José Horta Manzano
Dez anos atrás, quando conseguiu ser eleito ao cargo mais prestigioso da República, o Lula devia estar muito feliz. Seu deslumbramento cegou-o. Deve ter imaginado que havia chegado lá exclusivamente por mérito pessoal. O sucesso baralha as ideias.

Caçador de letras
by André Abreu, desenhista paraense
Em sua simploriedade, o novo inquilino do Planalto não foi capaz de se dar conta de que, enquanto ele entrava com a cara e o carisma, uma complexa máquina operada por milhares de indivíduos atapetava-lhe o caminho do triunfo. Às vezes eu me pergunto se, hoje, a ficha já caiu ― se ele já entendeu que, sem o amparo de foi beneficiário, jamais teria sido eleito.
Já foi dada a prova de que, dispondo de máquina eleitoral eficiente e bem lubrificada, qualquer um pode ser eleito. Dois postes ― para usar a linguagem do próprio ex-presidente ― já tiraram a sorte grande por esse método: o prefeito de São Paulo e a atual presidente da República. Eram ilustres desconhecidos desprovidos de capital eleitoral. Se foram guindados ao posto que hoje ocupam, devem-no exclusivamente ao complexo e formidável aparelho político-partidário que os catapultou.
Voltemos a nosso antigo presidente. Partindo de seu caso particular, o Lula generalizou. Sua ascensão à chefia do Executivo há de tê-lo convencido de que a falta de instrução formal não constituía, em absoluto, empecilho para o sucesso. Se um semiletrado havia podido alçar-se ao posto maior, qualquer um poderia conquistar qualquer posto. Ora, pois!
Convencido de que o mundo funciona assim, foi coerente consigo mesmo. Despendeu esforço e dinheiro (público) para costurar acordos, cooptar apoio, alardear seus feitos. Para a educação, nada. Migalhas. Por que gastar dinheiro com supérfluos? ― deve ter pensado nosso líder.
Quem planta, colhe. As crianças que, em 2003, estavam na escola primária, estão hoje cursando ensino superior ou às portas de fazê-lo. Como o governo central não se preocupou em dar-lhes formação sólida, continuam chegando crus aos estudos superiores. Nossas escolas superiores chegam a abrigar gente cuja ausência de pensamento lógico as impede até de se exprimir. São estabelecimentos que, de superiores, só têm o nome.
Vamos ser justos: o presidente taumaturgo não é o único responsável pela pobreza intelectual do jovem brasileiro. Com esporádicas exceções, os que lhe antecederam pouco tinham feito pela instrução pública. No entanto… nosso milagreiro carregava capital de esperança superior a qualquer um de seus predecessores, desde Getúlio Vargas. Mais que isso, tendo sentido desde a infância o peso da ignorância e a falta que o saber faz, era de esperar que se mostrasse sensível à elevação do nível de formação escolar.
Não foi o que aconteceu. Temos hoje, em teoria, um número maior de escolas de ensino dito superior. Mas os alunos que a ela chegam nem sempre estão capacitados a encarar aprendizado complexo. Não foram formados para isso. Os docentes são obrigados a descer ao nível dos alunos. Forma-se um círculo vicioso. Os diplomados de amanhã terão recebido formação de segunda classe. Tendo recebido formação fraca, transmitirão os parcos conhecimentos de que dispõem. E o círculo se fecha.
Saiu ontem a notícia: a respeitada instituição Times Higher Education avalia que a Universidade de São Paulo ― o melhor estabelecimento de ensino superior do Brasil ― não figura mais nem entre os 200 melhores do mundo. Está mais perto do 250° lugar.
Tendo em mente que o Brasil é o 5° país em superfície e também o 5° em população, a classificação de nosso ensino é lamentável, vergonhosa, inquietante. E nada indica que a descida aos infernos esteja perto de se estancar. Detalhe acachapante: a instituição avaliadora chega até a considerar que duas universidades turcas são melhores que nossa USP.
Acredito que a mente do jovem brasileiro não seja mais embotada que a de qualquer outro. Portanto, estamos desperdiçando material humano e comprometendo o futuro do País. Uma pena. Já dizia Pero Vaz de Caminha, 500 anos atrás, que a terra achada era boa e que, em se plantando, dar-se-ia nela tudo. Falta plantar.