Pra reduzir a corrupção ‒ 1

José Horta Manzano

No atual estágio de evolução da humanidade, banir a corrupção da face da Terra é tarefa impossível. Talvez a situação mude num distante futuro, mas vai demorar um bocado. Embora pareça especialidade nacional, corrupção não é invenção nem exclusividade nossa. Há pior.

Nem falemos de pequenos países africanos, latino-americanos e asiáticos dos quais pouco se ouve falar. Mesmo em grandes nações «emergentes», a prática é pra lá de disseminada. Pode ir do mais alto mandatário ao mais humilde cidadão. Não se limita ao folclórico suborno do guarda para evitar multa.

Há lugares em que, sem pagar um “por fora”, não se tem acesso a bens ou serviços básicos. Pode parecer incrível, mas países há onde o cidadão tem de levar a mão ao bolso e dar uma «contribuição» informal para conseguir atendimento médico, para ser atendido num guichê, para matricular o filho na escola ou na creche, para conectar-se à rede de distribuição de eletricidade, para passar pela alfândega sem ser multado ‒ ainda que nada esteja irregular na bagagem, para obter um medicamento na farmácia, para assinar um contrato de aluguel e para uma infinidade de atos corriqueiros e diários.

O distinto leitor pode acreditar: comparado a muitos países, o Brasil ainda pode ser considerado um paraíso nesse particular. Eu diria até mesmo que, entre nós, corrupção e suborno já foram piores no passado. Por mera falta de informação, notava-se menos.

Num tempo em que poupatempos e outras modernidades não existiam, tinha-se de recorrer obrigatoriamente a um despachante ‒ profissional que, com o advento da informática, está com o futuro comprometido. O homem era especialista em subornar funcionários. Fazia disso meio de vida. Para tirar carteira de identidade, CNH, título de eleitor, passaporte, CPF e todos os documentos que o cidadão é obrigado a ter, era imprescindível passar pelo despachante. A situação tem mudado rapidamente.

Nosso problema maior, nesse campo, não é tanto a pequena corrupção feita de subornos e gorjetas. Os milhões (bilhões?) que passam de mão em mão nas altas esferas são o verdadeiro tumor que freia o avanço do país. Que ninguém se engane: quando uma empreiteira fatura ao governo uma obra com sobrepreço, quem paga, em última instância, é o contribuinte. Se Odebrecht & congêneres distribuem fortunas a torto e a direito, não é por espírito filantrópico. Os fundos não saem da reserva da empresa, mas são subtraídos dos cofres públicos ‒ do seu e do meu dinheiro.

Banir a corrupção, como eu dizia mais acima, é tarefa cabeluda. Mas há medidas relativamente simples que podem complicar e cercear a corrupção grossa. Tenho algumas sugestões. Pra não alongar demais, fica para um próximo artigo.

Burocracia intimidante

José Horta Manzano

Um dia, já faz um bocado de anos, resolvi me estabelecer por conta própria, aqui na Suíça. Conhecedor da via crucis que a criação de uma empresa representa no Brasil, procurei me informar sobre o caminho a seguir.

Telefonei à autoridade competente e contei o que pretendia fazer.

Meu interlocutor me perguntou:
«É uma firma individual, só no seu nome?».

E eu:
«Sim, sou só eu».

A resposta veio rápida:
«Nada!».

Não entendi. Insisti:
«Como assim, nada? Não tenho de fazer nada?».

E o funcionário repetiu:
«Nada, não, senhor. Comece a exercer sua atividade e, chegando ao final do ano, inclua seus ganhos na sua declaração de renda».

Acostumado com a burocracia massacrante que atormenta todo pequeno empresário brasileiro, levei algum tempo para me dar plenamente conta. Acabei descobrindo que era verdade mesmo. Não há formalidade nenhuma para quem quiser montar uma pequena empresa individual na Suíça. Que comece a trabalhar. Depois, veremos.

Contador

É evidente que isso vale para uma microempresa. Quisesse eu fundar uma sociedade anônima, a conversa seria outra. Uma pequena empresa suíça cujo faturamento anual se situe abaixo de 75 mil francos (180 mil reais) não estará nem sujeita ao recolhimento do IVA (imposto sobre valor agregado).

Chegando ao final do primeiro exercício, o microempresário declarará quanto vendeu, quanto gastou e quanto lhe sobrou. A partir daí, algumas pequenas taxas municipais lhe serão cobradas. Umas são baseadas no total das vendas, outras são calculadas sobre o aluguel pago. Afora isso, o lucro será adicionado a outros ganhos eventuais do microempresário. E o total será inscrito na declaração anual que cada cidadão tem de apresentar.

À medida que a pequena empresa for crescendo, é provável que contrate funcionários. Terá então de seguir as normas trabalhistas, que por aqui são bastante leves. Deverá recolher uma porcentagem da massa salarial anual e repassá-la ao equivalente helvético do INSS.

Quanto maior se for tornando a empresa, mais complexo se tornará o tratamento fiscal e trabalhista. É natural. Mas aí já são outros quinhentos. Parte-se do princípio que uma firma de maior porte tem melhores condições de gerir suas contas. Não se podem exigir os mesmos malabarismos do pequeno autônomo que se lança por conta própria. Ninguém é obrigado a recorrer a contador nem a despachante. Quem souber, cuida de sua contabilidade sozinho. Despachante é função desconhecida, que nem tradução tem.

Andei lendo o escrito de Adriane Silveira, publicado no Blog do Empreendedor, alojado no Estadão. Fiquei abismado. É difícil entender por que, raios, se criam tantos obstáculos para dificultar os que têm ânimo, energia e um pequeno capital para se lançar. A impressão que fica é de que, no Brasil, todo cidadão é suspeito de desonestidade até que prove o contrário.

Quem é que ganha com isso?

O candidato a empresário não será. Muita gente boa deve ter desistido no meio do caminho. Garra de empreendedor não rima necessariamente com fôlego para enfrentar burocracia pesada.

O País também perde. O incrível emaranhado de exigências inibe a microempresa nascente. E pensar que ela poderia até evoluir, criar empregos, contribuir para a dinâmica econômica. É desolador.

Por que esses entraves? Se alguém tiver a resposta, que me explique. Sinceramente, não consigo entender. A impressão que fica é a de que as autoridades fazem o que podem para inibir a livre iniciativa.

Quem planta vento, colhe tempestade. Essa multiplicação de entraves tem efeito perverso: gera miniempreendedores informais, que agirão fora da legalidade. E que, naturalmente, escaparão ao imposto.

Parece-me que as autoridades fiscais brasileiras estão observando o mundo pelo lado errado do binóculo. Estão enxergando tudo muito pequeno. Que deixem a cada um a liberdade de criar, de empreender. No meu entender, autoridades estão aí para fiscalizar a posteriori, não para coibir a priori.

.:oOo:.

Nota: Na Suíça, salvo no caso de sociedades anônimas, o balanço anual que se apresenta ao fisco não precisa ser assinado por um contador. Há normas para demonstrar as contas. Desde que elas sejam respeitadas, o responsável pode prescindir de um contador. Ele mesmo assinará o balanço e, se for o caso, responderá pessoalmente por eventuais irregularidades.