José Horta Manzano
Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 31 julho 2021
Nestes tempos de desordem climática, o planeta vem sendo castigado por fenômenos extremos. Calor escaldante onde costuma fazer frio, inundação onde pouco chove, geada em terra tropical – nunca se sabe quais surpresas desagradáveis estão por vir. Os alemães, normalmente tão habituados a ver chover, foram surpreendidos este mês por precipitações diluvianas. Tanto choveu e por tanto tempo, que campos se encharcaram, rios transbordaram e casas ruíram. Ruas viraram rios e estradas foram tragadas. Cerca de 200 pessoas perderam a vida, um desastre nacional.
Impôs-se evitar semelhante tragédia no futuro. Mas é impossível segurar as forças da natureza. Se, em tempos normais, já não era simples, numa era de desarranjo atmosférico ficou ainda mais difícil. Já que não se pode afastar o perigo, o jeito é estar atento e prevenido. Ficou combinado que o método tradicional de alerta por toque de sirenes será pouco a pouco aposentado. O novo sistema, mais em conformidade com nosso tempo, alertará a população por SMS. Com essa providência, todos os cidadãos serão avisados, onde quer que estejam, com mais antecedência e maiores detalhes. Quando não se pode parar a chuva, convém abrir o guarda-chuva.
O capitão que, um tanto desastradamente, o povo escolheu para dirigir o Brasil tem soprado nas brasas desde o dia em que tomou posse do cargo. Manipulando, sôfrego, a pá e o bafo, ele tem alimentado o braseiro: a pá leva o carvão; o bafo calibra o sopro. Qual flama olímpica sem brios, o foguinho vai virando fogueira que periga incendiar o país. Agora, que todos estão cientes de suas intenções insurrecionais e de seus métodos putschistas, o sinal de alarme começa a soar.
Soluções para pôr fim ao problema têm sido tiradas do chapéu, uma atrás da outra, como se coelhinhos fossem. A proposta mais recente é a adoção do semipresidencialismo, caminho que o Brasil ainda não trilhou. Embora aventada há pouco, a hipótese já conta com apoio de muita gente fina. O sistema vigora há décadas na França e em Portugal. Pode-se até, num futuro, pensar em implantá-lo entre nós. Agora, não. A afobação não é boa conselheira. Solução adotada no ponto alto de uma crise periga parecer deslocada quando a crise desincha.
O problema urgente do Brasil, que se saiba, não está no sistema de governo. Não é o regime que está transtornando o andamento da vida nacional. Nosso distúrbio nacional é provocado por um elemento perturbador, que todos conhecem de sobejo: Jair Bolsonaro. Com seu comportamento irresponsável, o presidente responde sozinho pela gravidade da disfunção.
Implantar novo regime para curto-circuitar um mau dirigente equivale a caçar passarinho com canhão, uma medida extremada, desnecessária e de eficácia duvidosa. Não precisamos disso. É o tipo de decisão de consequências duradouras, mas sem garantia de favorecer nosso avanço civilizatório. Não é mudança que se deva fazer de afogadilho. Tudo o que é feito às pressas tende a ser mal costurado. Uma decisão desse calibre, mal ajambrada, pode nos castigar por muito tempo. Além do mais, todos sabem que o capitão é daquele tipo de dirigente com potencial de pôr tudo a perder, seja qual for o regime. Nosso ordenamento jurídico prevê medidas de contenção para refrear arrebatamentos do presidente – inclusive para apeá-lo do cargo. São medidas amplamente suficientes. Basta usá-las.
Há quem acredite que uma tentativa de “autogolpe”, desferido pelo presidente, poderia até dar certo. Não é meu caso. Todos conhecem o caráter movediço, imprevisível e insidioso de Bolsonaro. Com exceção de seus familiares, ninguém pode atestar que terá lugar garantido à mesa dos vencedores em caso de aventura putschista vitoriosa. Isso vale até (e principalmente) para seus assessores mais próximos, civis ou militares. Os que apoiam o presidente por motivos venais devem fazer as contas; chegarão à conclusão de que o risco de se darem mal é maior que o sonhado butim.
Adular o capitão sai barato. Já acompanhá-lo numa louca empreitada são outros quinhentos. Ninguém é besta.
Lendo suas observações, cheguei à conclusão de que o semipresidencialismo é o equivalente a estar “meio grávida”. Não tem mesmo como dar certo se a mulher não aceita fazer prontamente um teste confiável e começar a tomar providências para acompanhamento médico, seja qual for o resultado. Parabéns.
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Tem toda razão. Além de não ser hora de pensar nisso, pois não convém mudar regras durante o jogo, o semipresidencialismo tem essa de ficar em cima do muro, nem pra lá, nem pra cá. Acredito que o maior problema nacional está longe de se resumir a presidencialismo x parlamentarismo. Há buracos mais urgentes a tapar.
Pessoalmente, se tivesse de decidir, optaria pelo parlamentarismo. Sei que nosso parlamento costuma ser assim assim. De qualquer modo, por pior que seja, suas imperfeições se diluem, ao passo que um mau presidente, como o atual, não tem remédio. Sendo um só, não tem como escapar. E não podemos ir de impeachment em impeachment, como se se tratasse de videogame.
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