Entra, sortudo

Dad Squarisi (*)

Quem quer? Nove em cada 10 brasileiros levantam a mão. Querem entrar no serviço público. A Constituição de 88 lhes deu um senhor estímulo. Tornou QIs & companhia apadrinhada práticas obsoletas como carteiradas e crachás de autoridade. A única porta de acesso é a seleção aberta a todos os interessados. Só os melhores entram.

A novidade despertou ambições. Criou a indústria dos concursos. Cursos preparatórios enriquecem empresários de norte a sul do país. Não são poucos os candidatos que abandonam o emprego e se dedicam aos estudos em tempo integral. Viraram profissionais. Concursandos passaram a ser chamados de concurseiros.

Concurseiro

Concurseiro

Nada mau. O Estado precisa de profissionais qualificados pra responder aos desafios de uma administração cada vez mais complexa. Recrutá-los com base na meritocracia, porém, tem sido tarefa turbulenta. O pomo da discórdia reside no processo de seleção. Falta seriedade e sobra amadorismo em entidades que organizam o certame.

Falhas em editais, organização e aplicação das provas constituem regra. Com frequência batem à porta da polícia e acabam na Justiça. O mais grave, porém, é a qualidade da cobrança. Qual a relevância, em concurso para nutricionista, saber o estado de origem da Luiza, garota que teve 15 minutos de fama na internet? Ou a frase final do livro sobre os affairs de Bill Clinton na Casa Branca?

As questões tropeçam em conteúdo e forma. Malformuladas, trombam de frente com a clareza e atropelam vírgulas, concordâncias, regências, colocações. A correção não fica atrás. Enchergar, trousse e rasoavel fazem a festa com receitas de miojo e nós pesca o peixe . Resultado: passa o sortudo. O injustiçado chora. Faz companhia ao contribuinte, que paga e não leva. Reclamar ao bispo? Qual o quê! Melhor engrossar o grito das ruas.

(*) Dad Squarisi, formada pela UnB, é escritora. Tem especialização em linguística e mestrado em teoria da literatura.