Guarda Pontifical

José Horta Manzano

O território suíço é pouco propício à agricultura. No fim da Idade Média, conforme a população aumentava, as magras colheitas foram se tornando cada vez mais insuficientes para alimentar a todos.

Essa é a razão principal para o êxodo de homens suíços em idade de portar uma arma. Iam trabalhar como soldados mercenários ao serviço de reis e príncipes por toda a Europa. Eram excelentes militares, sérios e dedicados, daí nunca lhes faltarem propostas.

A contratação de soldados suíços para garantir a proteção dos palácios papais data dessa época. Foi papa Júlio II que contratou, em 1505, um batalhão de mercenários suíços para proteger o Vaticano.

De lá pra cá, a Suíça venceu a miséria e seus cidadãos não foram mais obrigados a deixar o país para lutar em guerra alheia. Pouco a pouco, todos os batalhões helvéticos foram desaparecendo. A Guarda Suíça do Vaticano é a derradeira unidade de soldados que ainda lembra aqueles tempos antigos.

A quantidade de guardas suíços a serviço do papa variou através dos séculos. Atualmente, são 135 militares. Uns dizem que é o menor exército do mundo, enquanto outros rebatem afirmando que a Guarda Suíça é apenas um batalhão de polícia. São questões semânticas.

Os guardas têm por missão securizar as entradas do palácio apostólico, da secretaria de Estado e dos apartamentos privados do papa. A segurança privada do papa é o ponto que concentra todas as atenções.

Para se candidatar às funções de guarda, o pretendente precisa ser cidadão suíço, de sexo masculino, solteiro no momento da admissão, de confissão católica; precisa ter reputação imaculada, medir 1,74m ou mais de altura, ter entre 19 e 30 anos de idade. Precisa ainda ter completado a escolaridade obrigatória e ter feito o serviço militar suíço.

A seleção é rigorosa. O pároco do lugar de habitação do candidato será interrogado e deverá confirmar por escrito que o jovem é bom praticante e goza de reputação sem mancha. As primeiras entrevistas são realizadas na Suíça e podem durar mais de 5 horas. O postulante tem de conhecer bem o alemão, que é a língua oficial da Guarda; o conhecimento de outras línguas conta pontos.

O jovem é contratado por dois anos. O trabalho inclui casa, comida, roupa lavada e mais um salário mensal de 1.200 euros (R$ 7.700). Quem vê o uniforme característico, que aparece atualmente em todas as imagens, pode até pensar que é o desenho original, aquele de 1505. Não é bem assim. A vestimenta atual foi criada um século atrás.

As longas lanças (piques) e as alabardas com que os militares desfilam são objeto decorativo para turista fotografar. Em matéria de arma, eles não estacionaram na Idade Média. Estão treinados a utilizar pistolas Glock 19, fuzis de assalto SIG-550 e metralhadoras HK MP7, assim como spray de pimenta. Além disso, todos têm treinamento de esportes de combate.

Aceita um passaporte?

José Horta Manzano

Se o distinto leitor faz parte dos ingênuos que acreditavam que passaporte diplomático é expedido unicamente para diplomatas em missão no exterior, perca as ilusões. Entre os detentores de passaporte diplomático ou oficial, diplomatas são pequena minoria. Na realidade, toda a casta do andar de cima tem direito garantido a receber um desses dois documentos. São milhares de pessoas, que não necessariamente viajam a serviço do país.

Entre outros cidadãos, podem solicitar passaporte diplomático ou oficial os que se enquadrem nas seguintes categorias:

  • Presidente, vice-presidente e governadores
  • Senadores e deputados federais
  • Ministros do STF, do TSJ e do TCU
  • Servidores da administração direta em missão oficial
  • Servidores de todas as autarquias federais e estaduais, ainda que não estejam em missão oficial

Se, aos servidores, adicionarmos mulher e filhos, são muitos milhares de privilegiados.

Um mortal comum tem de pagar mais de 250 reais pelo passaporte normal. Já o documento diplomático que, pela importância simbólica, deveria custar mais caro, sai de graça para o titular. Pagamos nós.

Em se tratando de funcionário não diplomático, o passaporte deveria ser válido pelo tempo que durará a missão. Se, por exemplo, um grupo de deputados viaja à China por dez dias, cada parlamentar deveria receber passaporte válido para a China e por dez dias. Na prática, no entanto, não funciona assim. Os documentos são expedidos com validade de 2 ou até 4 anos, independentemente da duração da missão. Ora vejam!

Tirando diplomatas de carreira, que deixam o país com a família e partem para longas missões, os demais não levam necessariamente familiares. Se decidem levar a família a tiracolo para um giro turístico, isso deveria ser problema deles. Mas nossa administração é generosa. Passaportes diplomáticos ou oficiais válidos por anos são concedidos a granel: ao titular, à esposa, aos filhos e a eventuais dependentes.

Ah, que perca as ilusões também quem tinha esperança de que a chegada de novos parlamentares estreantes fosse pôr freio a esses desequilíbios dignos de outras eras. O Globo informa que, só durante o mês de fevereiro, atendendo à solicitação de Suas Excelências, a Câmara Federal concedeu 78 passaportes diplomáticos a parlamentares mais 77 aos respectivos cônjuges e filhos.

Antes da eleição, é fácil pregar a moralização de práticas tortas. Na hora agá, a conversa muda. Nas trevas dos velhos vícios, ainda não se enxerga luz no fim do túnel.

PS
Passaporte oficial e diplomático não trazem grande vantagem ao titular. Em princípio, permitem furar fila, só que esse costume de dar carteirada é desconhecido em terras mais civilizadas. O que esses passaportes especiais fazem, no fundo, é afagar o ego do detentor. O bobão se sente importante como um potentado africano.