Barcelona e os atentados

José Horta Manzano

Nestes últimos cinquenta anos, nenhum país europeu sofreu tantos atentados quanto a Espanha. Os mais jovens talvez não se deem conta, mas o violento bando separatista ETA (Euskadi ta Askatasuna = País Basco e Liberdade), especialmente ativo nos anos 70, 80 e 90, terrorizou a nação ao cometer mais de 700 atentados, que deixaram centenas de mortos e milhares de feridos.

O grupo combatia o governo central espanhol e batalhava pela independência das províncias bascas ‒ região de Bilbao, San Sebastián e Biarritz (França). Noventa porcento do território basco se situa na Espanha e os dez porcento restantes, na França. A organização está hoje praticamente extinta. Mataram muita gente, causaram muita desgraça, mas não conseguiram o que queriam.

Esquema do atentado mais espetacular perpetrado por ETA. Foi em 1973, quando forte quantidade de explosivos projetou o carro do chefe do governo espanhol a uma altura de 30 metros.
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Em meio século de experiência em matéria de ataques terroristas, a polícia espanhola desenvolveu técnicas específicas, especialmente de prevenção de atentados. Uma vez explodida a bomba, é tarde demais. É importante agir a montante, na origem, antes que o atentado seja perpetrado. Por mais prática que tenha, nenhuma polícia será capaz de prevenir todos os atentados, mas o exercício constante contribui para inibi-los.

Estes últimos anos, tem-se exacerbado um sentimento nacionalista na Catalunha, região autônoma com território pouco mais extenso que o do Estado de Alagoas, povoada por sete milhões e meio de almas. A cidade capital é Barcelona. Dado que a Catalunha exibe um dos PIBs mais elevados da Espanha, seus habitantes têm a impressão de servir de locomotiva e de trabalhar para sustentar o resto do país.

Não se dão conta de que esse «resto do país» é justamente seu maior cliente. Não percebem que uma eventual (e improvável) independência lhes traria muito mais problemas do que vantagens. O «resto do país», por certo, não lhes facilitaria a existência. Muitas indústrias catalãs abandonariam o recém-criado estado para estabelecer-se na Espanha. Dificilmente seriam aceitos pela União Europeia, visto que o ingresso de novos membros depende de aceitação unânime e a Espanha, imagina-se, votaria contra.

Bandeira independentista da Catalunha

A hostilidade entre Catalunha e as demais regiões tem crescido nos últimos anos. Uma das consequências é o menor entrosamento entre a polícia nacional espanhola e a polícia local catalã. Quando o contacto é tenso, problemas aparecem, a linha crepita e a circulação da informação sofre. Seria exagerado afirmar ser essa a causa principal de os recentes atentados terem sido planejados e executados em território catalão. Há outras razões. Assim mesmo, um bom entrosamento entre forças policiais sempre ajuda.

Daqui a mês e pouco, as autoridades catalãs vão organizar um plebiscito ‒ não autorizado por Madrid ‒ para consultar os habitantes sobre a independência. Os recentes atentados devem levar alguns eleitores à conclusão de que a união faz a força. Essa reflexão os pode impelir a votar pela união. Será decisão sensata.

Com a Escócia

José Horta Manzano

A voz da razão prevaleceu, melhor assim. Certas coisas fazem sentido, outras, não. Não fazia sentido a Escócia apartar-se do Reino Unido. A meu ver, tirando o orgulho de ter um país pra chamar de seu, todos saíam perdendo nessa história. Sentimentos nacionalistas têm lugar e hora ― não era hora nem lugar.

Embora ache que os escoceses tenham feito a escolha certa, compreendo o anseio que certos territórios acariciam de deixar de fazer parte de determinado Estado. É o caso da Ucrânia oriental, principalmente a região de Donetsk e Lugansk. São territórios tradicionalmente povoados por russoparlantes.

Regiões europeias onde vigora sentimento separatista

Regiões europeias onde, segundo certas fontes, vigora sentimento separatista

Enquanto a União Soviética esteve de pé, pouco importava a que «república» pertencesse o território. De toda maneira, as ordens vinham de Moscou. As quinze repúblicas que formavam União estavam lá pra inglês ver. Tinham menos valor ainda que os Estados que compõem a cambaleante «federação» brasileira.

No dia em que a valente URSS se despedaçou, os problemas vieram à tona. Os russos, que formam a maioria dos habitantes de certas regiões da Ucrânia, tornaram-se, da noite para o dia, estrangeiros. Está aí a semente da briga atual.

É compreensível que os países europeus se unam na defesa das atuais fronteiras russo-ucranianas, ainda que, artificiais, elas não respondam a critérios étnicos e linguísticos. Se abrirem exceção para o leste ucraniano, estarão abrindo as comportas para reivindicações identitárias e independentistas dentro de suas próprias fronteiras. E a Europa está polvilhada por regiões, grandes ou pequenas, que sonham em ser países autônomos.

Regiões europeias onde vigora sentimento separatista

Regiões europeias onde, segundo outras fontes, vigora sentimento separatista

O Norte da Itália tem anseio de tornar-se independente. O novo Estado já tem até nome: Padânia, em alusão ao Rio Po, coluna dorsal da região. Córsega, País Vasco, Catalunha, Tirol do Sul, Transnístria são territórios que, há tempos, reivindicam independência ou autonomia.

A força do sentimento secessionista em cada região varia segundo as fontes. Mas é compreensível que, uma vez abertas as porteiras, a manada tenda a estourar. No fundo, foi bom que os escoceses tenham sido comedidos. Mais vale não bulir com gato que está dormindo.