José Horta Manzano
Crise
Por que se fala em «crise na Petrobras» quando o que houve foi pilhagem da Petrobrás? Covenhamos, a crise não é na petroleira, atinge todo o andar de cima da ultraestratificada sociedade brasileira. Aliás, além de dona Dilma, quem garante que a pilhagem terminou?
Diferenciado
Por que será que «diferenciado» substituiu diferente? Há de ser para marcar uma diferença ainda maior.
Os delinquentes que assaltaram ontem o cardeal-arcebispo do Rio pediram desculpas ao prelado. Mas cometeram o crime assim mesmo. Terão dado a Sua Eminência um tratamento… «diferenciado»? Será isso mesmo?
Violência
Por que razão todos nós nos limitamos a apontar a atual «onda de violência» quando, na verdade, se trata de onda de crime?
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Ativismo
Por que chamamos «ativistas» os energúmenos que provocam baderna em praça pública? Arruaceiros é o que são.
Performance
Por que, diabos, usamos a expressão «performance» ― bizarro híbrido anglofrancês ― quando nosso velho desempenho dá o mesmo recado?
Ranking
Por que usar «ranking» em substituição à tradicional classificação? Ranking é filhote da mesma raiz ‘reg’ que desembocou em rei, regulamento, régua e regra. Ranking traz embutida a ideia de fila indiana, de ordenamento militar. Classificação tem mais classe.
Facção
Os agrupamentos de facínoras que povoam prisões e ruas não merecem o sofisticado título de «facção». É nobre demais. Que se os chame por nome mais adequado: bando, quadrilha, gangue.
Com certeza
Em português, assim como em numerosas outras línguas, usa-se a locução «com certeza» justamente em situações em que não se tem muita certeza. O uso tradicional costumava ser:
«Onde estará Joãozinho? Já é tarde, e ainda não chegou.»
«Ah, com certeza ficou trabalhando até mais tarde.»
O sentido da expressão tem-se invertido estes últimos tempos. Passou a designar exatamente aquilo que é certo, seguro, garantido. Por exemplo:
«Então, você vai ao comício do palhaço Itaparica?»
«Com certeza! Não perco uma fala daquele candidato.»
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Comunidade
Comunidade sempre foi um conceito vago, abrangente, pau para toda obra. O que se costuma definir como palavra-ônibus. Costumava ser usada como termo complementar. Uma vez que já se sabia do que se estava falando, comunidade podia substituir o substantivo principal para quebrar a monotonia. De uns tempos pra cá, comunidade assumiu valor absoluto. É usada sem maiores detalhes, tornando a comunicação imprecisa.
Se alguém lhe disser: «Lá, na minha comunidade, somos todos gente fina.», você vai entender que todos são gente boa, mas ficará sem saber que espécie de comunidade é. Melhor será refrear-se de ceder ao modismo. Vamos guardar o nome específico de cada comunidade. Favela, associação, cortiço, bairro, povoado, cadeia, seita, clube, vila, quilombo, grêmio são comunidades. Mas cada um desses nomes encerra realidade diferente. Vamos dar nome aos bois?
Dessa lista, da qual assino embaixo, “performance” é a que mais me desagrada; um estrangeirismo totalmente dispensável, mas um modismo forte! Eu o substituo exatamente por “desempenho” em todo texto que reviso! E acrescento: a lista é memorável! Parabéns, Sr. Manzano!
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Verdadeiro! Tenho ouvido uma palavra que vem sendo usada por representantes de um governo de um certo país (que não vou dizer o nome), substituindo a palavra “roubo”. Preferem que os cúmplices sejam acusados de cometer um “malfeito”. Parece-me que isso é um ato falho da parte deles, pois dá a impressão que foi “malfeito” (praticado imperfeitamente) aquele roubo que deveria ter sido feito de modo a não ser descoberto.
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Tiro certeiro, Jaciel! Excelente reflexão.
Abraço.
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Eu não sei para o resto do mundo, mas em psicologuês há uma sutil diferença entre as palavras “diferente” e “diferenciado”. A segunda conota uma postura ativa, isto é, incorpora traços que fazem a coisa (ou pessoa) tornar-se diferente, de modo a destacar-se. Outro exemplo dessas sutis diferenças se dá com as palavras “vivência” e “experiência”. Embora elas passem praticamente a mesma mensagem, a primeira é, por assim dizer, mais “pessoal”, uma experiência que é instransferível. No mais, parabéns pelas observações.
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A grande maioria de tais “neologismos” devemos à astúcia de nossa classe política. Simples estratégia para ludibriar os incautos.
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