José Horta Manzano
Estava lembrando hoje de como era quando não havia foto digital. A gente batia as chapas, mandava o rolo de filme para a revelação e só alguns dias depois é que descobria como tinham saído as fotografias. Havia surpresas. Uma foto saía tremida. Outra, esbranquiçada. Um personagem aparecia de olhos fechados e outro, com a boca torta. Uma vassoura, esquecida num canto, estragava uma chapa, enquanto o gato no peitoril da janela enfeitava uma outra. Era assim.
A tragédia que destruiu o Museu Nacional agiu como revelador. Trouxe à luz do dia uma impressionante situação de descalabro. O filme está chamuscado e muita gente saiu com a boca torta. Quase ninguém sabia que o museu dependia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e não do Ministério da Cultura. Muito raros tinham conhecimento de que a cúpula da universidade é composta de militantes do Psol, partido extremista cujo ideário excludente está a anos-luz do ideal universitário, abrangente por definição.
A relegação de uma das joias da coroa ‒ o Museu Nacional ‒ a uma posição humilde na estrutura hierárquica do Estado brasileiro mostra a pouca importância que se lhe atribuía. De fato, o museu dependia de uma universidade, que dependia de um ministério, que dependia do Executivo. No organograma das prioridades, o museu estava em posição subalterna. Deu no que deu.
Por desgraça, justamente o diamante da coroa se arruinou. É catastrófico, mas a vida tem de continuar. O diamante se foi, mas ainda restam rubis, safiras e esmeraldas. É importante que a tragédia do Museu Nacional sirva de lição e leve a enérgica tomada de decisões. Não é conveniente que instituições desse calibre sejam entregues a entidades instáveis.
Reitoria universitária não é estável. Está sujeita a sofrer as consequências do descontentamento de alunos. Protestos e greves podem provocar queda de dirigentes. Vira e mexe, isso acontece.
Ministério tampouco é estável. Durante um mandato presidencial, é comum ver ministro sendo substituído a toda hora, num rodopio vertiginoso e opaco. Cada novo ocupante traz as próprias ideias, que podem não ser compatíveis com o amparo que se deve oferecer a museus & similares.
No limite, a Presidência da República é orgão (relativamente) estável. Salvo em caso de impeachment, o titular permanece quatro anos, tempo razoavelmente longo. Uma opção seria amarrar as joias da coroa diretamente à Presidência. Pode não ser a melhor solução, mas já estará melhor que agora.
O ideal mesmo será criar fundações de direito privado especificamente dedicadas ao cuidado de cada uma das joias. A Biblioteca Nacional, o Arquivo Nacional, a Escola Nacional de Música, o Museu Paulista estão em primeiríssima linha. Sem contar as outras centenas de objetos que constituem nosso patrimônio arquitetônico e cultural. Somente uma gestão limpa e transparente poderá angariar apoio, popularidade e principalmente doações nacionais e estrangeiras.
Em resumo, algo tem de ser feito quanto à posição dessas instituições no organograma do Estado. Do jeito que está, não é possível continuar. Qual é o mecenas que ousaria abrir a bolsa pra pôr dinheiro numa instituição gerida por uma panelinha de extremistas?