O bode na sala

Carlos Brickmann (*)

Dizem que há muitos anos, numa região muito pobre, um lavrador vivia com a enorme família numa casa minúscula, quase em ruínas. Um dia, ele se queixou ao padre da aldeia da vida que levava: a família toda vivia reclamando das más condições e do pouco espaço da casa, mas como mexer nisso sem dinheiro?

O padre o aconselhou: leve seu bode para dentro de casa, e daqui a uma semana voltamos a conversar. O lavrador obedeceu. Na semana seguinte, voltou dizendo que tudo estava muito pior: o espaço tinha diminuído, o bode destruía o que podia e ainda cheirava pior que as histórias de compra de vacinas. O padre lhe disse: tire o bode de dentro da casa. Dois dias depois, o lavrador agradeceu ao padre: sem o bode na sala, todo mundo estava mais feliz, se sentia melhor, e as queixas tinham virado elogios.

Essa história de o fundão eleitoral passar de R$ 2 bilhões (o que já é um despropósito) para R$ 5,7 bilhões não é igualzinha a botar o bode na sala? O presidente veta R$ 5,7 bi, se acertam todos em algo como R$ 4 bi, e todos ficam felizes: Bolsonaro fatura o veto, Suas Excelências comem o dobro da já enorme verba de campanha, e haverá quem acredite que o presidente que come picanha de R$ 1.700,00 o quilo por nossa conta defendeu o Tesouro.

O gasto público na campanha eleitoral brasileira já é o maior do mundo – isso antes do bode na sala. Como diria Dilma Rousseff, alcançada a meta, dobramos a meta. E continuamos trabalhando para alimentar pançudos.

De ponta a ponta
Quando se trata de sugar mais dinheiro da população, ideologia deixa de ser importante: deputados que adoram Lula e deputados que amam Bolsonaro votaram juntos para triplicar as verbas de campanha. Farinha do mesmo saco. Condenarão a tunga, embora tenham votado por ela. Aceitarão com ar de sofrimento, em nome do interesse nacional, a falsa redução de verbas que representará, na verdade, o dobro daquilo que já mamam.

Senhor juiz, pare agora!
A única solução para a indecente situação do financiamento de campanha é o pedido, já feito ao Supremo, para que suspenda o escândalo. Espera-se que o ataque a nossos bolsos vá contra a lei. Ou a politicalha vai tomar o nosso.

Em poucas palavras
O Fundo Eleitoral é o dinheiro que as Excelências tomam dos cidadãos para decidir quem ocupará os cargos que lhes permitirão continuar a tomá-lo.

(*) Carlos Brickmann é jornalista, consultor de comunicação e colunista.

Fundo eleitoral crescidinho

José Horta Manzano

Nossa língua é muito difícil. Principalmente pra quem não aprendeu. A crise que assola a mídia tradicional – falo dos grandes jornais – deve ser realmente bem mais acachapante do que imaginamos. Os cortes salariais não estão atingindo só o porteiro e a mulher do café; já chegam à redação.

Estranhas chamadas de primeira página andam aparecendo. Algumas são tão absconsas que só podem ser compreendidas por iniciados; outras tiranizam a língua. Hoje o Estadão online estampou esta pérola:

Chamada Estadão, 19 set° 2019

A maior parte das vezes, o verbo crescer é intransitivo. Algo cresce. Ponto e basta, sem complementos.

Em casos mais raros, pode aparecer como transitivo indireto. Por exemplo:
À medida que discursava, o deputado transpirava mais e mais abundantemente e seu verbo crescia em furor.

Crescer não será jamais transitivo direto. Ninguém pode crescer algo.

Portanto, pra retomar o texto do jornal, a brecha aberta pela Câmara não crescerá o fundo eleitoral. Pra consertar, há diversas soluções. À escolha do freguês.

A brecha fará fundo eleitoral crescer.

A brecha aumentará fundo eleitoral.

A brecha inflacionará fundo eleitoral.

A brecha ampliará fundo eleitoral.

A brecha inchará fundo eleitoral.

A brecha expandirá fundo eleitoral.

Essa história deixa um gosto amargo. Constata-se, mais uma vez, que Suas Excelências estão legislando em causa própria. Isso não me parece republicano. Acho que certas decisões que dizem diretamente respeito aos parlamentares deveriam ser tomadas por outras instâncias.

Não faz sentido que eles fixem o próprio salário, as mordomias, os adicionais, o número de assessores, a remuneração do pessoal, as condições de aposentadoria, o valor do fundo eleitoral. Essa tarefa deveria ser atribuída a um coletivo independente de cidadãos, que nada tivesse que ver com o Congresso. Pode-se discutir sobre a composição do plantel e a forma de escolher os componentes. O importante é que cessasse essa aberração de congressistas legislarem em benefício próprio.

Não é admissível que subsistam cidadãos ‘mais iguais que os outros’, gente que tem a faca e o queijo na mão. E a boca.