O país onde a vida é mais cara

José Horta Manzano

Caixa registradora 1Segunda-feira passada, por ocasião da abertura da primeira loja da firma Apple na América Latina, o conceituado jornal Le Monde publicou um longo artigo sobre o custo de vida no Brasil. O título já diz muito: «Brésil, le pays où la vie est plus chère» ― Brasil, o país onde a vida é mais cara.

Nicolas Bourcier, o articulista, faz comparação entre o custo de alguns bens no Brasil e no exterior. Diz que um iPhone 5S versão 16 Go, o atual objeto de desejo, sai por 2799 reais, equivalentes a 868 euros. O mesmo artigo custa 634 euros na China e apenas 472 nos EUA.

Por que a diferença? Impostos? Custo de importação? Qual nada! Nenhum argumento se mantém diante de disparidade de preço tão escancarada. É pura esperteza de quem comercializa o produto. Sabem que, pouco importa o preço, os clientes farão fila, se necessário, para comprá-lo. Por que, então, não aproveitar? É um caso típico de abuso de ingenuidade.

O artigo aponta outras distorções. Diz que o Brasil está entre os 10 maiores mercados de smartphones, com cerca de 50 milhões de usuários que pagam tarifas elevadas. Segundo a UIT (União Internacional das Telecomunicações), o custo de uma chamada, que chega a atingir 0,54 euro por minuto, está entre os mais elevados do mundo. No Brasil, a console Xbox (Microsoft) se vende mais caro que em qualquer outro país.

Carros e eletrodomésticos custam pelo menos 50% mais do que na maioria dos outros países. Para pequenos objetos de uso diário, como aparelhos de barbear e brinquedos, a diferença é às vezes maior ainda.

A agência de viagens virtual TripAdvisor indica que 24 horas em São Paulo ou no Rio de Janeiro custam mais que uma noite em Londres ou em Zurique. Sem falar no período da «Copa das copas» evidentemente.

The Economist, respeitada publicação britânica que bolou o divertido índice BigMac, posiciona o sanduíche brasileiro no alto de sua escala de preços, apenas precedido pela Noruega e pela Suíça.Caixa registradora 2

O articulista dá outros exemplos de aberrante disparidade entre preços e salários tupiniquins. Na origem dessas deformidades, Bourcier menciona o «custo Brasil» ― noção que, inexistente na Europa, tem de ser explicada. Aponta ainda as promessas nunca cumpridas de reformas estruturais. Fala do peso sufocante da fiscalidade direta e, principalmente, indireta.

A corrupção não passa despercebida ― como poderia?

O fecho do artigo é a lembrança de que, em 2010, Steve Jobs se havia recusado a abrir uma loja no Rio. A razão alegada, à época, era a política fiscal, julgada «excessiva». Hoje, a loja Apple está de portas escancaradas. Os impostos não mudaram, mas os preços, enormemente.

Para ler o original (em francês), clique aqui.

Em estado de dúvida

José Horta Manzano

Estádio é estádio. Arena é arena. Picadeiro é picadeiro. Palco é palco. Palanque é palanque. Não viria à ideia de ninguém dizer que a peça de teatro será apresentada no picadeiro do teatro. Não seria concebível relatar que, para pronunciar seu discurso, o candidato subiu à arena. Ficaria ridículo contar que o jogo de vôlei teve lugar no palanque.

Picadeiro é termo ligado ao circo. Palco traz à mente o teatro. Palanque lembra imediatamente um comício político. Arena é expressão intimamente conectada a tourada, corrida de bigas, luta de gladiadores. Estádio é construção ― geralmente de grandes dimensões ― onde se praticam esportes atuais, entre os quais o futebol.

O povo brasileiro, sabe-se lá por que, sempre foi bastante permeável a modismos vindos do estrangeiro. Cem anos atrás, a linguagem era recheada de palavras e expressões francesas, a língua de cultura da época. Hoje é vez do inglês. Amanhã, só Deus sabe o que virá.

Há neologismos bem-vindos. Quando falta uma palavra em nosso vocabulário, por que não adotar aquela que já nos vem prontinha do exterior? Comprar feito é tããão mais fácil que inventar um similar nacional, não é mesmo? No entanto, há modismos que perturbam. Um deles, muito em voga atualmente, é o surpreendente e repentino abandono do tradicional termo estádio, substituído pelo bizarro arena.

Será que os brasileiros logo estarão dizendo que, domingo que vem, vão à arena assistir a um jogo? Pode ser, melhor não botar a mão no fogo. Os franceses são mais duros na queda. Naquele país, ninguém jamais em tempo algum conseguiria impor uma novidade desse calibre. Stade continua significando estádio. Arènes (que é normalmente usada no plural) é a palavra empregada para designar um campo de touradas.

Le Monde ― o jornal mais prestigioso da França, traz, em sua edição datada de 12 dez° 2013, artigo de Nicolas Bourcier sob o título Le Brésil au stade du doute. A expressão contém um jogo de palavras. Stade tanto significa estádio como estado (=situação). Portanto, tanto se pode traduzir por O Brasil em estado de dúvida, como por O Brasil no estádio da dúvida. Trocadilhos e brincadeiras com palavras são comuns na imprensa francesa.

O texto, naturalmente, tece considerações sobre a próxima Copa do Mundo e sua organização. Menciona o espetáculo horripilante que se viu recentemente num estádio de Joinville. Fala também do acidente que dizimou uma parte do estádio dito Itaquerão. Relata atraso na construção dos estádios de Curitiba, Manaus e Cuiabá. Para coroar, conta que a previsão de custo das construções esportivas teve aumento de um bilhão de reais de um ano para cá. Diz ainda que o total de investimentos em infraestrutura deve ultrapassar os 25 bilhões de reais. No finalzinho do escrito, fica no ar uma dúvida maliciosa sobre a serenidade do clima no qual ocorrerá o megaevento do ano que vem.

O artigo de página inteira está engalanado por vários desenhos humorísticos. Estão aqui abaixo.

Le Monde ― 12 dez° 2013 página inteira

Le Monde ― 12 dez° 2013
Artigo completo

Interligne 28a

Le Monde ― 12 dez° 2013 O texto

Le Monde ― 12 dez° 2013
O texto

Interligne 28a

Le Monde ― 12 dez° 2013 "Ainda bem que estão todos em frente à tevê!" by Mix & Remix, desenhista suíço

Le Monde ― 12 dez° 2013
“Não vejo a hora em que eles se sentem todos em frente à tevê!”
by Mix & Remix, desenhista suíço

Interligne 28a

Le Monde ― 12 dez° 2013 by Payam Borumand, desenhista iraniano

Le Monde ― 12 dez° 2013
by Payam Borumand, desenhista iraniano

Interligne 28a

by Boligan, desenhista mexicano

by Boligan, desenhista mexicano

Interligne 28a

by Nicolas Vadot, desenhista franco-britânico

O custo da Copa 2014  –  by Nicolas Vadot, desenhista franco-britânico

Interligne 28a

by Marcelo de Andrade, cartunista da Folha de São Paulo

by Marcelo de Andrade, cartunista da Folha de São Paulo

Interligne 28a