José Horta Manzano
Como tantas outras expressões, também esta tem origem incerta, pouco evidente, perdida na poeira dos séculos. “Estar a ver navios” ou “ficar a ver navios” tem sotaque luso; fosse nossa, é provável que fosse “ficou vendo navios”. Assim, pode-se garantir que tenha surgido em Portugal.
No uso popular, quando se diz de alguém que “ficou a ver navios”, informa-se que esse alguém sofreu frustração, ficou decepcionado. Equivale a dizer que “voltou de mãos abanando”. Encontrei numerosas hipóteses para explicar sua origem – nenhuma delas muito convincente, por sinal.
A mais difundida é a que liga a expressão à saga de Dom Sebastião, aquele jovem rei de Portugal desaparecido em 1578 na Batalha de Alcácer-Quibir (Ksar el-Kebir, no atual Marrocos). Inconformados com o sumiço do rei, provavelmente morto no campo de luta, integrantes do establishement português puseram-se a esperar por sua volta. Esse movimento dito sebastianista foi persistente, atravessou séculos; prolongou-se até um tempo em que o bom senso indica que o rei já teria morrido de velhice. Hoje arrefeceu.
Segundo esta hipótese, multidões de lisboetas subiam ao Alto de Santa Catarina e lá permaneciam, a fitar o horizonte, pra ver se descortinavam a volta do barco do rei desaparecido. Fico um tanto desconfiado com essa lenda. Será que, em Lisboa, havia “multidões” sem outra ocupação que não fosse subir o morro pra passar horas olhando paisagem? A vista do mar é certamente linda, mas, assim mesmo, é difícil acreditar neste conto de fadas.
Há outras hipóteses. Uma delas faz referência a um rico armador da cidade do Porto, um certo Pedro Sem, que teve a péssima ideia de desafiar o Todo-Poderoso a fazê-lo empobrecer. Naquele exato instante, toda a sua frota naufragou ali, sob seus olhos, sem mais nem menos, deixando-o a ver navios indo ao fundo. Esta fantástica história me faz lembrar Jonas, o personagem bíblico que foi engolido por uma baleia, ficou três dias e três noites em seu ventre e, em seguida, foi regurgitado. Inteiro e com vida. Uma história fabulosa (no sentido de fábula).
Outra explicação nos faz de novo subir ao Alto de Santa Catarina. Conta que armadores portugueses da época da expansão colonial lá permaneciam a perscrutar o horizonte à espera das caravelas que retornavam carregadas de mercadoria. Ainda que fosse verdade, não vejo relação entre uma coisa e outra. Se esperavam a chegada dos navios para, em seguida, descer ao porto para comerciar, onde está a decepção contida em “ficar a ver navios”?
Quem procurar encontrará ainda mais hipóteses, umas mais cabeludas que as outras. Não tenho pretensão de ter inventado a pólvora, mas acredito que a origem há de ser uma situação bem mais simples. Nada de Dom Sebastião ou de caravelas de retorno das colônias. Imagino origem próxima do dia a dia dos portugueses daquele tempo.
Tenho uma proposição de hipótese a ser acrescentada à lista das candidatas a verdade incontestável. Portugal é país voltado para o mar. Desde sempre, a pesca tem tido peso importante em sua economia. Fico imaginando um grupo de meia dúzia de pescadores que deixem a costa num barquinho e se aventurem a jogar rede mar adentro. Passado o dia, voltam com um par de sardinhas, nada mais.
“– Então, António, como foi a pesca?”
“– Péssima! Não deparámos nenhum cardume. Passámos o dia a ver navios.”
De tanto ser repetida, a expressão entrou para a língua com o sentido de voltar decepcionado. Se não for verdade, bem que poderia ser.
Para mim, sempre significou que a pessoa fica na praia (ou no cais do porto) sem ter ousado embarcar na aventura de singrar os mares/não ter embarcado em nenhum navio – e, por isso, profundamente decepcionada e entediada (tipo um ‘voyeur’).
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E por que não?
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Ótima crônica, um abraço Nelson Silva
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Muito obrigado, Nelson.
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Caro Manzano, a versão que conheço e me parece plausível – e, ao que consta, é fato comprovado historicamente – diz que D. João VI e a corte portuguesa embarcaram fugindo de Portugal rumo ao Brasil poucos minutos antes de as tropas de Napoleão chegarem ao porto de Lisboa. Ou seja, os soldados franceses que tinham a missão de capturar o rei português ainda conseguiram avistar as naus lusitanas sumindo no horizonte. Portanto, ficaram a ver navios.
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É verdade, Bizzocchi, essa também poderia ser. Aliás, encontrei menção a ela.
As tropas do general Junot chegaram a Lisboa em 1807. Tenho cá pra mim que a origem da expressão é bem mais antiga, mas não passa de impressão minha.
Dado que ninguém pode garantir qual seja a verdadeira origem, a bolsa de apostas continua aberta. Quem se habilita?
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