?
Pensando bem, talvez fosse melhor eleger um psicólogo para um alto cargo no legislativo. Sabemos todos que os psicólogos são muito bons para teorizar mas nem sempre alcançam a excelência na implementação de suas ideias. Mais inquietante, quando falham no teste de realidade, alcançam o virtuosismo para apresentar explicações e justificações. Talvez suas contribuições fossem mais significativas se se limitassem a iluminar a mente daqueles que têm o dever constitucional de criar as leis e zelar por seu cumprimento.
Aprofundando um pouco mais o raciocínio, talvez a colocação ideal para um psicólogo fosse a de ministro-chefe do Supremo. Só dessa forma se poderia garantir que, quando houvesse algum embate entre forças políticas opostas ou entre membros do executivo e do legislativo, a causa vencedora viesse embalada pelo douto saber, apartado das paixões humanas.
Mas, espere um pouco, acabo de me dar conta: conhecimento não é sinônimo nem de ação nem de caráter! Concluindo, proponho que todo e qualquer candidato a cargos eletivos seja compulsoriamente submetido a alguma forma de processo psicoterapêutico…
Ah, meu velho e querido Machado, desculpe-me o surto de infantilidade. Já estou pronta a me internar no manicômio mais próximo.
(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.